Tabom, o Brasil longe do Brasil

Cerca de setenta afro-brasileiros de sete famílias diferentes chegaram em Accra, na região do antigo porto de Jamestown, em 1836. Quando chegaram lá, só sabiam falar português. Então, se cumprimentavam com a pergunta “Como está?” e a resposta era “Tá bom”. Por isso, o povo Ga, que os acolheu, começou a chamá-los de Tabom. “O primeiro grupo chegou em 1835. Mas nós tivemos outros lotes depois deles que também começaram a vir, porque chegaram ao conhecimento de seus irmãos e irmãs no Brasil de que eles estavam confortáveis aqui”, narra o atual chefe dos Tabom, Nii Azumah V. Muito do que se sabe sobre a história desse povo foi obtido através da oralidade, sobretudo sobre a mítica chegada deles em Accra. Contudo, pelo menos três publicações e um documentário sobre o tema tem chamado atenção para a relevância histórica dessa comunidade. “Alguns compraram a liberdade. Outros deixaram o Brasil por volta dos anos 1830 após algumas revoltas de escravos na Bahia. Depois do fim da escravidão no Brasil, em 1888, muitos africanos livres decidiram voltar para o Oeste africano. Com o tempo, seus descendentes também perceberam a necessidade de se reconectar com a pátria ancestral”, explica o ganense Kwame Essien, autor do livro Brazilian-African Diaspora in Ghana: The Tabom, Slavery, Dissonance of Memory, Identity and Locating Home, publicado em outubro de 2016.

Como uma forma de preservar sua identidade como descendentes brasileiros, os Tabom procuram ser vistos como um povo distinto, com uma história diferente de outras tribos. “É muito comum eles, naturalmente, mesmo não falando português e nunca tendo ido ao Brasil, se autodenominarem “Brazilians”, quando perguntados sobre a própria identidade”, observa o pesquisador brasileiro Marco Schaumloeffel, autor do livro Tabom: A Comunidade Afro-Brasileira do Gana, publicado em 2014.

ORGULHO DA ORIGEM

O povo Tabom possui características específicas, diferentes dos outros grupos étnicos que compõem a seção Ga, como a forma de se vestir, as comidas tipicamente baianas, reminiscências das culturas iorubá e hauçá e a forma de fazerem os rituais fúnebres. “O Brasil é visto por muitos como a terra de onde são, mesmo que não tenham nascido lá”, complementa.

“Eles têm muito orgulho dessa herança brasileira. Mas essa relação com o Brasil de hoje é mais baseada em fantasia do que com a realidade. Eles sabem muito pouco sobre o Brasil de hoje”, pondera Juan Diego Diaz, historiador colombiano, autor do livro Tabom Voices: History of the Ghanaian Afro-Brazilian Community Told by Themselves, publicado em 2016 pela Embaixada do Brasil em Gana, e também do documentário“Um Tabom na Bahia” (Tabom in Bahia), que será lançado em breve. “A Bahia é especial para eles. É a terra dos ancestrais deles”, conta Juan. O documentário registra a visita do maestro percussionista da comunidade Tabom à Bahia em julho de 2016. Eric Morton, o escolhido, é o terceiro membro da comunidade a conhecer o Brasil e o primeiro a conhecer a Bahia em quase duzentos anos.

Atualmente os Tabom estão organizados como sempre estiveram desde o seu retorno à África, com um sistema de chefia tradicional equivalente ao do Gana, com um Mantse (chefe ou rei) e todas as outras funções hierárquicas que incluem incumbências como da rainha-mãe,de um intérprete, do diretor, do porta-voz, etc. “Eles fazem parte de uma das subdivisões de chefia tradicional da área metropolitana de Acra, mais especificamente são uma das subdivisões da chefia de Otublohum. Eles fazem parte de um dos três clãs de fora da região aceitos entre o povo Ga”, revela Marco Schaumloeffel. No entanto, é difícil estimar a quantidade exata de descendentes do povo Tabom que existem hoje em Gana, uma vez que não existe um censo específico para isso. Especula-se que a comunidade ultrapassa cinco 5 mil pessoas. “A comunidade é dispersa. Tem muita gente que não sabe que é tabom”.

