Empresário argelino amplia presença no Brasil e explica investimentos para além do olhar econômico

As viagens de Issad Rebrab ao Brasil têm sido bem mais frequentes nos últimos anos. Isso porque sua empresa, a Cevital, um dos maiores conglomerados industriais da Argélia, vem fazendo investimentos voluptuosos no território brasileiro. O bilionário argelino tem interesse especial no Brasil, sobretudo no potencial agrícola do País, um dos poucos do mundo capaz de suprir as demandas da Cevital por matéria-prima. Porém, muito mais que gerar riquezas para si e para seus negócios, Rebrab tem procurado diversificar seus investimentos para gerar riqueza em várias regiões do mundo.

Os negócios do grupo Cevital estão presentes nos cinco continentes e exploram segmentos diferentes como aço, alimentação, agronegócio e eletrônicos. Hoje, a divisão de alimentos e de agronegócio da empresa possui uma das maiores refinarias de açúcar do mundo, com uma produção anual de cerca de 1½ milhões de toneladas (1 milhão e meio de tonelada). Atua ainda no refino de petróleo, na produção de margarina, na produção de embalagens para bebidas, na fabricação de conservas e no ramo de silos portuários bem como em terminal para descarga do porto. Os produtos são vendidos em vários países, particularmente na Europa, no Magrebe, no Médio Oriente e na África Ocidental.

No Brasil, particularmente, a empresa tem interesse em investir na construção de uma siderúrgica em Marabá, no Pará, um projeto estimado em 4,5 bilhões de reais. O complexo siderúrgico será destinado à produção de trilhos para a América Latina. Além disso, outros produtos derivados do aço serão enviados para o mercado europeu e africano por meio de unidades do grupo na Itália e naArgélia.20 mil empregos devem ser gerados durante a construção da fábrica. Depois disso, o impacto será de 2,6 mil empregos diretos e milhares de empregos indiretos na região. Esse tipo de produção é inédita na América Latina. “Nós pretendemos fazer uma transferência de tecnologia”, brinca.

Foi com esse bom humor que Issad Rabrab abriu espaço na agenda para receber a equipe de ATLANTICO durante o 4º Fórum Brasil África, em Foz do Iguaçu. Na conversa, que pode ser conferida a seguir, ele falou sobre os negócios da Cevital no Brasil, a importância do setor privado para o desenvolvimento dos países, o interesse em investir na mídia e ainda deu dicas para quem está começando a empreender. “(É preciso) otimismo”, resume.

ATLANTICO – A Cevital tem feito várias prospecções aqui no Brasil. Alguns acordos já foram assinados, inclusive existe já em andamento a construção de uma siderúrgica em Marabá, no Pará. Qual a importância do Brasil para os negócios da Cevital?

Issad Rebrad – Bem, primeiramente, no ano de 2013, Adam Iskounen, nosso diretor internacional, aqui no Brasil, ele nos fez refletir que, a Cevital, primeiro importador na Argélia de produtos brasileiros, 62% das exportações brasileiras para a Argélia passam pela Cevital. Entre os produtos que importamos do Brasil está o açúcar, o milho, e a farinha de soja. Na Argélia nós temos a maior refinaria de açúcar do mundo, capaz de refinar 2,7 milhões de toneladas que exportamos para a Europa e África. Quando nós estivemos aqui, no Brasil em 2013 com Adam Iskoumen, conduzidos por nosso amigo Paulo Hegg, descobrimos um país fantástico. Mato Grosso é o berço da produção cerealista e tem a maior produção de grãos do mundo. Mas nós constatamos um alto custo de logística. Nós constatamos, por exemplo, na época, que a tonelada do milho custava 85 dólares em Mato Grosso, mas a logística custava 140 dólares por tonelada. Ou seja, a logística custa mais caro que o próprio milho. Enquanto isso, nos Estados Unidos, a logística não custa mais que de 25 a 35 dólares por tonelada. Isso faz com que o Brasil tenha uma produção agrícola muito competitiva, mas não escapa do custo da logística. Então nós decidimos investir na logística do Brasil. Foi assim que decidimos comprar terrenos em Miritituba e no porto de Vila do Conde, em Barcarena. E agora nós desenvolvemos também um projeto em Marabá com atenção ao ferro, isto é, uma siderúrgica. Nós vamos comprar um silo em Mato Grosso, ao lado de Vera onde nós temos a intenção de investir em uma unidade industrial para produção de etanol. Nosso objetivo maior é securitizar a Argélia e a região do Magrebe, a África do Norte no nível da produção agroalimentar.  E entre 2013 e hoje, nós, em 2015 compramos a segunda maior siderúrgica italiana que se chama Lucchini, que é a maior fabricante de trilho de trem na Europa. E nós tivemos a honra de receber o governador do Pará na Argélia que visitou as instalações da Cevital agroalimentar e nos encorajou muito em realizar uma transformação na indústria agroalimentar no Estado do Pará e também na indústria siderúrgica em Marabá.

