Mais de 85 países pescam atum em quantidades comerciais, com as exportações anuais representando cerca de 8% de todos os frutos do mar comercializados internacionalmente.
Sem perspectiva de crescimento em mercados maduros, como Estados Unidos, Japão e União Europeia, a cadeia produtiva do atum tem buscado novos mares. Brasil e países da África querem abocanhar fatias maiores desse segmento, que movimenta estimados 3 bilhões de dólares por ano. Para tanto, os países têm buscado fazer investimentos e se organizar melhor para potencializar a pesca. Além disso, é claro, cada lugar busca se adequar às regras globais de ordenamento pesqueiro. Como o atum é uma espécie migratória e, por isso, não respeita fronteiras políticas, foram criadas cinco associações internacionais para gestão e conservação do atum e espécies afins, chamadas de RFMO (Regional Fisheries Management Organizations). A maior delas é a ICCAT – International Commission for the Conservation of Atlantic Tunas. Com sede em Madri e formada por 45 países membros, a organização é responsável pela área de todo o Oceano Atlântico. Anualmente, o ICCAT define as cotas de pesca para cada país, os locais onde a pesca pode ser feita e a época certa para a atividade.
Mapa-múndi do atum
Dois principais produtos impulsionam a produção de atum: o atum enlatado tradicional e a dupla formada por sushi e sashimi, iguarias da culinária japonesa. Estes produtos demonstram diferenças relevantes em termos de espécies utilizadas, requisitos de qualidade e sistemas de produção. Dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) apontam que o mercado de atum-rabilho, bastante utilizado para sushis e sashimis, está diminuindo significativamente, à medida que os consumidores japoneses buscam uma dieta formada por alimentos menos tradicionais. O Japão, sozinho, representa quase 90% do comércio mundial de atum-rabilho. Os Estados Unidos constituem o segundo mercado em volume para sushi e sashimi, com uma participação estimada de 8% a 10% do consumo global de sashimis. Se no Japão o consumo vem caindo, nos Estados Unidos a busca por sushi e sashimi vem crescendo na última década, acompanhando uma tendência registrada também na União Europeia, Austrália, Tailândia, Taiwan, Coreia, China e nas capitais da América Latina.
A indústria de conserva, por sua vez, continua a ser o principal destino da maioria das capturas mundiais de atum. A Tailândia, que lidera a posição de maior exportador de atum processado no mundo, registrou um aumento expressivo de 119% nas exportações do pescado entre 2000 e 2011, acompanhando uma tendência seguida por Equador e a Espanha. A Indonésia e as Filipinas também registraram aumento exponencial nas exportações nesse período.
Os principais mercados para o atum enlatado são os Estados Unidos, a União Europeia, o Egito, o Japão e a Austrália. No entanto, o consumo na última década estagnou tanto na Europa como nos Estados Unidos, e aumentou apenas moderadamente no Japão. Contudo, o consumo está crescendo nos mercados menos tradicionais da América Latina e do Oriente Médio, onde o volume de importações aumentou cerca de 50% nos últimos cinco anos.
A ascensão brasileira
Em geral, as indústrias da Europa e dos Estados Unidos realizam as primeiras etapas do processamento nos países em desenvolvimento, sobretudo em áreas industriais próximas aos principais portos. Assim, elas conseguem exportar produtos semi-processados para as instalações localizadas nos países mais ricos, onde ocorre a distribuição final. Assim é o caso da espanhola Crusoe Foods, que em 2014 instalou no Estado do Ceará, no nordeste brasileiro, uma fábrica capaz de produzir 10 milhões de latas de atum e sardinhas por mês. Sozinha, essa fábrica consome 30% do que é pescado no estado, que em 2017, atingiu a marca de 12,4 mil toneladas. O curioso é que há cinco anos, a pesca de atum não existia no Ceará. “Temos ido em outros estados e em feiras internacionais divulgando nosso atum para atrair outros investimentos”, afirma o Secretário da Agricultura, Pesca e Aquicultura do Ceará, Euvaldo Bringel.
Com 570 km de mar, o Ceará já tinha uma forte tradição na pesca da lagosta. “Os barcos lagosteiros ficavam seis meses parados durante o período do defeso. Daí os pescadores decidiram investir na pesca do atum e fazer adaptações nas embarcações. Numa segunda fase, novos barcos foram incorporados”, conta Bringel. Para potencializar o setor, o governo tem investido em tecnologia e na capacitação dos pescadores, além de incentivar o consumo interno, através de ações de marketing como a realização de festivais gastronômicos.
“Existe um mercado gigantesco. São volumes absurdos. No Estado de Santa Catarina [na região sul do Brasil], são processadas 100 toneladas de atum por dia para colocar em latinhas. É uma proteína de qualidade com um custo barato”, justifica Cadu Villaça, Diretor Técnico do Coletivo Nacional de Pesca e Aquicultura (CONEPE), organização que reúne as principais entidades do setor. “Fora o mercado interno, o mercado para exportação é bastante promissor”.
O potencial do mercado africano
Em março de 2018, a União Europeia assegurou o acesso aos direitos de pesca nas águas da costa da Costa do Marfim até o ano de 2024 em troca de uma contribuição financeira anual de 682 000 euros, que será utilizada, em especial, para o desenvolvimento da pesca e da aquicultura. Esse tipo de acordo comercial, envolvendo países da África e da Europa, existe desde o início da indústria do atum, na metade do século XX. Hoje, as empresas europeias dividem espaço com as indústrias asiáticas. Cercada por duas grandes costas oceânicas, a África fornece instalações de processamento mais próximas dos bancos de pesca, sem transbordos, que permitem oferecer produções de excelente qualidade.
