As vozes femininas da Nigéria estão ganhando o mundo. Em 2019, três escritoras nigerianas – Akwaeke Emezi, Oyinkan Braithwaite e Diana Evans – concorreram ao Baileys Women’s Prize for Fiction. O prêmio é considerado um dos mais prestigiados no que diz respeito a literatura em língua inglesa. 

Akwaeke Emezi, Oyinkan Braithwaite e Diana Evans

Akwaeke Emezi foi indicada por sua autobiografia ficcionalizada “Água doce” (Freshwater). Oyinkan Braithwaite foi indicada como autora de “Minha irmã, a serial killer” (My sister, the serial killer). Já Diana Evans recebeu a indicação pelo livro “Ordinary People”, ainda sem tradução para o português. Apesar das três escritoras terem entrado para a lista de finalistas, quem recebeu o prêmio máximo  foi a americana Tayari Jones pelo livro “Um casamento americano” (An American Marriage).

“Não é que essas histórias surgiram agora, é que agora existem essas autoras que as contam”

O prêmio existe desde 1996, e surgiu como uma forma de prestigiar as escritoras que impactam o mundo da literatura com textos publicados em língua inglesa. Contudo, as nigerianas ainda são pouco reconhecidas nas demais premiações que, majoritariamente, premiam autores do sexo masculino. 

“A Nigéria possui uma tradição literária muito forte. Como exemplo, temos o ganhador do prêmio Nobel de literatura Wole Soyinka. Ele pertence a uma geração de autores importantíssimos para a literatura moderna da África após colonização e processo de independência”, lembra a professora Elena Brugioni, professora de Literaturas Africanas e Estudos Pós-coloniais na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). 

Os direitos de “Minha Irmã, a Serial Killer” foram adquiridos por um estúdio de cinema

Brugioni também cita Chinua Achebe, autor de “O mundo se despedaça”. “Considerado o primeiro romance moderno, questão que é muito ainda debatida, é ele quem inaugura as bases da moderna literatura nigeriana e africana. Ele foi um autor que estabeleceu parceria entre editoras africanas e editoras internacionais”, explica. Para ela, o caminho até o cenário atual inclui diversos fatores, inclusive contemporâneos, que contribuem para o sucesso atual das novas escritoras.  

“Hoje é muito discutida a questão da pauta de gênero, da posição da mulher em determinados contextos sociais não apenas em África, mas em várias geografias no mundo. Não é que essas histórias surgiram agora, é que agora existem essas autoras que as contam”, afirma.

Ascensão Feminina 

“Somos muito condicionados pelo mercado editorial que ainda prefere escritores africanos homens de origem eurocêntrica como representativos. Mas isso está mudando com o interesse do mercado nessas narrativas”, avalia a professora Aza Njeri. Ela coordena o Núcleo de Filosofia Política Africana da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

“Acredito que uma das responsáveis por uma nova visibilidade da literatura nigeriana na atualidade seja a Chimamanda Ngozi, que além de questões políticas, traz em sua literatura uma discussão muito potente sobre o feminismo” afirma professor Rodrigo Ordine Graça, professor de literatura africana da Universidade da Integração da Lusofonia Afro-brasileira (Unilab). 

Chimamanda Ngozi Adichie

Chimamanda Ngozi Adichie foi premiada pelo Women’s Prize For Fiction em 2007 pelo livro “Meio Sol Amarelo”. Posteriormente, recebeu o “Best of the Best”, prêmio dado a escritora que mais se destacou entre todas as ganhadoras durante a década. “Ela teve uma recepção muito grande dentro e fora da Nigéria e traz questões muito importantes como a da Guerra do Biafra, a discriminação religiosa e da mulher no contexto nigeriano e americano.  E a discussão à respeito do sujeito racializado na conjuntura dos Estados Unidos como é o caso do seu Americanah”, comenta Elena Brugioni. 

Um convite para ler a África

A professora Elena Brugioni acredita que esses os prêmios nacionais e internacionais ajudam a divulgar o trabalho dessas autoras, fazendo com que editoras de vários países invistam no trabalho dessas escritores.

“Eu deixaria um convite para o mundo editorial se interar mais de um mundo tão grande é que o das literaturas africanas, tornando acessível para o publico de lingua portuguesa, sobretudo no Brasil, nesse momento especial que estamos vivendo.”

Brugioni cita como exemplo a editora Kapulana, que publica no Brasil livros de diversos países africanos. Desde 2015, quando passou a publicar livros de ficção, seu catálogo possui obras de Angola, Moçambique, Nigéria, Quênia e Zimbábue. 

“Vamos ler mais, publicar mais, estudar mais e fazer com que a África seja mais próxima, porque o continente existe no Brasil de uma forma muito importante e esse diálogo me parece fundamental”, finaliza.

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