PRESIDENTE DO BANCO AFRICANO DE DESENVOLVIMENTO FALA DOS AVANÇOS QUE A REGIÃO EXPERIMENTOU, APONTA OS PROBLEMAS QUE PERSISTEM E DIZ PORQUE É OTIMISTA COM O FUTURO.
O economista nigeriano Akinwumi Ayodeji Adesina é referência mundial em políticas de desenvolvimento econômico para o setor agrícola. Atual presidente do Banco Africano de Desenvolvimento (AfDB) – a oitava pessoa a ocupar o cargo e o primeiro da Nigéria – vem trabalhando com chefes de Estado, ministros das Finanças, líderes industriais e gestores dos bancos centrais de vários países africanos para alavancar o financiamento bancário para os projetos de agricultura do continente. Empossado em setembro de 2015 para um mandato de cinco anos, Adesina traz na bagagem uma experiência exitosa como Ministro da Agricultura e do Desenvolvimento de seus país, cargo que ocupou entre 2011 e 2015.
Adesina obteve, no ano de 1982, diploma de bacharelado em Economia Agrícola pela Universidade de Ife, na Nigéria. Depois, conquistou o título de mestre (1985) e Ph.D. em economia agrícola (1988) na Universidade de Purdue, nos Estados Unidos. Aos 55 anos, casado com Grace Adesina e pai de dois filhos, morou em 15 países africano.
Para ATLANTICO, Adesina fala sobre o desenvolvimento econômico do continente africanos e seus principais desafios, como o fortalecimento do parque industrial, o incentivo aos pequenos negócios, o empoderamento da juventude e as prioridades de sua gestão frente ao Banco.
Confira a seguir:
ATLANTICO – O mundo ainda vê a África, em muitas situações, como um continente cheio de problemas a partir de uma visão distorcida da realidade. Como presidente do AFDB, o senhor deve ter um outro olhar. Que olhar é esse?
AKINWUMI ADESINA – A África é um continente resiliente e dinâmico, então eu vejo suas oportunidades e seu grande potencial. No século 21 a África tem visto uma maior estabilidade e a introdução de reformas econômicas que conduziram a um grande aumento no investimen-
to direto estrangeiro, estimulando crescimento econômico rápido. Em 2015, o crescimento médio na África era estimado em 3,5%, perdendo somente para a Ásia, e muito à frente da Europa e das nações mais ricas. Apesar de enfrentar ventos contrários na economia, sem contar o declínio nos preços de commodities e uma demanda que vem sendo enfraquecida, as previsões econômicas ainda são boas para a África, com crescimento projetado para chegar até 4% no ano de 2016, podendo chegar a 5% no ano de 2017. Sim, a África pode ter alguns desafios, mas as economias africanas não estão desmoronando. Seis das dez economias que crescem mais rápido estão na África. O rendimento real tem subido para 30% nos últimos dez anos. O investimento estrangeiro direto subiu para 64 bilhões de dólares, enquanto as remessas têm alcançado 56 bilhões de dólares, superior ao total de assistência oficial ao desenvolvimento. A África também está à frente no tocante à representação feminina nos parlamentos nacionais e nós temos assistido um crescimento fenomenal na matrícula de meninas na educação fundamental. O progresso do continente nas áreas ambientais também está superando o desempenho global.
“NÓS NÃO TEMOS NENHUMA ILUSÃO QUANTO ÀS MONTANHAS QUE AINDA TEMOS PARA ESCALAR”
ATLANTICO – Quais os seus principais desafios à frente ao banco?
ADESINA – Nosso desafio no Banco reflete o desafio do continente para continuar a expandir as oportunidades e aproveitar o potencial. E nós não temos nenhuma ilusão quanto às montanhas que ainda temos para escalar. A África ainda enfrenta altos níveis de pobreza, com 42% vivendo abaixo do nível de pobreza estimado em 1,25 dólar por dia; altos níveis de desigualdade, com 6 dos 10 países mais desiguais no planeta estando na região; altos níveis de desemprego, com o continente criando apenas 3 milhões de empregos que paguem salários considerados decentes, quando se precise chegar a 8 milhões; altos níveis de carência em energia, com mais de 640 milhões de africanos sem acesso a energia elétrica; e níveis extremamente baixos de produção, com a participação da África no total mundial permanecendo estática na última década em apenas 1,5 por cento.
