Paulo Hegg é, hoje, um dos mais importantes elos econômicos entre Brasil e África. Um fluxo que ele considera potencialmente forte nos dois sentidos.
“Não tenho o mínimo interesse de parar de fazer o que estou fazendo, ainda há muito o que fazer. Acho que posso contribuir muito para o desenvolvimento do comércio internacional brasileiro”, afirma o empresário Paulo Hegg, paulista de 65 anos e, atualmente, um dos principais empreendedores brasileiros no continente africano. Hoje, ele colhe os frutos de um trabalho como produtor rural no Sudão. Além disso, Hegg está à frente da expansão dos negócios do grupo argelino Cevital. Desenvolver novos mercados sempre foi a meta de Paulo Hegg, formado em Engenharia Civil, mas que ainda cedo começou a trabalhar com comércio exterior. “Não tínhamos escolas de comércio exterior, então me formei na prática mesmo. Abrindo trades, aprendendo e acumulando conhecimento”, lembra.
Depois de sete anos vivendo em Londres, Paulo volta ao Brasil com outros propósitos. Começa a atuar no mercado financeiro e na expansão da Tirolez, fábrica de laticínios da família. “Minha família começou com a produção de queijo e mais tarde, quando retornei ao Brasil, me associei com meu irmãos no sentido de desenvolver o mercado internacional para queijos”. De lá, adquiriu expertise em mercados estratégicos, como África e Oriente Médio. No cargo de executivo na Tirolez, Paulo Hegg se torna referência nacional em comércio exterior e também em agrobusiness.
Paulo Hegg conversou com ATLANTICO em duas ocasiões, entre uma e outra viagem ao Sudão, para onde dedica boa parte dos seus dias. Lá ele desenvolve projetos agrícolas bem sucedidos do ponto de vista financeiro, mas demonstra envolvimento que vai além dos neǵócios. “Procuro colaborar para melhorar as condições de vida de uma população muito carente, de gente boa, fraternal, hospitaleira e que não teve muitas chances de se desenvolver”, revela. Nesta entrevista, ele fala sobre sua experiência como produtor agrícola no Sudão, as oportunidades para os brasileiros na África, os principais desafios como empreendedor e sobre os recentes investimentos do grupo Cevital no Brasil.
ATLANTICO – Como o senhor chegou ao Sudão? O que levou a investir lá?
Paulo Hegg – É uma história longa, começou em 2002. Eu estava participando de uma obra grande na Índia. Era um edifício pré-fabricado. Nesse meio tempo, me ligaram para saber se eu tinha interesse em construir pontes metálicas para o rio Nilo. O governador de Cartum, que tinha sido recém-nomeado, precisava construir rapidamente essas fontes. Eu conversei com os meninos da construtora, que se mostraram interessados porque estavam terminando uma ponte na Venezuela e já tinham essa expertise. Então convidei o governador de Cartum para visitar o Brasil no início de 2003. Era o início do governo Lula e havia sido dada grande ênfase a uma aproximação com a África. Então, em uma reunião que nós tivemos com o (então) vice-presidente José de Alencar, ele sugeriu ao governador que propusesse ao presidente do Sudão abrir uma embaixada no Brasil. O governador conseguiu e em poucos meses foi aberta uma embaixada no Brasil e depois nós abrimos uma (brasileira) em Cartum. A partir daí comecei a cultivar essa amizade e estudar melhor o país.
ATLANTICO – O senhor começou com a plantação de algodão?
Paulo Hegg – Comecei com a exportação de móveis. Depois, importação de tecnologia de irrigação. Levei uma empresa brasileira para implantar seu escritório de processo de irrigação no país. Depois eu levei para o Brasil um projeto de usina de açúcar e álcool. Até que mandei umas amostras de sementes de soja para serem testadas lá. Foi quando apresentei fotografias dessa soja, feitas em um canteiro, para ter noção se a soja brasileira dava naquele solo. Eu mandei essas fotos para vários amigos produtores agrícolas brasileiros, e um deles ficou interessado em conhecer o país. Passamos umas semanas no Sudão, juntos, e ele se encantou com o projeto-piloto, que tinha 500 hectares de algodão e soja, tudo com tecnologia, management, sementes e equipamentos brasileiros. O Ministro da Agricultura concordou em financiar essa experiência com recursos do governo. No final de 2010 e comecinho de 2011 nós colhemos dez vezes mais algodão que os sudaneses estão acostumados. Com esse resultado, o governo nos chamou para fazer uma parceria, em sociedade com eles, com 80 mil hectares. Nossa parte era o management, a responsabilidade técnica do projeto, recursos e apoio institucional. As terras foram cedidas por um grupo árabe. Foi criada então uma empresa partnership chamada Sudanese Brazilian Modern Agriculture Partnership (SBMAPA), onde nós temos 50% do capital e os outros 50% foram divididos igualmente entre o Ministério da Agricultura e o grupo árabe. Estamos colhendo a nossa safra de 9 mil hectares de algodão. A maior parte vai para exportação.
