Primeiro de março de 2016 passa a ser uma data histórica. Nela, foi celebrado pela primeira vez o Dia Africano de Alimentação Escolar, depois que os chefes de Estado reunidos na 26ª Cúpula da União Africana, em janeiro, decidiram adotar o modelo brasileiro de alimentação escolar como estratégia continental para melhorar a frequência e o desempenho dos alunos nas escolas e também promover a geração de renda e o empreendedorismo nas comunidades locais. “Certamente há na África muitos países com experiência acumulada nessa área, mas o que o Brasil tem feito chamou nossa atenção. O fato do país ter saído do mapa da fome em prazo tão curto prazo é espetacular”, afirma Martial De-Paul Ikounga, Comissário da União Africana para Recursos Humanos, Ciência e Tecnologia.
“Quando se trata de segurança alimentar e desnutrição, certas políticas públicas provaram trazer bons resultados mesmo em cenários muito diversificados, como é o caso da África, e a alimentação escolar certamente é uma dessas políticas”, afirma Daniel Balaban, diretor do Centro de Excelência Contra a Fome do Programa Mundial de Alimentos (PMA). Segundo ele, a alimentação escolar – ou Home Grown School Feeding, em inglês – gera renda para os agricultores familiares e possibilita que as escolas sejam uma plataforma de promoção da diversidade alimentar, de hábitos alimentares saudáveis e de nutrição. “É um forte incentivo para que as famílias continuem enviando seus filhos às escolas, contribui para a redução do trabalho infantil, casamento e gravidez precoces, e ajuda a quebrar o ciclo intergeracional de pobreza”, argumenta.
O Níger foi escolhido como primeiro anfitrião do Dia Africano da Alimentação Escolar por sua liderança na promoção da alimentação escolar vinculada à agricultura local em países africanos. Desde 2012, o Centro de Excelência Contra a Fome apoia o governo do Níger na implementação de sua Política Nacional de Alimentação Escolar. “A alimentação escolar melhorou a assiduidade e o rendimento escolar dos alunos, principalmente nas zonas rurais. Os bons resultados nos encorajam a ampliar a alimentação escolar e a adotar esse modelo inovador”, revela Ali Mariama Elhadji Ibrahim, Ministra da Educação do Níger. A experiência possível fez a ministra mobilizar outros ministros da educação para criar uma rede de alimentação escolar. A rede, que a princípio reuniria os países francófonos da África, tem agora mais de 20 membros. Em agosto de 2015, este grupo esteve no Brasil. “Vimos mulheres e homens engajados em melhorar a condição alimentar não só dos alunos, mas de toda a comunidade. Nos impressionamos com a articulação de atores e instituições desde o nível federal até o municipal e comunitário. O resultado de todo esse esforço é a melhoria dos índices socioeconômicos”, lembra a Ministra. Martial De-Paul Ikounga também acompanhou a comitiva. “Vimos toda a infraestrutura que está por trás da realização do programa: a organização das cantinas escolares, a estrutura legal, o envolvimento da federação, dos estados e do município. Isso diz respeito ao modo de distribuição e de utilização da riqueza no território nacional”, conta. “Vimos também a execução da lei que estabelece que 30% do orçamento federal para alimentação escolar devem ser utilizados para comprar alimentos da agricultura familiar. Sabemos que alguns locais já cumprem a lei e outros não, mas vimos que algo está sendo feito. Devemos demandar dos ministros políticas de alimentação escolar, melhorar a relação com outros ministérios e requisitar o apoio dos governos dos países”.
De fato, estabelecer uma política pública para a compra de alimentos da agricultura familiar não é uma tarefa simples. “A agricultura de larga escala e a agricultura familiar têm objetivos distintos. Então, o desafio mais concreto para cada um desses países é adequar o seu sistema alimentar para que seja um sistema pró-agricultor familiar. E isso exige um envolvimento de outros setores, como planejamento e finanças”, é o que aponta Marcos Lopes, Assessor de Programas de Cooperação Humanitária da FAO junto à CGFome – Coordenação-Geral de Cooperação Humanitária e Combate à Fome, órgão ligado ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil. “Os governos precisam entender que as compras locais não podem ser uma ação setorial relacionada somente à alimentação escolar, mas sim uma política pública com resultados na economia, na educação, na segurança alimentar, no desenvolvimento agrícola e rural”, diz.