ATLANTICO – O Brasil tem conseguido avanços importantes nas últimas décadas e exportado tecnologias sociais. Qual o papel do país no desenvolvimento do continente africano?
ADESINA – Nós podemos aprender lições importantes vindas do Brasil, especialmente de seu crescimento econômico, seu sucesso em diminuir a desigualdade social e sua experiência no desenvolvimento. Durante a última década, o Brasil desenvolveu programas de rede de proteção social que conseguiram reduzir os níveis da pobreza e ajudaram a romper a forma como a pobreza pode ser passada de uma geração para outra. O Brasil mostra como é possível erradicar a pobreza e desigualdade, enquanto mantêm o crescimento econômico. Este é um bom exemplo de como a África pode aprender com o Brasil para replicar um modelo semelhante de proteção social. O Brasil também pode ser uma porta de entrada para os países africanos para o mercado do Mercosul. O Brasil também tem aproximadamente 200 projetos de cooperação com a África, principalmente com os países africanos que falam português, devido à cultura e o idioma em comum, em áreas que vão da agricultura à habitação, pesquisa, medicina e cooperação técnica. O Banco fica de prontidão para agir como um catalisador e fortalecer as ligações e oportunidades de cooperação entre a África e Brasil.
ATLANTICO – Desenvolvimento econômico é diferente de crescimento econômico. Além disso, desenvolvimento econômico requer ou pressupõe realidades de estabilidade política, com um aparato institucional forte. De que forma a realidade política de alguns países afeta o desenvolvimento do continente?
ADESINA – Economicamente falando, a instabilidade política enfraquece as economias, bem como os investimentos estrangeiros e internos. Ela reduz ou destrói o investimento em capital humano, reduz a legitimidade de um governo, atrapalha na formulação efetiva de políticas e sua implementação no longo prazo e desfigura as receitas públicas e os gastos. Todos estes fatores apresentam riscos à paz e à segurança do continente, à aceleração de cresci-
mento e o desenvolvimento geral. A última década de crescimento econômico na África foi acompanhada por uma diminuição no número de países afetados por conflitos. A esta-
bilidade política é, por isso, essencial para o desenvolvimento econômico. As democracias na África estão começando a florescer, estão amadurecendo e um maior número de governos está sendo cobrado pela sociedade civil e por uma população cada vez mais educada. Uma grande parte da história de ascensão da África é o resultado deste contexto político melhorado. O Banco utiliza uma espécie de “lente de fragilidade” para conduzir seu compromisso operacional e estratégico dos países membros. Isto significa abordar a fragilidade e a instabilidade política através da construção de parcerias para obter resiliência, nos níveis nacionais e regionais. Também envolve o fortalecimento das capacidades dos estados e da efetividade de suas instituições, estabilizando os estados e promovendo padrões inclusivos e equitativos de crescimento e desenvolvimento.
ATLANTICO – Quais os impactos sociais e econômicos da última epidemia do Ebola?
ADESINA – Em 2014, o mundo mostrou sua vulnerabilidade a uma epidemia emergente, e vimos como um surto local pode facilmente tornar -se uma ameaça global para a saúde. O Ebola teve um efeito forte sobre a vida humana, especialmente os trabalhadores de saúde. Enfraqueceu os sistemas dos serviços públicos, com o fechamento de escolas, mercados e lojas, o que tem afetado fortemente o crescimento econômico e o desenvolvimento nos três países considerados ‘epicentros’, Guiné, Libéria e Serra Leoa. As empresas de mineração retiraram os seus funcionários, agricultura e turismo experimentaram um enfraquecimento e houve uma queda significativa no crescimento do PIB. O surto também causou interrupções nas viagens de negócios e no comércio cross border, com perdas cumulativas estimadas em mais de 500 milhões de dólares na região apenas no ano 2015.
ATLANTICO Como foi a participação do banco para ajudar os países afetados?