“O Brasil certamente é uma referência na África. Tenho certeza que temos know-how, temos a simpatia e a boa vontade deles”
ATLANTICO – Como o senhor avalia esses resultados?
Paulo Hegg – As condições econômicas adversas do país, o estágio de desenvolvimento e da democracia são um pouco atrasadas. Isso fez com o que o projeto não pudesse alcançar um grande resultado logo no começo. Hoje eu tenho uma consciência melhor das limitações na África. Eu diria que isso é geral no continente, não só no Sudão. Eu já conheço bem a África e é um desafio nós, como brasileiros, sabermos da necessidade de ajudar esses irmãos. É um estágio de desenvolvimento bem mais atrasado que o nosso. Podemos contribuir para a melhoria das condições de vidas deles, precisamos acreditar nisso e adotar como uma estratégia de engajamento. O Brasil certamente é uma referência na África. Tenho certeza que temos know-how, temos a simpatia e a boa vontade deles.
ATLANTICO – O governo do Sudão apoia o que o senhor faz lá, mas como tem sido o apoio do Brasil? O governo brasileiro tem dado algum incentivo nesse sentido?
Paulo Hegg – Não há nenhuma necessidade de apoio do governo brasileiro nessa fase inicial porque se trata de um projeto pessoal. O governo brasileiro me ajuda através da embaixada. Mas no ponto de vista prático, não temos nenhuma ajuda, nenhuma facilidade do governo brasileiro. Até porque o país estava inadimplente com o Brasil.
ATLANTICO – E que avaliação podemos fazer dos nossos concorrentes internacionais? Qual papel do Brasil nesse contexto?
Paulo Hegg – O Brasil tem tecnologia de ponta, desenvolve sementes. Tem ainda uma origem cultural parecida e uma imagem muito positiva. Não é uma imagem de explorador, colonialista, imperialista ou predadora. Os brasileiros não têm o objetivo de retirar as riquezas de nenhum lugar. Os brasileiros têm objetivos bem mais amplos, com solidariedade, transferência de tecnologia, formação de recursos humanos. São objetivos visados no desenvolvimento econômico como um todo e no crescimento de renda.
“Eu já conheço bem a África e é um desafio, nós, como brasileiros, sabermos da necessidade de ajudar esses irmãos”.
ATLANTICO – Quais os desafios para que os investidores brasileiros possam se beneficiar desses aspectos positivos?
Paulo Hegg – É preciso ter muito apoio do governo brasileiro no sentido de se estabelecer vínculos com os governos africanos. É preciso garantir que os países que negociam com o Brasil cumpram com os acordos. E isso só se faz entre governos. É preciso, sim, que o governo brasileiro olhe mais de perto, com mais acuidade para essas oportunidades, abrindo portas para mais exportações nos próximos anos. Hoje o continente africano já tem 1 bilhão de pessoas. Em 35 anos serão dois bilhões.
ATLANTICO – Como está o andamento do projeto para implementar um instituto de pesquisa agrícola no Sudão?
Paulo Hegg – Nós formatamos todo o pacote de know-how, tecnologia de sementes, em diferentes estágios para o desenvolvimento de pesquisa. Essa é uma iniciativa que tem que ser financiado por bancos internacionais ou pelo próprio governo, porque não é uma operação que vise lucro. É uma operação que visa desenvolvimento. Falta recurso financeiro no país para investir num centro de pesquisa como esse que é fundamental para o desenvolvimento agrícola da África como um todo. O Brasil já conseguiu o sucesso na agricultura. Há investimento feito anos atrás em pesquisa e desenvolvimento pela Embrapa. Mas não cabe a nós investir nisso, e sim ao governo ou a fontes internacionais. É uma questão institucional. É preciso viabilizar apoio de entidades internacionais para poder financiar o projeto, que não é caro. Com 7 ou 8 milhões de dólares a gente consegue mudar radicalmente o futuro do país com a implantação desse centro de pesquisa de excelência.
ATLANTICO – O senhor já trabalhou com África em vários segmentos econômicos. Que setores oferecem hoje mais oportunidades para o empresariado brasileiro?
Paulo Hegg – Para começar, equipamentos agrícolas. Também acredito que tudo que é construção civil também tem vez. Aliás, tudo que é manufaturado, além da agroindústria e da indústria têxtil.