ATLANTICO – Há outros projetos no Brasil em execução, atualmente?

Issad Rebrad – Nós temos muitos projetos no Brasil, nós estamos na indústria agroalimentar, na logística. A partir da logística nós vamos importar os produtos agroalimentares do Brasil para a Argélia e África do Norte e para o Brasil vamos exportar fertilizantes como fosfatos e também os produtos competitivos que a Argélia produz. E assim, desenvolveremos o comércio entre o Brasil, a África do Norte e outros países africanos também, como a Costa do Marfim e África do Sul. Em paralelo, temos a oportunidade de aumentar e aplicar nossa expertise da siderúrgica adquirida na Itália. Além de termos a oportunidade de produzir em Marabá, construir o complexo siderúrgico, evidentemente criar empregos, 2000 empregos diretos e outros milhares de empregos indiretos, produzir aço que nós vamos exportar para a Itália e para a Argélia, pois próximo a Marabá, em Carajás, há uma grande reserva de ferro. Esta é uma ideia de nossos investimentos no Brasil.

“Nós temos muitos projetos no Brasil, nós estamos na indústria agroalimentar, na logística”

ATLANTICO: Recentemente, o senhor adquiriu o grupo de mídia El Khabar. O que o motivou a investir neste segmento?

Issad Rebrad – Eu gostaria de recapitular nosso interesse pelo grupo El Khabar, que possui o maior jornal de língua árabe da Argélia e que nós já criamos o maior jornal de língua francesa, que se chama ‘Liberté’, em 1990. Na época havia problemas de terrorismo e islamização na Argélia e nós decidimos participar da criação do jornal Liberté que tem como objetivo de estimular as liberdades na Argélia, como a liberdade de expressão e a liberdade entre os homens. E também queremos defender a República, a Justiça, a legalidade, os oprimidos e assim defender o interesse de todos. Então nós criamos primeiramente o jornal Liberté. E em seguida, recentemente, como nós sabemos que hoje a imprensa impressa está em declínio devido ao crescimento da impressa eletrônica, assim o jornal de El Khabar estava passando por dificuldades, seu antigo dono, meu amigo, me pediu, se nós poderíamos participar do jornal. Nós sabemos que a imprensa obrigatoriamente não é para ganhar dinheiro, embora o jornal Liberté ganhe algum. Mas nós queremos, sobretudo, participar da evolução de nosso país. É um dever fazer parte e participar da vida social e a elevação no nível de vida social de nosso país.

ATLANTICO: O senhor é um dos principais empreendedores do continente africano, principalmente no Magreb. Sua história motiva muito as pessoas. O senhor tem interesse em participar da política?

Issad Rebrad: Pois bem, eu sou um operador econômico. O que eu faço é criar empregos, gerar riquezas, participar do desenvolvimento econômico da Argélia, da África e de qualquer país que nós temos investimento. Nós não podemos, hoje, ser as duas coisas ao mesmo tempo. Aquilo que faço com muita paixão e que amo muito é a criação de riquezas, a geração de empregos. Assim me sinto útil ao meu país,assim que sou útil a África e aos países em que investimos.

“Sabemos que a imprensa obrigatoriamente não é para ganhar dinheiro, embora o jornal Liberté ganhe algum. Queremos, sobretudo, participar da evolução de nosso país”

ATLANTICO: De que forma o setor privado pode contribuir para o desenvolvimento do continente africano?