ADESINA – Desde o início do surto, o BAfD esteve na vanguarda dos esforços ao aprovar 10 operações no valor total de 256 milhões de dólares. Pelo menos 321 milhões de pessoas na região foram beneficiadas diretamente e indiretamente pelo apoio do banco. Os sistemas de saúde também foram fortalecidos por meio da compra de equipamentos e suprimentos e mais de 50 mil membros de equipes de saúde e voluntários foram treinados para atender a DVE (Doença pelo Vírus Ebola) e outras doenças infecciosas. A vigilância e o controle epidemiológico nos serviços de primeira linha foram melhorados e incentivos pagos para mais de 31 mil trabalhadores da área da saúde, bem como os 115 profissionais alocados nos países afetados.
O Banco, em colaboração com o Departamento de Estado dos Estados Unidos, também está apoiando os três países em seus esforços de recuperação pós-ebola ao estabelecer um Fundo de Investimento Social PósEbola no valor de 33,3 milhões de dólares. Este Fundo procura aumentar a disponibilidade de serviços básicos de saúde e restaurar os meios de subsistência e as oportunidades econômicas, especificamente focando em mulheres e meninas em áreas de cruzamento de fronteiras. O Banco também está envolvido com diversos parceiros (União africana, CEDEAO, Banco Mundial, Fundação de Bill e Melinda Gates) para apoiar o estabelecimento do Centro Africano para o Controle de Doença (CACD) iniciando na Região da África Ocidental, particularmente, na Libéria, Serra Leoa e Guiné.
“AS DEMOCRACIAS NA ÁFRICA ESTÃO COMEÇANDO A FLORESCER, ESTÃO AMADURECENDO”
ATLANTICO – O BAD tem focado seu trabalho em cinco prioridades para a África (High 5s). Que prioridades são essas, qual a razão das escolhas delas e qual é a mais desafiadora?
ADESINA – Os Highs visam auxiliar a aceleração do desenvolvimento da África nos próximos dez anos. As áreas de prioridade dos Highs são as seguintes: iluminar a África; alimentar a África; industrializar a África; integrar a África; melhorar a qualidade de vida para o povo da África. Estas ações formam um mapa para os países da África embarcarem num curso de transformação sustentável de longo prazo. Estas prioridades foram definidas pelas necessidades do próprio povo africano, baseado nos fatores que estavam atrasando o desenvolvimento do continente e na não menos importante falta de energia, que se traduz em falta de infraestrutura. As crianças não conseguem o desempenho esperado uma vez que mais de 9% das escolas básicas não têm eletricidade. O acesso à alimentação é essencial para acabar com a fome e a subnutrição e para garantir mais saúde e produtividade aos trabalhadores. A África tem um potencial enorme para alimentar a si próprio e o mundo inteiro. Mesmo assim a África Subsaariana ainda possui uma deficiência alimentar, com aproximadamente 25% seu povo sofrendo com a subnutrição. Sendo um exportador de commodities, a África permanece na base da cadeia de valor global e nós precisamos industrializar para subir nesta cadeia e nos tornar um polo de crescimento global. Integrar as economias africanas é a chave para conseguir competitividade, ampliar e fortalecer a qualidade de crescimento. Finalmente, e talvez a mais desafiadora, é a meta de melhorar a qualidade de vida para o povo africano. Apesar da manutenção do desempenho econômico positivo por quase 15 anos, muitos países ainda enfrentam pobreza extrema, desigualdade econômica e disparidades de gênero.
ATLANTICO – Estima-se que mais de 645 milhões de africanos não têm acesso à eletricidade, 700 milhões não têm acesso a energia limpa e cerca de 600 milhões morrem a cada ano, principalmente mulheres e crianças, devido à poluição interna relacionada à dependência de lenha, carvão e biomassa para cozinhar. Que caminhos estão sendo trilhados para mudar essa realidade a curto prazo?