“Não há necessidade de apoio do governo brasileiro nessa fase inicial porque se trata de projeto pessoal. O governo me ajuda através da embaixada”
ATLANTICO – O Sudão fica numa região estratégica, próximo do Magreb e ao Oriente Médio. Qual a importância da aproximação do Brasil com o Sudão e com outros países do Norte da África? Como avalia os movimentos que os empresários têm feito na região?
Paulo Hegg – O governo brasileiro e a Câmara do Comércio Árabe Brasileira têm feito um papel importante, em todo os espectros de atividades. A importância da posição geopolítica do Sudão é muito grande porque aquela região tem um grande mercado consumidor e fica próximo ao mercado europeu, grande importador de alimentos, e o Sudão pode se tornar o verdadeiro celeiro de toda a região tanto da África, como do Oriente Médio e até mesmo da Europa. E, por que não dizer, da China? Porque a região está no caminho da China. Então, acho que o Sudão pode se tornar uma plataforma avançada brasileira, agroindustrial. Tem água suficiente, água de irrigação, de chuva, de subsolo, tem uma terra excelente, topografia excelente…. O que está faltando? Apenas tecnologia e management. Estamos tentando implantar lá faz seis anos. Realmente estamos um pouco perto do que poderíamos fazer. Falta, ainda, o apoio institucional e o apoio cultural. É um processo lento. Acredito que o nosso esforço vai ser dissipado, pulverizado. Tem muitos empresários brasileiros fazendo a mesma coisa.
ATLANTICO – O senhor tem investido em outros países do continente africano?
Paulo Hegg – Nós já fomos convidados para irmos para a Etiópia, Zimbabwe, Moçambique, Angola. Mas não sentimos, por uma razão ou outra, que seja o momento de irmos. Cada país precisa acreditar na agricultura. Precisa disponibilizar recursos humanos e financeiros para isso, tornando isso uma prioridade. Eu acredito que isso não seja uma prioridade em Angola ou Moçambique. É um caminho, uma lição de casa que nós temos que fazer: ganhar experiência, saber como lidar com mão- de-obra local, para ver o que precisar investir em cada um desses países. Os africanos, em geral, estão abertos a receber know-how, mas eles têm um padrão de educação diferente, têm outra maneira de agir. O tempo deles é muito diferente do nosso. Na agricultura moderna, você precisa ter gente preparada para agir de acordo com o planejamento e essa é a grande falha na África: a falta de respeito ao planejamento.
“A importância da posição geopolítica do Sudão é muito grande pelo mercado consumidor e por ficar próximo ao mercado europeu, grande importador de alimentos”
ATLANTICO – Como tem sido a experiência de levar o grupo Cevital, de origem argelina, a investir no agronegócio brasileiro?
Paulo Hegg – A experiência é gratificante porque eu tive a felicidade de poder convencer os argelinos a acreditarem no potencial da agroindústria e da estrutura logística em uma região extremamente importante para o agronegócio brasileiro, que é o Centro-Oeste e o Norte do Brasil. Faz dois anos que os trouxe ao Brasil e eles se convenceram de que valia a pena fazer esse investimento, melhorando os transportes ferroviário e fluvial, agregando valor à produção agrícola, criando empregos, oferecendo melhores rendimentos aos brasileiros. Isso ainda gera receita para os Estados como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, entre outros.
ATLANTICO – Há novos investimentos no Brasil em perspectiva?
Paulo Hegg – As expectativas são muito grandes. Estamos negociando a etapa inicial da construção do complexo industrial em Vera, no Estado do Mato Grosso, na construção de terminais portuários e agroindustriais em Villa do Conde, no Pará, ferrovia de Marabá até Villa do Conde. E na segunda etapa, de Santana do Araguaia até Marabá. É o que todos nós brasileiros estamos esperando nas últimas décadas: a integração regional e ampliação da malha ferroviária e logística para escoar a riqueza que está sendo produzida no Centro-Oeste brasileiro, aumentando a viabilidade de exportação dos nossos recursos, e permitindo ao agricultor um aumento de receita. Como ele vai ter um custo de logística mais baixo, vai se beneficiar com o aumento de receita. Permitindo aos governos arcar com a ação de recursos através dos impostos gerados pela agroindústria. Criação de empregos de melhor qualidade na agroindústria, geração de divisas. Produtos de valor agregado valem muito mais por tonelada que a matéria-prima. Assim nós vamos reverter o ciclo de desenvolvimento do Pará que é um grande exportador de matéria prima, mas com uma renda per capita muito baixa. Podemos aumentar essa renda per capita através da industrialização dessas matérias primas que estão sendo cotadas gerando emprego pro exterior e não no Brasil.