Brasil, Portugal e Moçambique assinaram em dezembro um acordo para viabilizar um projeto para a produção sustentável de café no Parque Nacional da Gorongosa. Com duração de 60 meses e um orçamento inicial de US$ 903.000,00, a ação deve beneficiar 85 produtores rurais por ano, sendo 25% mulheres. Um acordo trilateral como esse só foi possível graças ao empenho da Agência Brasileira de Cooperação (ABC). Integrada ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil, a agência tem como atribuição negociar, coordenar, implementar e acompanhar os programas e projetos brasileiros de cooperação técnica, executados com base nos acordos firmados pelo Brasil com outros países e também com organismos internacionais. “Como agente da cooperação técnica prestada pelo Brasil a um número cada vez maior de nações em desenvolvimento, a ABC vem contribuindo de forma progressiva para projetar uma imagem moderna do país e para consolidar um papel de destaque no âmbito regional e internacional”, define o embaixador João Almino, diretor da agência. “A cooperação técnica internacional constitui hoje um dos principais instrumentos da política externa brasileira, cada vez mais voltada para o desenvolvimento do Brasil e para a promoção do país à condição de global player nas relações internacionais”.

IMPORTÂNCIA DO PNUD

Criada em 1987, a ABC conta principalmente com o apoio de ministérios domésticos, agências federais e organismos multilaterais, à frente dos quais se destaca o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), certamente o principal parceiro da ABC na execução de projetos no Brasil. “O PNUD foi um parceiro importante na criação da Agência e, ao longo destes 30 anos, principalmente como apoiador de seu fortalecimento institucional e do estabelecimento do modelo de cooperação técnica do país. Modelo este que veio sendo aprimorado ao longo do tempo” , explica o coordenador residente do Sistema ONU e representante do PNUD no Brasil, Niky Fabiancic. A fundação da ABC em 1987 é considerado um marco histórico fundamental da Cooperação Técnica Internacional no Brasil.

De lá pra cá, já foram executados cerca de 3.000 projetos em 108 países presentes no  Sul global (África, América Latina, Ásia e Oceania). Antes disso, esse trabalho era feito pela Secretaria de Planejamento. Em 2003 a agência intensifica suas atividades a partir da decisão do então Presidente Lula da Silva de conceder atenção especial à dimensão externa da agenda brasileira.

Nos dois primeiros anos como presidente, Lula esteve pessoalmente à frente das iniciativas para estreitar as relações diplomáticas com todas as regiões do globo, o que o levou a realizar 56 viagens, por 35 diferentes países somente nos dois primeiros anos no cargo, em 2003 e 2004. Em contrapartida, no mesmo período, foram recebidas 52 visitas de chefes de Estado e de governo estrangeiros, oriundos de 39 países. “O presidente tem a visão de um Brasil mais democrático e mais justo, e isto se reflete na sua defesa de uma maior equanimidade nas relações internacionais, e na convicção de que paz, segurança e desenvolvimento não podem estar dissociados”, avalia o diplomata Celso Amorim, Ministro das Relações Exteriores nesse período. “Quando criada, a Agência se voltava principalmente para a cooperação recebida, que, embora em grau menor, continua contribuindo, em campos específicos, para o desenvolvimento do País.

No entanto, a dinâmica maior das últimas décadas voltou-se para a cooperação entre países em desenvolvimento, nas modalidades trilateral e sobretudo bilateral”, revela o pesquisador Carlos Milani, autor do livro “ABC 30 anos: História e Desafios Futuros”, lançado em 2017. Para produzir o livro, Miliani conversou com 26 pessoas, entre diplomatas, funcionários da ABC, gestores de ministérios e das agências públicas federais, durante os períodos entre julho de 2016 e março de 2017.