“Nós temos contradições enormes internamente. E essas contradições tendem a ser exportadas também. É muito difícil”, acredita o coordenador-geral da CGFome, Ministro Milton Rondó Filho. “Proteção social é fundamental. Ela não é um gasto, é um investimento. O retorno dela é muito importante. Aqui nosso desafio foi achar uma maneira de convencer nossos ministérios de finanças. Temos feito um esforço para mostrar que isso é investimento, que tem um efeito replicador muito importante”. O ministro brasileiro também revela que existe uma articulação internacional para potencializar a medida adotada pela União Africana. “Estamos criando uma rede de instituições de pesquisas em segurança alimentar e nutricional. Já temos na América do Sul, criamos uma para os países da CPLP e agora a ideia é criar uma rede mundial para, justamente, melhorar a interação entre governo e instituições de pesquisa, ensino e extensão”, fala. Além disso, Rondó também tem participado de outras discussões voltadas à segurança alimentar. “O capital tem sua lógica, a do lucro. Por isso, defendemos junto à FAO a diversificação dos cultivos em detrimento do monocultivo e também somos contra o uso de sementes transgênicas”, diz.
Antes do anúncio da União Africana em janeiro, o Brasil já era parceiro de cinco países em projetos-piloto. Etiópia, Senegal, Malawi, Moçambique e Niger faziam compras locais da agricultura familiar para alimentação escolar com o apoio do CGFome e do Centro de Excelência Contra a Fome do Programa Mundial de Alimentos. “Dizer para alguém que uma metodologia funciona é uma coisa, mas você fazer junto com esse alguém, aplicar essa metodologia, é outra, muito diferente”, defende Marcos Lopes. Contudo, a decisão dos líderes africanos dá início a uma série de trabalhos que vão além da celebração do Dia Africano de Alimentação Escolar. A Cúpula da União Africana determinou a criação de um comitê técnico multidisciplinar de especialistas africanos para realizar, com apoio do Centro de Excelência contra a Fome do Programa Mundial de Alimentos, um estudo geral sobre a relevância e o impacto da alimentação escolar nos estados membros da União Africana. “O primeiro passo será um estudo de viabilidade sobre os aspectos que permitiram ao Brasil tamanho sucesso: assistência aos agricultores familiares, financiamento. Vimos que é necessário contar com recursos do próprio país para esse tipo de ação, assim como uma lei nacional e vontade política”, conta Martial De-Paul Ikounga, da União Africana. “É muito importante dar difusão a essa iniciativa. Nós também gostaríamos de ter sugestões, conselhos e outras propostas para melhorarmos o monitoramento desses projetos”, explica o coordenador-geral da CGFome , Ministro Milton Rondó Filho. Ele também comemora a decisão da União Africana. “A inspiração é o Brasil”.
ÀS COMPRAS
Em 2014, o Governo do Níger comprou 800 toneladas de alimentos da agricultura.
AS CONDIÇÕES
Desde o início dos anos 2000, o Governo do Brasil definiu que estar matriculado e frequentando escola é condição sine qua non para que uma criança e seus familiares recebam qualquer tipo de auxílio governamental. Depois, a escola ganhou uma importância maior por parte dos governantes brasileiros tornando-se um dos principais vetores de transformações sociais. Isso se deu a partir da criação do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que permite a compra de alimentos produzidos pela agricultura familiar, com dispensa de licitação. A medida, junto à outras medidas de proteção social, fez o Brasil reduzir em 82,1% o número pessoas subalimentadas entre 2002 a 2014, segundo dados da ONU. A queda é a maior registrada entre as seis nações mais populosas do mundo, e também é superior a média da América Latina, que foi de 43,1%.