África: um continente atraído pela inovação

FOTO African Development Bank

Em 2012, quando trabalhava no mercado financeiro em Paris, O camaronense Christian Kamayou, criou o serviço Financetesetudes.com, uma espécie de corretora online especializada em empréstimos bancários para estudantes. A ferramenta gratuita ajuda a colocar estudantes e bancos frente-a-frente, diminuindo a burocracia e reduzindo custos. Dois anos depois, ele percebeu que o continente africano está crescendo, apesar da falta de visibilidade para ideias como a dele, inovadoras mas sem visibilidade na mídia e precisando de investidores. Daí surgiu a ideia de fundar a organização MyAfricanStartUp.

Com mais de 70% da população com idade inferior a 30 anos, a África é um continente relativamente jovem e deve permanecer nessa condição durante as próximas décadas. Em 2025, um quarto de todos os jovens menores de 25 anos no mundo será africano, segundo projeções da Comissão Econômica da Organização das Nações Unidas para a África. Jovens como Christian têm pensando em soluções inovadoras para os problemas cotidianos e buscam transformar essas soluções em negócios. Como resultado desse movimento está surgindo um ecossistema fértil para o empreendedorismo, como prova a proliferação das inúmeras startups – modelos de negócios que buscam explorar atividades inovadoras – além de espaços de coworking, que reúnem dúzias dessas empresas, como iHub, em Nairobi, o Leadspace, em Lagos e o JoziHub, em Joanesburgo.

“Inicialmente, foi necessário realizar duas estratégias. Uma foi criar uma plataforma onde nós pudéssemos ajudar as startups a ganhar visibilidade e ligá-las com os investidores. A segunda estratégia era ter um evento físico”, explica o indiano Sathiaya Nathan, diretor de marketing da MyAfricanStartUp. O primeiro evento, que aconteceu em 2015, teve o apoio do AfDB e de outras grandes instituições. “Uma coisa especial que aconteceu nesse evento foi o Startup Bus. Nós viajamos pela África, começando pela Nigéria, selecionando grupos de startups, que eram colocados dentro do ônibus e, durante a viagem, desenvolviam suas ideias. Também havia experts viajando no ônibus com eles para ajudá-los a desenvolver as ideias de forma mais eficiente”, conta. Recentemente, a organização lançou uma publicação com uma lista de 100 startups para investir na África com o foco em conseguir visibilidade para as startups e atrair mais investimentos estrangeiros. O modelo usado pela organização está sendo implementado na Índia pelo próprio Nathan.

EM BUSCA DE ANJOS

Empreender não é fácil. E inovar também não. Por isso, as startups precisam de apoio de organizações que ajudam a desenvolver melhor cada ideia, como as incubadoras e também a figura do investidor-anjo. O ambiente empreendedor, apesar de bem competitivo, é bastante desafiador. “Um dos principais desafios é conhecer o mercado onde você vai atuar. É muito comum se conhecer empreendedores que acham que tiveram uma ideia brilhante e que sonham em fazer algo inovador, mas que não conhecem o mercado. É preciso estudar, conhecer muita gente, conversar bastante, se capacitar para entender de finanças, marketing, da parte técnica e, também, encontrar sócios que completem a suas qualidades”, acredita Cassio Spina, fundador da Anjos do Brasil, uma organização brasileira voltada para incentivar o investimento-anjo e apoiar o empreendedorismo inovador no país. “A gente faz um filtro com os empreendedores e compartilha com os membros, que, caso se interessem, terão o contato direto com esses empreendedores. A gente tem grupo de investidores espalhados pelo Brasil, que fala direto com o empreendedor”, explica Spina. Ele conta que antes do empreendedor ir atrás de um investimento-anjo é importante estudar e entender como o negócio funciona. “Isso é fundamental para ter sucesso. E acabar com o mito da grande ideia: o mais importante é a execução. O maior desafio, portanto, é tirar o empreendimento do papel”, determina.

 

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OS MELHORES AMBIENTES PARA EMPREENDER NA ÁFRICA

Esse novo momento para o empreendedorismo africano está registrado no recém-lançado relatório Global Startup Ecosystem Report e Ranking 2017 , elaborado por duas importantes organizações internacionais, a Startup Genome e a Global Entrepreneurship Network (GEN). Apesar de nenhum país africano ter alcançado a lista dos 20 mais empreendedores do mundo, três cidades da região foram mencionadas com destaque no documento: Lagos, Cape Town e Johannesburg. O ecossistema de startups de Lagos movimenta US$ 2 bilhões e é considerado o mais valioso do continente africano. A cidade nigeriana também se destaca pelo fato de 93% dos fundadores de startups terem uma formação técnica, a terceira maior taxa do mundo.

