Está sendo realizada em Glasgow, Escócia, a vigésima sexta Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 26), que reúne líderes de centenas de nações ao redor do mundo em busca de um acordo para diminuir as emissões de carbono no planeta e, consequentemente, frear os fatores antrópicos do aquecimento global.

Embora a meta seja chegar à emissão zero de carbono até 2050, incentivando práticas sustentáveis, como a criação e distribuição de energia limpa e renovável, as ações para o alcance deste objetivo precisam ser revisadas de forma a contemplar cada nação, percebendo suas dificuldades e potencialidades. Surge então uma questão importante: de que forma a COP 26 trará soluções para o Sul Global?

O Sul Global apresenta particularidades econômicas e clivagens sociais, não raro negligenciadas. Esses problemas socioeconômicos tornam as mudanças climáticas, para esses países, algo mais desafiador. Ao contrário dos países desenvolvidos, faltam aos países em desenvolvimento, em muitos casos, os recursos, o capital e a infraestrutura necessários para garantir seu desenvolvimento de forma sustentável.

Mais do que isso, os enquanto os países desenvolvidos comportam soluções homogêneas, os países em desenvolvimento e de menor desenvolvimento relativo requerem respostas complexas, que lidem com as idiossincrasias nacionais, locais e comunitárias: cada ano, 55 milhões de pessoas são afetadas por secas severas, 80% delas sendo produtores rurais de países de renda média baixa e intermediária.

Por isso, é mister que haja uma distribuição mais justa de responsabilidades ambientais, de forma que cada nação contribua para um mundo mais sustentável dentro de suas capacidades econômicas. Enfrentar o aquecimento global é uma tarefa de todos, mas a carga dessa responsabilidade deve ser distribuída proporcionalmente, para que não se corra o risco de estarmos “chutando a escada”.

Responsabilidades comuns, porém diferenciadas

Historicamente, as emissões de gás carbônico coincidem com a era industrial, tendo se intensificado a partir da década de 1950. De acordo com um estudo recente levantado pela Universidade deBerkeley, na California, do total na atmosfera, os países desenvolvidos contribuíram com a emissão de 80%, enquanto os países de menor desenvolvimento relativo acumulam no máximo 3%. Segundo uma pesquisa feita em 2019 pela fornecedora independente de pesquisas Rhodium Group, a China contribuiu até o momento com 27% do total das emissões globais, ultrapassando os Estados Unidos, com 11 % do total global.

Dados do Banco Mundial mostram que o consumo energético dos países desenvolvidos e mesmo de países em desenvolvimento com matrizes energéticas bem estruturadas chega a ser 50 vezes maior do que o de países de menor desenvolvimento relativo. A Noruega, por exemplo, chegou a consumir 23.000 kwh de energia per capita em 2014. O Bahrein, país exportador de petróleo, consumiu 19.597 kwh per capita de energia neste mesmo período. Em contrapartida, o consumo de energia em nações como o Sudão do Sul e Níger mal chegam a 60 kwh per capita.

Os dados do Banco Mundial reiteram a disparidade global, com um verdadeiro abismo entre o norte global, dos países desenvolvidos, os maiores responsáveis pelo emissionismo, e os países do sul, de menor desenvolvimento relativo, alguns em clara situação de escassez energética.

Nesse sentido, o foco deve ser o alcance da justiça climática. O termo “justiça climática” surge por volta do ano 2000 e consiste em trabalhar o enfrentamento das mudanças climáticas sob uma ótica humanista e ética. Extrapolado para a dinâmica internacional, o conceito pressupõe o enfrentamento das mudanças climáticas levando em consideração a responsabilidade histórica do aquecimento global, identificando seus agentes e biomas e populações mais vulneráveis. 

O Brasil e o Meio Ambiente

Historicamente, o Brasil adota uma posição diplomática bastante pragmática, conciliando desenvolvimento econômico e proteção ambiental.

O primeiro movimento nessa direção ocorreu em 1992, quando sediou a primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro. Este encontro abriu portas para a construção de um diálogo sobre um modelo sustentável de desenvolvimento e gerou resultados importantes para o meio científico, ambiental e para uma política internacional de enfrentamento ao aquecimento global.

Em uma nova conjuntura, já diante dos BRICS, e acumulando grandes avanços no plano doméstico – do Plano ABC ao PPCdAM – o compromisso do Brasil com a pauta do desenvolvimento sustentável foi renovado em 2012 através do Rio + 20, quando o país sediou uma nova cúpula. O encontro deu à agenda ambiental um novo impulso, consolidado no Acordo de Paris, três anos depois.

A diplomacia nacional encontra respaldo no comprometimento doméstico, e a questão energética mostra-se elucidativa. O Brasil apresenta uma matriz energética 47% renovável, marca três vezes maior do que a média global, e muito acima da marca alcançada pelos estadunidenses (9%), europeus (36%), chineses (13%) e indianos (8%). Isso se soma a uma matriz elétrica sem igual, que ultrapassa 80% com origem renovável, sobretudo de origem hidrelétrica.

Os dados são um reflexo da ação do Brasil para frear o aquecimento global. Mas as iniciativas brasileiras pró-sustentabilidade não param por aí. O Brasil também é destaque na produção de Etanol, sendo o segundo maior produtor mundial deste biocombustível. Em 2006, observando este potencial energético,  o governo brasileiro engajou-se no que ficou conhecido como a “Diplomacia do Etanol”. Uma de suas ramificações foi a Plataforma para o Biofuturo, uma coalizão de 20 países que demonstraram interesse nas pautas de energia limpa e bioeconomia.

O status atual não pode, contudo, dar lugar a um conformismo imobilizante: para contribuir efetivamente com a descarbonização global, deve-se projetar uma matriz energética pelo menos 60% renovável até 2030. 

