Gilbert Foussoun Houngbo assumiu a presidência do FIDA, Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola, no dia 1° de abril de 2017. Com poucos meses na organização, Gilbert já tem em mente seus objetivos. “Quero garantir que o FIDA mantenha seu foco nos países mais pobres. E nós colocamos ênfase especial nos grupos mais marginalizados, tais como mulheres e jovens”, aposta.
Nascido na área rural do Togo, Gilbert sempre contou com o esforço dos pais para ter uma boa formação escolar. Hoje, aos 56 anos, possui Mestrado em Gestão de Empresas pela Universidade de Lomé, no Togo, e diploma de Estudos Superiores em Contabilidade Especializada pela Universidade do Quebec, no Canadá.
De 1996 a 2008, atuou no Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD). Entre os anos de 2008 e 2012, serviu como Primeiro Ministro de seu país. Em 2013, trabalhou na Organização Internacional do Trabalho (OIT) como vice-diretor geral.
Com mais de 30 anos trabalhando com a promoção da melhora de vida em regiões vulneráveis do mundo, Gilbert agora utiliza seu conhecimento em diplomacia, gestão financeira e desenvolvimento internacional para guiar o FIDA. Em entrevista para a revista ATLANTICO, ele fala sobre seu mandato e as expectativas para o futuro da instituição além da experiência pioneira do Brasil com agricultura e como este legado inspira outras nações.
ATLANTICO – Quais prioridades o senhor definiu para seu primeiro mandato?
GILBERT HOUNGBO – Minha prioridade é ampliar o programa do FIDA de trabalho e o impacto do FIDA na redução da pobreza – particularmente a pobreza extrema – através do apoio às atividades agrícolas e não-agrícolas. A pobreza e a fome estão concentradas em áreas rurais. Os pequenos agricultores são fundamentais para alcançar a segurança alimentar global, mas enfrentam uma ampla gama de desafios, desde a falta de infraestrutura e acesso a mercados e finanças, aos impactos da mudança climática e insegurança sobre o direito à terra e a outros recursos. Gostaria de ter certeza de que podemos aumentar o acesso ao financiamento para os pequenos produtores, ajudá-los a enfrentar os desafios de produtividade, incentivar soluções inteligentes para a agricultura, e melhorar o seu acesso aos mercados. Quero garantir que o FIDA mantenha seu foco nos países mais pobres, e nós colocamos ênfase especial nos grupos mais marginalizados, como mulheres e jovens. Eu também vou focar na ampliação da base de recursos do FIDA, e trabalhar com o setor privado para permitir que os pequenos agricultores possam aumentar a produtividade, obter acesso à tecnologia e informação, e melhorar seus meios de subsistência. Estamos alinhando nosso modelo de negócio e para aumentar o impacto do FIDA sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, particularmente a erradicação da fome e da pobreza. Há tantas demandas sobre os recursos de desenvolvimento hoje, desde as crises humanitárias até os desafios de segurança para o meio ambiente. O temor é que a agricultura e desenvolvimento, a longo prazo, possam sofrer, apesar de sabermos que a necessidade de alimentos está aumentando a cada ano. Então, nós também temos que ter certeza de que a agricultura e o desenvolvimento rural permaneçam no topo da agenda global.
ATLANTICO – O fato de o senhor vir do campo contribui, de alguma forma, em suas atividades como administrador? De que maneira suas experiências pessoais podem inspirá-lo a se tornar uma pessoa chave para o desenvolvimento da agricultura em regiões pobres?