ADESINA – O setor africano de energia tem se desenvolvido significativamente nos últimos anos com o aumento de foco, investimento, regulamentações e coordenação. O setor de energia tem percebido maior ênfase dos governos, com significativos programas de investimentos e o interesse do setor privado em uma variedade de países, tais como Costa do Marfim, Quênia, Marrocos e África do Sul. Os países ou estão mudando ou já mudaram em direção ao desmembramento das empresas públicas (Etiópia), à privatização parcial ou plena. caso da Nigéria, a concessões aos operadores de micro redes para gerar, distribuir e vender eletricidade, caso do Quênia, e a introdução de reguladores de energia e produtores de energia independentes. O desenvolvimento contínuo dos grupos de energia regionais da África aumenta as possibilidades do desenvolvimento do comércio transfronteiriço de energia e de uma maior coordenação regional no planejamento de investimentos e, potencialmente, uma maior penetração das energias renováveis on grid. Na área de petróleo e gás, a África Subsaariana, especialmente a África Oriental, tem sido o centro das atenções com os investidores de petróleo e gás interessados em grandes oportunidades, apesar da volatilidade recente dos preços. Ao mesmo tempo, países como Moçambique estão colocando em prática as estruturas jurídicas e fiscais relevantes para o desenvolvimento do setor. Estas evoluções recentes fornecem uma base para o novo acordo sobre a aspiração da meta de um acesso universal de energia até 2025.
ATLANTICO – Em 2012, o AfDB assinou um acordo com o BNDES com o objetivo de ampliar a cooperação entre empresas brasileiras e africanas. Passados quatro anos, o que pode ser visto de forma concreta a partir daquele acordo?
ADESINA – O memorando de entendimento de 2012 foi um primeiro passo na nossa cooperação, permitindo que as instituições se conhecessem uma à outra. Em novembro de 2015, o Banco e o Brasil analisaram o MOU e concordaram em identificar potenciais operações conjuntas. Por exemplo ambas as partes vão assinar um acordo de participação de risco no caso de uma operação de Trade Finance. Isto foi reforçado em março de 2016, quando o BNDES participou do Fórum de CEO’s da África em Abidjan.
“INTEGRAR AS ECONOMIAS AFRICANAS É FORTALECER A QUALIDADE DO CRESCIMENTO”
ATLANTICO – A África é atualmente responsável por pouco mais de 2% das exportações de mercadorias do mundo. Como industrializar o continente e reduzir a dependência das exportações de commodities?
ADESINA – Industrializar a África é uma prioridade fundamental para o continente, se queremos criar economias mais diversificadas e empregos de maior qualidade. O continente deve tirar proveito das suas vantagens comparativas na industrialização baseada em commodities e agregar valor a esses recursos usando o seu capital humano abundante. Desenvolvimento da agroindústria é fundamental. É também o momento para países africanos levarem as políticas industriais mais a sério.
ATLANTICO – Ao mesmo tempo que é necessário apoiar os grandes investimentos e desenvolver o mercado financeiro no continente, existe uma demanda por projetos de microempreendedorismo que tem alcançado resultados satisfatórios em diversos lugares do mundo, como o Brasil. Como manter esse equilíbrio e atender as duas necessidades?
ADESINA – O Banco é um grande defensor do desenvolvimento do setor privado que, acreditamos fortemente, seja na forma de micro ou de grandes empresas, impulsiona a economia. Somos também muito favoráveis às PMEs, que criam a maior parte dos empregos na África. Nós temos nos esforçado para ir cada vez mais fundo em nosso apoio ao setor privado, através de um portfólio crescente de linhas de crédito para as PMEs, e apoio às instituições de microfinanciamento. O Banco Africano de Desenvolvimento deve manter-se um catalisador sem assumir o papel dos bancos locais, daí a necessidade de complementar e apoiar as instituições locais, e manter o equilíbrio entre o que podemos fazer e aquilo que as instituições financeiras devem fazer.
ATLANTICO – O que esperar do futuro do continente?
ADESINA – O futuro da África será aquele em que as oportunidades continuam a expandir e os potenciais continuam a ser liberados, potencial para os países, para mulheres, para os jovens, para o setor privado, para o continente. À medida em que libertamos este potencial nos esforçamos para ver uma nova onda de crescimento e desenvolvimento compartilhado por todos.