Um futuro verde para a África

A despeito das dificuldades impostas pelas mudanças climáticas, a África demonstra potencial para abraçar as energias renováveis, com projetos governamentais e privados espalhados por suas sub-regiões.

Isso não ocorre por acaso. A África tem muito a perder com as mudanças climáticas, tanto em termos de perdas reais quanto em termos de custos de oportunidade. Projeções apontam que a exposição do PIB continental aos impactos das mudanças climáticas passará de $895 bilhões, em 2018, para $1.4 trilhão em 2023. No longo prazo, um aumento de 1.5°C na temperatura global, como prevê o Acordo de Paris, gerará uma queda de quase 4% no PIB continental em 2100; com um aumento de 3°C, verificar-se-á uma queda de 8% no PIB continental na mesma data. A isso se somam os desastres ambientais, como os ciclones que afetaram cerca de 3 milhões de pessoas em Moçambique, Malaui e Zimbábue em 2018.

Ainda assim, a África apresenta um compromisso ímpar com o desenvolvimento sustentável. Somente nos sistemas alimentares, que empregam aproximadamente 70% da mão-de-obra africana, estima-se que a transição para modelos sustentáveis no uso da terra e na produção de alimentos gerem até US$320 bilhões em ganhos extras por ano na África Subsaariana até 2030. 

O Quênia, por exemplo, com elevado potencial para a geração de energia eólica, investiu no maior parque eólico da África, com 300 turbinas funcionando à beira do Lago Turkana, gerando até 310 megawatts de energia elétrica. O projeto ainda contou com o apoio financeiro da União Europeia (UE) e do Banco Europeu de Investimento (BEI). No Marrocos, a região desértica de Ouarzazate deu lugar à maior estação de energia solar concentrada do mundo.

O continente africano também tem mostrado seu comprometimento com o sistema multilateral, respondendo ao aquecimento global através de ações desenvolvidas com a Organização das Nações Unidas e o Sustainable Energy for All (SEforAll). Através dessas parcerias, o continente africano tem se tornado um polo autônomo de pesquisa e desenvolvimento, com descobertas científicas e tecnológicas que ajudam a combater a pobreza energética da região, da produção agroindustrial à mobilidade urbana. 

COP 26

A vigésima sexta Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas tem sido acompanhada de opiniões mistas. 

No início da COP 26, o Primeiro-Ministro do Reino Unido, Boris Johnson, fez o discurso inaugural, afirmando que a crise climática se trata de uma “bomba relógio”. Quem também usou o seu tempo de fala para emitir um alerta foi António Guterres, Secretário-Geral da ONU, que salientou a importância de “parar de tratar-se a natureza como toalete”. A COP 26 está sendo vista como uma nova chance para os governos dos países que mais emitem gases do efeito estufa reavaliarem suas posições, considerando o que deve ser transformado para alcançar-se o objetivo de diminuir em 50% as emissões de gases até 2030. 

Organizações da sociedade civil também marcam presença na conferência. A Plataforma Cipó, think tank brasileiro que se ocupa de temas internacionais, incluindo mudanças climáticas, lançou seu relatório “Enhancing civil society participation in international climate decision-making: Perspectives from the Global South”, enfatizando o papel da sociedade civil nessa agenda. Além disso, entidades como Associação Interamericana para a Defesa do Ambiente  (AIDA), Movimento Xingu Vivo para Sempre e Amazon Watch levaram dados sobre a região amazônica e desmatamento florestal para a COP 26, pressionando governos e empresas por mais ação.

Em contrapartida, a COP 26 também tem sido um momento para abraçar conquistas. No dia 06 de novembro, foi lançado um guia de como “refrescar” as cidades. Intitulado de “Vencendo o Calor: um Manual de Arrefecimento Sustentável para Cidades”, o guia disserta sobre como as cidades se aquecem rapidamente devido ao efeito “ilha de calor”, trazendo sugestões para a criação de áreas verdes e azuis, bem como para a adoção de outras medidas que colaboram para um meio urbano menos quente e mais sustentável. 

Outra conquista foi a assinatura, por mais de 300 entidades ligadas ao setor, de um termo de compromisso através da Declaração de Glasgow para Ação Climática no Turismo, em que se comprometem a cortar as emissões de gases estufa pela metade até 2030.  

O Brasil teve, novamente, uma participação discreta. O Presidente Jair Bolsonaro não compareceu ao evento, assim como Xi Jinping, Vladimir Putin e Narendra Modi. O vácuo deixado pela União foi ocupado pelos Governadores, que sob a coalizão “Governadores pelo Clima”, lançaram o Consórcio Brasil Verde. O Poder Legislativo também esteve representado, com a apresentação de um relatório da Comissão do Meio Ambiente (CMA) sobre o desmonte na área ambiental, e com a participação da Senadora Kátia Abreu, Presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal (CRE). 

A África, em contrapartida, recebeu os holofotes. O Banco Africano de Desenvolvimento e o Global Center for Adaptation lançaram o Africa Adaptation Acceleration Program (AAAP), uma ação que busca mobilizar US$25 bilhões até 2030 na construção de infraestrutura sustentável, criação de novos empregos e redução da pobreza energética e insegurança alimentar. O Presidente do BAD, Akinwumi Adesina, caracterizou o AAAP como “o maior, mais ambicioso e mais transformador programa de adaptação climática já criado na África”.

A COP 26 ainda não chegou ao fim e até lá outras alternativas e resoluções em favor de um equilíbrio entre meio ambiente e desenvolvimento podem surgir. Como nas conferências anteriores, e como nas que virão, o discurso só terá valor se for seguido por ações. 

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