“Estes são tempos emocionantes para o rápido crescimento do ecossistema de startups em Lagos. Estamos vendo startups boas e inovadoras surgirem através do sistema de investidores locais e internacionais fornecendo capital inicial para os empreendimentos. Certamente, ainda há muitos desafios enfrentados pelo ecossistema, mas isso é de se esperar já que esse ecossistema está no início”, comemora Collins Onuegbu, diretor da Lagos Angel Network, entidade sem fins lucrativos que reúne investidores-anjo e empreendedores. Estima-se que a cidade possua entre 400 e 700 startups ativas. Esse número elevado se deve ao alto índice de conectividade. O relatório diz que “a Nigéria adiciona seis milhões de novos usuários de internet a cada ano e a energia empreendedora febril de Lagos fornece novas tecnologias úteis”.

Cape Town, por sua vez, tem o maior ecossistema de startups no continente africano, com um número estimado entre 700 e 1200 startups ativas na cidade. Todo o ecossistema, no entanto, é avaliado em US $ 172 milhões, bem abaixo de Lagos e Joanesburgo. O número de negócios inovadores se deve sobretudo às sólidas instituições acadêmicas da cidade. “As ideias são fáceis, a implementação é difícil, por isso ajudamos a expor as startups ao pensamento que expande seus modelos de negócios, chegando ao ‘porquê’ mais rápido”, explica Lianne Du Toit, gerente de ecossistemas do MTN Solution Space, da University of Cape Town Graduate School of Business (GSB).

O ecossistema com maior conexão global no continente africano é Joanesburgo, movimentando US$ 1,36 bilhão. A cidade tem a terceira maior porcentagem de startups que atuam globalmente (67%) bem acima da média global, que é de 51%, abriga entre 200 a 500 startups ativas e recebeu cerca de 180 eventos no ano passado. O mais importante deles foi realizado no último mês de março: o Congresso Global de Empreendedorismo. Pela primeira vez o evento foi organizado no continente africano, reunindo mais de 6.000 participantes de todo o mundo durante uma semana. “Como o epicentro financeiro e corporativo do continente, Joanesburgo é vista por muitos como a Nova Iorque da África. Com todas as principais sedes corporativas aqui e grande conectividade para todo o continente, é o local ideal para construir parcerias corporativas e expandir em todo o continente”, defende Marcello Schermer, diretor da organização suiça Seedstars World.

Além de Nigéria e África do Sul, o Quênia tem se projetado como um dos líderes de tecnologia do continente. Mais da metade da população da maior economia do Leste da África tem acesso à internet. O país também é lar de um grupo crescente de usuários de telefones celulares. Além disso, possui uma complexa rede de incubadoras e espaços de inicialização. “Nairobi emergiu como um centro de tecnologia e pode se tornar o líder africano”, escreveu Eric Schmidt, presidente executivo da Alphabet, empresa dona do Google, em post na rede social Google+, depois de uma semana viajando pela África subsaariana, em 2013. “A conectividade móvel é a maior coisa que África tem. A Internet na África será principalmente móvel”, completa. “A informação é poder, e mais informação significa mais opções.”

 

OS JOVENS NA AGENDA DO AFDB

Em novembro do ano passado, o Banco Africano de Desenvolvimento (AfDB) lançou em parceria com o Banco Europeu de Investimento (BEI), a iniciativa Boost Africa, que pretende estimular o potencial empresarial dos jovens africanos na criação de empresas inovadoras e atraentes. A ideia é que essas empresas tenham a capacidade para competir regionalmente e globalmente, atrair investimentos diretos nacionais e estrangeiros, criar novos empregos e contribuir para um crescimento econômico inclusivo e sustentável. “A Boost Africa ajudará a população jovem de África a ganhar esperança e confiança de que eles podem ter sucesso em realizar seus sonhos e aspirações”, acredita Akinwumi Adesina, presidente do AfDB.

O foco da iniciativa será em setores onde as inovações podem melhorar diretamente a qualidade de vida das pessoas, em particular das famílias mais pobres, proporcionando acesso a produtos e serviços acessíveis. “Trata-se, assim, de uma forma concreta de combater os fatores de longo prazo que alimentam a pobreza, a instabilidade e a fuga de cérebros”, afirmou o presidente do BEI, Werner Hoyer.

Um dos diferenciais do programa é o uso da rede de parceiros dos dois bancos, que será usada para acelerar o crescimento e o desenvolvimento das empresas em fase embrionária. Como um investimento combinado inicial de até € 150 milhões, a iniciativa está prevista para alavancar até € 1 bilhão em investimentos adicionais no período de oito anos. “O futuro de África será determinado pela juventude atual e é crucial que criemos e apoiemos oportunidades do empreendimento para a juventude que gerem histórias do sucesso, mostrando-as como exemplos para outros jovens”, afirma Akinwumi Adesina. Se o empreendedorismo africano tivesse uma trilha sonora, ela provavelmente seria embalada por uma canção dos Rolling Stones que diz “If you start me up, I’ll never stop”.

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