Eric and the Brazilian flag (Marco Schaumloeffel)

VISÃO SOBRE O PAÍS

As recentes pesquisas acadêmicas que resultaram em livros e em documentário têm reacendido o orgulho do povo Tabom. A visita que o ex-presidente Lula fez a Gana no ano de 2005 fez também ajudou a melhorar a percepção que os Tabom tem do Brasil, que na época era apontado como uma potência emergente. “Eles sempre foram um grupo marginal. São pobres e não têm apoio do governo. E as novas gerações acreditam que o Brasil pode trazer oportunidades para eles. Mas esse posicionamento que o Brasil tinha como potência não existe mais por conta da crise política e econômica dos últimos anos. Vai tomar um tempo para que eles entendam que as expectativas não são muito realistas”, declara Juan Diego Diaz.

Contudo, o povo Tabom e os outros povos descendentes de afro-brasileiros nos outros países da África Ocidental podem ser uma ponte para fortalecer as relações entre brasileiros e africanos, principalmente no âmbito cultural. “O povo Tabom forma uma espécie de diáspora invertida, a diáspora dos retornados, e pode, dessa forma, ser um elemento muito importante para fortalecer as relações entre os povos, uma forma de pensarmos sobre quem somos, uma forma de lidar com as diferenças e as semelhanças, uma forma de aprendermos mais sobre nós mesmos”, reflete Marco Schaumloeffel.

 

MOVIMENTO NASCEU NO SÉCULO XIX

Alguns estudos estimam que no século XIX cerca de 10 mil ex-escravos decidiram deixar o Brasil, retornando à África, sobretudo Benin, Nigéria e Togo. Ao longo destes países podemos encontrar propriedades, escolas e museus com o nome “Brasil”. Em Lagos (Nigéria) há uma propriedade chamada “Bairro Brasileiro” e um clube com o nome “Clube Social Brasileiro”. Em Benin podemos encontrar uma escola chamada “Ecole Bresil”. Nesses países também é muito comum encontrar sobrenomes como Souza, Silva, Olympio ou Cardoso.

O primeiro presidente do Togo, eleito em 1960, foi Sylvanus Epiphanio Kwami Olympio. O primeiro embaixador brasileiro em Gana era um afro-brasileiro chamado Raymundo de Souza Dantas. Ele cita em seu livro “África Difícil”, publicado em 1965, que recebeu uma carta de um togolês chamado Benedito de Souza, que alegava ser seu primo.

As várias comunidades dos descendentes de afro-brasileiros em várias partes da África Ocidental foram estudadas por africanistas como Pierre Verger. Contudo, ainda há pouco diálogo entre estas comunidades. “As principais causas são o isolamento geográfico relativo existente entre elas, pois ainda há fronteiras com enormes entraves burocráticos que impedem o trânsito fácil entre os países da região, mas também é necessário levar em conta que grupos distintos formam os Tabom e os outros grupos. A organização interna é diferente e as expressões culturais afro-brasileiras destes grupos também não são as mesmas”, lembra Marco Schaumloeffel.

Tabom celebrating (Marco Schaumloeffel)

 

Contribuições notáveis ​​da comunidade

Exposta às culturas européia, africana e ameríndia no Brasil nativo, o Tabom sintetizou o conhecimento de cada cultura e também trouxe habilidades valiosas, como irrigação, projeto arquitetônico e alfaiataria para Gana.

Entre as várias habilidades agrícolas úteis, eles introduziram técnicas superiores para o cultivo de manga, mandioca e feijão. O Tabom também fundou a primeira alfaiataria do país, em 1854, que fornecia uniformes para o exército de Gana. O líder do grupo Tabom ao chegar em Gana foi Nii Azumah Nelson. Desde então, a família Nelson tem sido muito importante para a História do povo Tabom. Nomes proeminentes entre os Tabom incluem o campeão mundial de boxe Azuma “Professor” Nelson, atual presidente do Gana, Georgina Theodora Wood, primeira mulher a assumir o cargo, e Dan Morton, um dos mais famosos alfaiates do país.

Casa do Brasil

Ícone do povo Tabom, a Casa do Brasil foi construído por um repatriado no século XIX. O lugar abrigado no passado, a família dos ex-escravos Nassu, um dos primeiros que chegaram a Acra. A casa foi reaberta em 2007 depois de passar por uma reforma. Hoje existe um arquivo histórico sobre as relações entre esses dois países, salas de aula e biblioteca. Atualmente, 15 a 20 pessoas da comunidade moram no prédio.