O potencial das algas

Zanzibar, Tanzânia. Mulher trabalha em uma fazenda de algas

Antes consideradas por alguns como lixo dos mares por poluir visualmente as areias das praias, as algas marinhas são largamente utilizadas na indústria dos cosméticos, da alimentação e até na produção de biocombustíveis. Elas devem movimentar um mercado de US$ 45 bilhões até 2023, segundo a consultoria de mercado Credence Research. Existem dois tipos de algas marinhas: as microalgas e as macroalgas. As macroalgas são plantas aquáticas que crescem diretamente no oceano, e podem ser cultivadas em áreas costeiras. Já as microalgas são seres unicelulares microscópicos e podem ser cultivados na natureza ou em ambientes artificiais. Os dois tipos têm basicamente a mesma função: produzir matéria orgânica a partir de matéria inorgânica. Contudo, as microalgas são invisíveis a olho nu. Assim, podem estar presentes em inúmeros ambientes aquáticos, em árvores ou uma simples poça de água. “Sabe-se de cerca de 30 mil espécies identificadas, o que deve representar apenas 10% de todo o universo das microalgas. Dentro dessa faixa, algumas espécies são maiores, entre 2 a 2000 micrômetros. Essas são mais fáceis de identificar”, explica a bióloga Flávia Saldanha-Corrêa, que desde 2014 é curadora do Banco de Microorganismos Aidar & Kutner, do Instituto de Oceanografia da Universidade de São Paulo (BMA&K). O banco foi criado em 1975 e possui um acervo de 230 cepas de microalgas disponíveis para fins de pesquisa. Nos últimos 5 anos, 70 instituições, entre empresas e universidades se utilizaram dessas cepas para realizar pesquisas.

Uma vantagem das microalgas em relação às macroalgas é a rápida taxa de reprodução. “Num curto período de tempo é possível acumular muito mais massa do que a macroalga. Já fizemos pesquisas para produção de biodiesel com microalga. As microalgas acumulam lipídio, que é um óleo, pode ser convertido em biodiesel, como bioquerosene. Elas produzem carboidratos, que pode ser convertido em etanol. Acredito que no futuro não tão distante isso vai ser a principal fonte de energia renovável do mundo”, destaca a pesquisadora. “O potencial é gigantesco. Como existe um grupo com muita diversidade, ainda há muito o que descobrir”.

Spirulina | FOTO: A. MACIARELLI / FAO


Explorando o potencial

Uma parceria entre pesquisadores do Brasil e da Holanda mostra que é possível utilizar microalgas da espécie Chlorella para limpar o esgoto doméstico ao mesmo tempo em que se produz adubo orgânico. “No processo de tratamento de esgoto mais comum hoje, é necessário usar produtos químicos para remover o fósforo da água, e o que sobra é um lodo que tem pouca aplicabilidade. De acordo com a legislação em alguns estados brasileiros, não se pode usar esse lodo como fertilizante na agricultura, por exemplo”, lamenta um dos coordenadores da parceria, Luiz Antonio Daniel, professor do Departamento de Hidráulica e Saneamento da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP). “O lodo, então, acaba indo para aterros sanitários, ou seja, é preciso um gasto considerável apenas para se livrar dele.” Nos testes realizados pela equipe de pesquisadores, as algas Chlorella se valem do nitrogênio e do fósforo que existem no esgoto, bem como dos micronutrientes presentes nos dejetos humanos, para se multiplicar, formando uma biomassa essencial para a adubação. Otimizar todo o processo para que ele funcione em escala industrial é o próximo passo dos estudos, que contam com uma parceria com a Organização Holandesa para Pesquisa Científica (NWO). “Na Holanda, por exemplo, eles não têm sol o ano inteiro, como temos por aqui, nem o calor intenso do Brasil, que às vezes até atrapalha o crescimento das algas. Para chegar a uma escala maior, devemos fazer vários ajustes”, explica Daniel. Testes de campo estão sendo realizados na Estação de Tratamento de Esgoto da cidade de São Carlos, no interior de São Paulo.