MODELO DE COOPERAÇÃO

No livro, Milani cita o Centro de Excelência contra a Fome como exemplo de parceria entre o Brasil e agências internacionais para a cooperação na área da segurança alimentar e nutricional e do direito humano à alimentação. Fruto dos diálogos entre o Brasil e o Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas, a criação do Centro de Excelência contra a Fome, em 2011, foi inspirada pela experiência de sucesso do Brasil no combate à fome e à pobreza e pela disposição do país de apoiar experiências similares em outros países. “A ABC exerce um papel crucial de identificação de prioridades, interlocução com as representações brasileiras, organização e participação em missões técnicas e articulação com outras instituições do governo brasileiro”, revela Daniel Balaban, diretor do Centro. “A ABC contribui para garantir a coerência e a consistência das ações realizadas pelos diversos parceiros, mantendo o enfoque de horizontalidade em todas as ações”. Graças a esse trabalho conjunto, o Centro de Excelência já ofereceu assistência técnica a mais de 30 países na área de segurança alimentar e nutricional, com foco em alimentação escolar. “O Brasil é um exemplo de progresso e um parceiro de cooperação fundamental para o desenvolvimento da Costa do Marfim”, disse o vice-presidente de Côte d’Ivoire, Daniel Kablan Duncan. Atualmente, o Brasil e a FAO mantêm um programa de cooperação trilateral para aprimorar o fornecimento de refeições em centros de ensino da nação africana. “Esperamos aprender com a experiência brasileira e, como bons estudantes, queremos aprender tanto que também possamos ensinar sobre alimentação escolar”. Em dezembro, durante um visita técnica ao Brasil , o vice-presidente também manifestou o interesse do seu país em criar um “Centro de Excelência Contra a Fome” na África, inspirado pela experiência brasileira.

PRÓXIMOS PASSOS

“A ABC oferece um caráter estratégico para a cooperação brasileira”, afirma o pesquisador Paulo Esteves, diretor do Brics Policy Center. Contudo, ele entende que a Agência vive uma situação paradoxal. “Ao mesmo tempo que o Brasil parece perder relevância internacional, muitas políticas brasileiras ainda são referência no campo do desenvolvimento”. “A ABC criou um modelo exitoso de cooperação internacional”, diz o ministro das relações exteriores do Brasil, Aloysio Nunes, que compara a Agência a um “passaporte para o estreitamento de relações políticas”. Ele salientou ainda que a ABC “capta a sensibilidade dos parceiros” e adota um modelo de “cooperação desinteressada”. Essa diplomacia solidária, desvinculada indiretamente dos interesses econômicos, a Cooperação Sul-Sul brasileira tem conquistado posições estratégicas e de alto nível em organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a Organização Mundial do Comércio (OMC) e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA). “Graças a essa forma de atuação, o Brasil vai consolidar-se cada vez mais na vanguarda da cooperação internacional Sul-Sul, com uma forma inovadora e progressista de promoção do desenvolvimento”, elogia Daniel Balaban, do Centro de Excelência Contra a Fome. “Como contabilizamos a importância da atuação dos colaboradores das instituições públicas brasileiras? O Brasil representa a importância das parcerias de um país que quer compartilhar as suas experiências, junto com as agências da ONU que têm as suas expertises. É um win-win-win para todos!”, declarou Jorge Chediek, diretor do Escritório das Nações Unidas para a Cooperação Sul-Sul (UNOSSC), durante o evento “Global South-South Development Expo”, realizado em novembro de 2017 em Antália, Turquia. “O nosso potencial para promover cooperação internacional com países em desenvolvimento é muito maior do que temos realizado até o presente”, garante João Almino. “Almeja-se que, com a aprovação do novo arcabouço jurídico e ultrapassadas as atuais limitações orçamentárias, o país possa, no médio prazo, dobrar seu potencial de cooperação técnica internacional”, acredita.

BRASIL E ÁFRICA

A África se encontra entre as regiões que mais se beneficiam com as ações de cooperação técnica coordenadas pela ABC nos últimos anos. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), foram destinados quase R$ 63 milhões para o desenvolvimento de programas e projetos de cooperação técnica na África entre 2011 e 2013, último período analisado pelo instituto. Tal valor compreende a aproximadamente metade do total destinado para as atividades de cooperação técnica brasileira no mundo. Entre os principais projetos, podemos destacar: Rede de Bancos de Leite Humano da CPLP.

A iniciativa tem o objetivo de fortalecer as ações de redução da mortalidade infantil. Cabo Verde já instalou um banco de leite e o de Moçambique está em fase final de implantação. Programa de Fortalecimento do Setor Algodoeiro. Uma das mais importantes iniciativas da cooperação brasileira na África atende atualmente Benim, Burquina Faso, Burundi, Chade, Cameroun, Côte d’Ivoire, Mali, Malaui, Moçambique, Quênia, Senegal, Sudão, Tanzânia e Togo. Programa de Formação Profissional. Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe já possuem centros de formação instalados. A implantação em Moçambique deve contar com a parceria dos Emirados Árabes Unidos. Programa de Aquisição de Alimentos. Em curso desde 2012, beneficia cinco países (Etiópia, Malaui, Moçambique, Níger e Senegal) com ações de erradicação da fome e da desnutrição. Centros de referência em censos com coleta eletrônica de dados. Senegal e Cabo Verde vão compartilhar no continente africano técnicas avançadas para realização de censos populacionais através do uso de dispositivos móveis, a partir da experiência brasileira.

Share:

administrator