As principais indústrias de atum enlatado estão sediadas em Dakar (Senegal), Abidjan (Costa do Marfim), Tema (Gana), Victoria (Seychelles), Antsiranana (Madagascar) e Port-Louis (Ilhas Maurício). Abidjan tem o maior porto para a frota de pesca de atum na costa atlântica da África reunindo três fábricas de atum em conserva na região do porto. Já Mahé, nas Seychelles, é o principal porto para a frota de atum na costa índica. A Costa do Marfim responde por mais da metade (65%) da produção na costa ocidental, seguido de Gana com 32%. Na costa oriental, Seychelles (57%) e Ilhas maurício (34%) lideram a produção.
“O mercado africano é bem relevante. No entanto, eles fizeram acordos de pesca, com direitos cedidos comercialmente para a Europa”, explica Cadu Villaça, do CONEPE. “Existe uma tendência de fortalecimento dos países costeiros. Além da Europa, China, Japão e Taiwan são os grandes exploradores do Atlântico. Não faz sentido alguns países terem cotas grandes e não termos algo semelhante no Brasil e na África”, conclui.
Superando problemas no Brasil e na África
O fortalecimento dos países costeiros da África será discutido em uma conferência global sobre oceanos que ocorrerá em novembro no Quênia. “O Oceano Índico Ocidental compreendendo Comores, Quênia, Madagascar, Ilhas Maurício, Moçambique, Seychelles, Somália e Tanzânia possui recursos marinhos ricos que atraem cerca de 500 embarcações de pesca comerciais de todo o mundo, principalmente para capturar atum. No entanto, um em cada cinco peixes é capturado ilegalmente”, lamenta Uhuru Kenyatta, presidente do Quênia. “O desenvolvimento da aquicultura pode contribuir significativamente para aliviar a pobreza, capacitar as comunidades locais e aumentar a segurança alimentar”, defende Senzeni Zokwana, ministro da Agricultura, Silvicultura e Pescas da África do Sul, país que pretende gerar 177 bilhões de rands em riquezas e abrir cerca de 1 milhão de vagas de trabalho até 2033 explorando seu potencial marítimo.
No outro lado do Atlântico, o setor pesqueiro brasileiro luta por políticas públicas mais eficientes e por mais acompanhamentos estatísticos, essenciais para atender às certificações internacionais. Sem elas, o Brasil pode perder o direito de explorar o atum como recurso. “Nos últimos anos o Brasil não informou ao ICCAAT quanto estava pescando. Também temos pescado abaixo do mínimo e estamos querendo ir além. Precisamos que o Brasil pague suas taxas e se regularize”, lamenta Euvaldo Bringel, da Secretaria de Agricultura, Pesca e Aquicultura do Ceará (SPA). Ele também reivindica políticas de financiamento para modernização da frota. “Infelizmente, a pesca não é prioridade para o governo federal. O Brasil não aproveita a economia do mar”.
Futuro ameaçado
Entre as oito espécies de atum existentes, duas estão na lista dos animais ameaçados de extinção, segundo a International Union for Conservation of Nature (IUCN). São elas a Thunnus orientalis (conhecido também como atum azul do pacífico) e a Thunnus thynnus, conhecida como “atum azul do Atlântico” ou atum-rabilho, a espécie mais procurada, podendo atingir 3,5 metros de comprimento e pesar até 650kg. “As pescarias de atum têm um valor biológico, econômico e cultural significativo, por isso é preocupante que os estoques não estejam sendo manejados usando abordagens robustas de precaução”, disse Alejandro Anganuzzi, coordenador global para atum do programa de Áreas Além das Jurisdições Nacionais da FAO (ABNJ). “Ao implementar estratégias de colheita que foram devidamente testadas, as RFMOs de atum podem trabalhar para melhorar a sustentabilidade de suas pescarias”.
Um relatório da FAO publicado em 2016 revelou que cerca de 90% dos estoques pesqueiros do planeta encontram-se sobrepescados ou plenamente explorados. As espécies de atum altamente migratórias representam cerca de 16% do valor de todas as pescarias de captura marinha e a sua gestão é da responsabilidade direta das cinco RFMOs. Mais de 85 países colhem atum em quantidades comerciais, com as exportações anuais representando cerca de 8% de todos os frutos do mar comercializados internacionalmente.
Entre as oito espécies de atum existentes, duas estão na lista dos animais ameaçados de extinção.
Insegurança no golfo da guiné
Nos primeiros quatro meses de 2018, o número de incidentes aumentou significativamente na região do Golfo da Guiné, com 36 registros, contra 17 no mesmo período de 2017, segundo dados da Organização Marítima Internacional. A pirataria marítima é uma ocorrência freqüente no Golfo da Guiné, especialmente perto do delta do rio Níger e contribuiu para aumentar em 6 vezes os custos de frete na área. A Ghana Tuna Association, que representa o setor da pesca do atum em Gana, pediu ao governo local mais esforços no monitoramento do litoral e pediu aos donos de embarcações que evitem pescar de forma isolada.
US$1,76 milhões de dólares
É o preço mais caro pago por um atum. Ele foi vendido no mercado de peixe de Tsukiji, em Tóquio, em janeiro de 2013.O atum-rabilho pesava 222 kg e foi comprado pelo japonês Kiyoshi Kimura, dono de uma cadeia de restaurantes de sushi.