Um outro exemplo interessante para o uso de microalgas foi encontrado por cientistas da África do Sul que buscaram uma solução para as milhões de toneladas de poeira de carvão que são descartadas por ano na natureza. Os pesquisadores da Nelson Mandela Metropolitan University descobriram que microalgas podem ser combinadas com carvão. “Se misturarmos poeira de carvão e biomassa de algas, as algas irão se juntar na superfície do carvão e ligar as partículas de pó”, descreve Ben Zeelie, coordenador do projeto. O resultado é um composto “carvão-alga”, nomeado e patenteado como Coalgae, que pode ser aplicado como substituto em aplicações que requerem carvão ou como biocombustível.


Produção de Spirulina em N’dress, República Centro-Africana


Agregando valor

Zanzibar, na Tanzânia, é o terceiro maior produtor de macroalgas do mundo, após as Filipinas e a Indonésia. A maior parte da produção, de 15.000 toneladas de algas anuais, é exportada para Dinamarca, EUA, China, França e Bélgica. Estima-se que 28 mil pessoas, principalmente mulheres, estejam engajadas na cultura de algas marinhas. Dois tipos de algas marinhas são cultivadas na região: cottonji, que tem um alto teor de geléia e, portanto, mais caro e o tipo spinosium cujo teor de geléia é baixo e, portanto, menos caro. O governo de Zanzibar está em processo de estabelecer uma planta para produzir gelatina e agregar mais valor ao invés de apenas exportar a matéria-prima. Em março de 2018 a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO) forneceu cerca de US$ 80,000 em equipamento de colheita e processamento aos produtores de algas marinhas da região como parte de um acordo de cooperação conjunta com o governo da Tanzânia.

No Brasil, um outro exemplo de como as macroalgas podem agregar valor para a economia veio de uma empresa que resolveu investir em um biofertilizante feito com extratos de macroalgas. “Já temos comprovado que esse produto proporciona de 10 a 15% a mais de rendimento de lavouras de soja, milho, feijão, banana e uva”, orgulha-se Gregori Vieira, proprietário da Dimiagro, empresa responsável pelo financiamento da pesquisa. O aditivo natural incentiva o crescimento das raízes e outros pontos de alongamento das plantas é facilitado pela presença de determinados hormônios vegetais. Desta forma, a planta explora melhor o solo e enfrenta as adversidades ambientais. Esse extrato já é usado especialmente nas culturas perenes, mas também em culturas anuais na Europa e nos Estados Unidos. Inúmeros resultados de pesquisas no Brasil comprovam a eficácia dos extratos de algumas algas selecionadas.

Como o extrato de macroalgas usado comercialmente no Brasil é obtido na Irlanda, que possui águas frias, os estudiosos brasileiros estão desenvolvendo um processo para obtenção de extratos de algas e cianobactérias da própria biodiversidade brasileira, ou seja, dentro do próprio País.. “Iremos produzi-las em sistemas de produção competitivos, gerando emprego para a Região. Elas poderão ser produzidas em biorreatores, por exemplo, que maximizam o uso do espaço e facilitam o reuso da água e controle de rejeitos”, destaca César Miranda, pesquisador da Embrapa Agroenergia, responsável pelo projeto.


Ouro Azul

A spirulina ou “alga azul”, uma microalga considerada por especialistas como o alimento mais nutritivo depois do leite materno, pode amenizar a desnutrição na África e em outras regiões pobres do globo. Nos anos 1960, o botânico belga Jean Léonard percebeu que uma tribo de Chade gozava de uma saúde melhor que as outras porque seus membros comiam spirulina, que crescia nas águas dos lagos. Em 1974, a ONU a designou como “alimento do futuro” por conta da alta concentração de proteínas (65%), ferro, betacaroteno e vitaminas B12, E e K.

Nos países ricos ela é vendida em forma de pílulas ou de um pó que se adiciona a saladas ou sucos. O habitat natural da spirulina — lagos levemente salgados de países tropicais — pode ser reproduzido artificialmente. No total, são produzidas cerca de 5.000 toneladas por ano, 400 delas nos lagos do Chade, segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). A China e o estado americano da Califórnia são os principais produtores no mundo.

No sul de Angola, a FAO realizou um projeto piloto junto com o governo local para incentivar a produção de spirulina, como forma de alimentar a população mais vulnerável da região e diversificar a economia. Com um financiamento de 250 mil dólares, o projeto de criação de microalgas, já produziu, em menos de um ano, 1,2 toneladas de spirulina.