Issad: Escute, hoje ele (o setor privado) é certamente, para qualquer país, se desejar o desenvolvimento econômico, o desenvolvimento da agricultura, o desenvolvimento social, o desenvolvimento do nível de vida das pessoas, é o motor do desenvolvimento. Primeiramente é preciso desenvolver a indústria, captar a última tecnologia com uma visão mundial, competitiva, produzir com qualidade, pois com produtos de qualidade se pode vender a todos. E ao mesmo tempo o setor privado desenvolve riquezas, empregos, a agricultura e melhora o nível social da população. E o grupo Cevital investe também na formação de homens e mulheres para adquirirem competências entre os diferentes colaboradores. Hoje a maior riqueza dos países é, sobretudo, o conhecimento. E quando nós desenvolvemos o conhecimento, nós nos desenvolvemos em todas as áreas. E o grupo Cevital investe muito na formação de homens e mulheres.

“O que faço é criar empregos, gerar riquezas, participar do desenvolvimento econômico da Argélia, da África e qualquer país onde temos investimento.

ATLANTICO: Para se investir é preciso ter um ambiente seguro. Grandes investimentos precisam de um ambiente seguro, tanto do ponto de vista social como do ponto de vista jurídico. Na sua opinião, esse seria o principal problema na atração de investimentos para África? Que outros problemas o senhor aponta?

Issad Rebrad – Nosso dever é justamente criar empregos e criar riquezas para abrandar a instabilidade. Quando as pessoas estão empregadas, tem um salário correto, estão vivendo melhor, elas não irão cometer violência. O contrário gerará violência. Se o jovem não tem o que comer, se os pais de família não têm meios de dar condições básicas de vida aos filhos, é evidente que nesse país se desenvolverá a violência, e a violência apela à violência. Então, como um operador econômico, nosso dever é participar da construção ou do desenvolvimento desse país para que ele conheça a estabilidade. Pois se isso não acontecer, a estabilidade não vai acontecer. Nosso dever é criar riquezas para todos. É isso que aportará a estabilidade nesse país.

ATLANTICO: Quais as recomendações ou dicas o senhor daria para quem está começando a empreender?

Issad Rebrad – Segundo minha experiência, o que eu diria aos jovens aqui, é o mesmo que digo aos jovens argelianos: primeiramente é preciso crer em si. Tudo é possível. Ser ambicioso e perseverante em tudo o que se fizer, e continuar sempre, sempre sonhar. A melhor coisa que o Bom Deus deu aos humanos é o sonho. Além disso ser todo o tempo otimista, sempre otimista, sempre positivo.

ATLANTICO: Quais as expectativas do senhor em relação aos diálogos promovido pelo Fórum Brasil África?

Issad Rebrad – O que vocês estão fazendo é maravilhoso. Colocar a boa palavra de todos a trabalho na cooperação sul-sul promoverá o desenvolvimento econômico entre a África e o Brasil. Quando as pessoas deixarem de morrer de fome, a cultura virá automaticamente. Mas se as pessoas morrem de fome, se não tem o que comer, não há cultura, elas não podem pensar na cultura. Primeiramente, assim são os homens, o nível seguinte é desenvolvimento intelectual, lugar em que se encontra a cultura. E a cultura é uma excelente coisa, mas a prioridade é não deixar que as pessoas morram de fome.

”Como operador econômico, nosso dever é participar da construção ou do desenvolvimento do país para que ele conheça a estabilidade”

PERFIL

Issad Redrab, 72 anos, é a nona pessoa mais rica da África. Segundo a revista Forbes, sua fortuna é estimada em 3,1 bilhões de dólares, riqueza que não veio da noite para o dia. Nascido na cidade de Taguemount-Azouz no ano de 1944, Issad começou a carreira como contador, à frente de uma empresa de contabilidade fundada em 1968. Três anos depois, ele foi convidado por um de seus clientes a comprar 20% das ações de uma empresa de construção em aço, a Sotecom.  Depois disso, veio avançado nos setores de metalurgia e siderurgia, expandiu-se em alimentos, até formar a Cevital, em 1998. Casado e pai de cinco filhos – uma mulher e quatro homens, todos trabalhando com ele hoje na empresa.

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