GILBERT HOUNGBO – Quando criança, eu rapidamente compreendi a ligação entre capacidade dos meus pais para pagar a minha educação e produção de alimentos. Ficou claro que quando a temporada era boa, quando a produção de inhame e algodão foi maior, meus pais ganhavam mais dinheiro e puderam fornecer o que eu precisava para permanecer na escola. Vi também que meus pais estavam à frente dos outros, porque eles estavam completamente focados na produção de alimentos. Quando os tempos eram difíceis, outras pessoas deixavam suas fazendas e procuravam o enriquecimento rápido que não era garantido. Dos meus pais, vi o impacto de ser resistente, de perseverar diante de uma situação difícil, e não desistir de seus sonhos. Quando eu estava crescendo, a população da minha aldeia era de cerca de 2 mil habitantes, mas não havia escola secundária. Então, aos 11 anos, me mudei para 250 quilômetros longe de meus pais, para a capital e concluir os estudos. Foi uma aventura que estou muito contente de ter vivido, mas era difícil. Isso ajudou a construir o meu caráter e me deu um senso de propósito em uma idade precoce. Desde então, aprendi que temos que trabalhar de uma forma que não só incide sobre segurança alimentar e nutricional, mas também precisamos conectar nosso trabalho para outras dimensões do desenvolvimento humano – como a educação, a saúde, a segurança, a liberdade e os direitos humanos.
“Nós temos que ter certeza de que a agricultura e o desenvolvimento rural permaneçam no topo da agenda global”
ATLANTICO – De que forma o FIDA pode atuar, de maneira objetiva? Financiando projetos?
GILBERT HOUNGBO – O FIDA é uma instituição financeira, de modo que o fato de eu ter um conhecimento financeiro é um plus, mas não é uma obrigação. O que você precisa, em primeiro lugar, como o chefe de uma organização como o FIDA é liderança e um senso de propósito – para realmente entender o objetivo final e para liderar a equipe para isso. A instituição financeira é construída na confiança, por isso temos a certeza de que a nossa gestão financeira é realmente o estado arte e certificar-se de que os controles de auditoria adequada e uma abordagem fiscal prudente existem. Eu também posso usar minha experiência financeira para nos ajudar a ver como aumentar e aprofundar nossa base de recursos para ampliar o nosso programa global de trabalho, que será fundamental para nossas discussões de reposição.
ATLANTICO – Como é possível tornar o campo mais atraente para os jovens, cada vez mais interessados em atividades urbanas?
GILBERT HOUNGBO – Estou fundamentalmente convencido de que o FIDA tem que ser parte da solução quando se trata do desafio da migração global que o mundo enfrenta. A falta de oportunidade é muitas vezes o que leva as pessoas a migrar, incluindo das áreas rurais – cerca de 40 por cento das remessas (as remessas enviadas pelos migrantes) são enviados de volta para as comunidades rurais. A agricultura pode ser uma profissão viável para jovens rurais, mas apenas se ultrapassar os constrangimentos e desafios enfrentados pelas áreas rurais hoje. Se apoiarmos investimentos direcionados para as necessidades dos jovens, certificando-se que eles têm acesso ao financiamento, a formação no mais atualizado e técnicas agrícolas sustentáveis e acesso à tecnologia moderna, eles serão capazes de ver um futuro em uma configuração rural em vez de querer se deslocar para cidades ou no exterior.
ATLANTICO – Qual é a relação entre capacitação feminina e desenvolvimento agrícola?
GILBERT HOUNGBO – As mulheres que vivem nas zonas rurais são agentes-chave da mudança na construção de um mundo sem fome. As mulheres e as meninas desempenham um papel crucial na realização da Agenda para o Desenvolvimento Sustentável de 2030, e em particular, o objetivo de erradicar a fome e a pobreza extrema. Por um lado, as mulheres representam 43% da força de trabalho agrícola e são cada vez mais as agricultoras do mundo em desenvolvimento. No entanto, elas são particularmente desfavorecidas, em áreas como o acesso a finanças e serviços e garantia aos direitos de posse da terra. Temos amplas provas de todo o mundo que uma maior capacitação das mulheres nas áreas rurais e urbanas leva a um maior crescimento econômico e a uma melhor qualidade de vida para mulheres e homens. Também melhora a nutrição de crianças e famílias. Mas, apesar do progresso, ainda é o caso hoje que a dupla jornada de trabalho agrícola e o trabalho doméstico não remunerado as impede de participar de forma plena e justa em atividades geradoras de renda. Melhorar o acesso das mulheres rurais às tecnologias que economizam tempo e trabalho é essencial para reduzir suas cargas de trabalho. Transformar as relações de gênero dentro da família também é crucial para capacitar as mulheres e permitir que elas tomem decisões sobre suas vidas. É por isso que o FIDA está incorporando um foco de gênero em todos os seus projetos de investimento.
“As mulheres rurais são agentes de mudança fundamentais na construção de um mundo sem fome”
ATLANTICO – Como é que o FIDA vê a experiência brasileira em agricultura familiar e o que outros países podem aprender disso?
GILBERT HOUNGBO – O Brasil tem sido um líder em termos de redução da pobreza e combate à fome nas últimas décadas, e um campeão de políticas de desenvolvimento rural e programas inovadores. Desde a segunda metade dos anos 1990, o Brasil cada vez mais abordou a questão da pobreza. Os programas Fome Zero e o Brasil sem Miséria, entre outros, têm melhorado a vida de milhões de pessoas. A agricultura familiar é vital para a produção de alimentos básicos do Brasil, empregando três quartos da força de trabalho agrícola e responsável por um terço da renda agrícola. É um lembrete de que os agricultores familiares são essenciais para alimentar o mundo. O Brasil desenvolveu uma série de políticas públicas, incluindo serviços financeiros específicos e programas de compras públicas, para apoiar a agricultura familiar. Os agricultores familiares estão agora no centro da estratégia de redução da pobreza do governo, ambos são beneficiários e fornecedores de alimentos e o Brasil tentou dar aos agricultores as ferramentas que eles precisam para ter sucesso. Através do FIDA, MERCOSUL e da REAF (Comissão Especializada do MERCOSUL para a agricultura familiar), o FIDA também contribuiu para compartilhar a experiência do Brasil com outros países em desenvolvimento, tanto na América Latina e no Caribe e em todo o mundo.
ATLANTICO – O senhor disse: “Temos de demonstrar que cada dólar investido terá o maior valor para o dinheiro”. Quais são, de fato, os desafios para que isso realmente ocorra? Como pode garantir um retorno positivo?
GILBERT HOUNGBO – Por um lado eu realmente vou ter que estimular o pessoal e os conhecimentos que temos no FIDA. O fato do FIDA ser pequeno e ágil é uma força. Precisamos maximizar a forma como usamos essa força. Em segundo lugar, nós precisamos mostrar para os nossos principais financiadores que nós podemos fazer mais – e não apenas por dizer isso, mas fazendo de fato. Então, precisamos entregar mais e ao mesmo tempo aumentar a nossa base de recursos – e todo o tempo certificando-se de que vamos entregar de uma forma que é impactante.
ATLANTICO – Quais os potenciais que o senhor apontaria no FIDA, considerando suas características peculiares como organismo?
GILBERT HOUNGBO – O FIDA trabalha em algumas das áreas mais remotas do mundo, e em ambientes difíceis e situações de fragilidade. Nós vamos onde outras agências de desenvolvimento não vão. Mas precisamos ter certeza de que estamos a trabalhar de forma tão eficaz e eficiente possível. O FIDA continua a atualizar sua plataforma de entrega de serviços para apoiar o modelo de negócio em evolução, e nós estamos descentralizando ao nos aproximar dos clientes que atendemos. Estamos aumentando nosso foco em resultados, na eficácia do desenvolvimento e inovação. No final, os governos e os contribuintes querem ver resultados, e isso é uma pressão positiva sobre o que fazemos.
“A agricultura pode uma ser profissão viável para jovens, mas apenas se ultrapassar os constrangimentos e desafios enfrentados pelas zonas rurais hoje”
