Instituto Maria da Penha 

Sancionada no Brasil em agosto de 2006, a lei 11.340, mais conhecida como “Lei Maria da Penha”, aumentou o rigor das punições às agressões contra a mulher, quando ocorridas no ambiente doméstico ou familiar. A mulher que dá nome à lei é uma farmacêutica que, hoje, aos 71 anos, lidera movimentos de defesa dos direitos das mulheres, as maiores vítimas de violência doméstica no País, além de dirigir um instituto que leva seu nome. As três filhas ajudaram Dona Penha, como prefere ser chamada, a carregar marcas permanentes de uma tragédia familiar: em 1983, tornou-se paraplégica após sofrer dois atentados do então marido. Depois disso, teve que lutar nos tribunais para que seu agressor tivesse uma punição.  “A violência contra a mulher existe porque os homens foram educados para serem violentos”, acredita. “Como eles podem achar que estão errados se eles viram um avô batendo na avó e o pai bater na mãe?”.

Mas Dona Penha estava determinada a mudar essa realidade. Na época, sequer existiam locais específicos para atender mulheres vítimas da violência doméstica no seu estado natal, o Ceará, no Nordeste do Brasil. Hoje, mais de uma década depois de criada a Lei, o assunto não só passou a ser discutido pela população como o próprio Estado ampliou o investimento em políticas públicas específicas para as mulheres. “As mulheres começaram a acreditar na instituição e na aplicação da lei,  favorecendo essa denúncia. Mas é claro que nas cidades onde não existem equipamentos para as mulheres buscarem informação ou fazerem a denúncia, os homens se sentem mais à vontade para praticar atos violentos”, acredita Maria da Penha.

Apesar dos avanços, há ainda muito a ser feito. “Ainda não é admissível que uma mulher seja assassinada porque não tinha uma delegacia no seu município, ao menos um centro de referência, para ela ter um atendimento psicológico, social e jurídico”, lamenta. “As pequenas e médias cidades sequer conseguem ter um centro de referência para que as mulheres sejam convocadas para conhecer seus direitos, escutar uma palestra”.

Paralelo à luta pelo aumento da rede de atendimento para mulheres vítimas da violência, o Instituto Maria da Penha tem investido em ações educacionais. Para as crianças, foi criada a Lei Maria da Penha em cordel, um gênero literário típico do Nordeste Brasileiro. Traduzido para inglês, espanhol e braile, o material foi apresentado em escolas de várias regiões do Brasil e em dois países luso-africanos: Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.  Para os jovens universitários, foi criado um outro curso, que também é oferecido aos líderes comunitários. “Nenhuma cultura você consegue transformar se não houver um entendimento educacional”, afirma.

Sobre a onda conservadora que assola o mundo, inclusive o Brasil, Maria da Penha não se mostra tão preocupada. Ela acredita que a representatividade feminina vai promover mais visibilidade às questões de gênero. “Temos um legislativo com cada vez mais mulheres. Eu espero que essas mulheres concorram mais para se fazerem presentes e para que seus anseios sejam atendidos”, diz. “Também existem os homens que estão ao lado das mulheres. Muitos deles conhecem amigas ou parentes violentadas ou assassinadas. E nós temos o apoio desses homens”.

Ela também acredita que só o fortalecimento do Estado pode ajudar a diminuir a violência contra a mulher. “Nessa cultura machista, ao ser vítima da violência, a mulher acha que bater nela é um direito que o marido tem. E isso precisa ser desconstruído”, observa. “E isso só é desconstruído quando o gestor público cumpre seu papel de Estado. Já ouvi mulheres que me disseram que quando o vizinho foi preso, o marido nunca mais levantou a mão pra ela”.

Maria da Penha quando jovem

Em 1983, o marido de Maria da Penha, o professor colombiano Marco Antonio Heredia Viveros, tentou matá-la duas vezes. Na primeira vez atirou simulando um assalto e na segunda tentou eletrocutá-la. Por conta das agressões sofridas, Penha ficou paraplégica. Dezenove anos depois, seu agressor foi condenado a oito anos de prisão. Por meio de recursos jurídicos, ficou preso por dois anos. Solto em 2004, hoje está livre.

O episódio chegou à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) e foi considerado, pela primeira vez na história, um crime de violência doméstica. O relato registrado no livro “Sobrevivi… posso contar”, publicado em 2010.  

Casa da Mulher Brasileira

Centro de atendimento humanizado à mulher, a Casa da Mulher Brasileira reúne em um só lugar serviços essenciais especializados para os mais diversos tipos de violência contra as mulheres, como acolhimento e triagem, apoio psicossocial, delegacia, Juizado, Ministério Público, Defensoria Pública, promoção de autonomia econômica e brinquedoteca. “É complexo de atendimento por excelência”, elogia Maria da Penha. “E isso facilita a vida da mulher”.

Já presente em Campo Grande e Brasília, as unidades do centro de apoio estão em obras em São Luís, Curitiba, Fortaleza, Boa Vista e São Paulo e outras seis casas estão em processo de licitação, de acordo com a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, órgão do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, criado em 2003 e hoje vinculado ao Ministério da Justiça e Cidadania do Brasil.

Terceira melhor lei do mundo

A Organização das Nações Unidas considera a Lei Maria da Penha como a terceira melhor do mundo no combate à violência doméstica. A dianteira ficou com a lei espanhola, que estabelece medidas de proteção integrada contra a violência de gênero e impõe matérias desde o ensino fundamental até o universitário, seguida pela legislação chilena, que busca prevenir, punir e erradicar a violência doméstica e dar proteção às vítimas, especialmente mulheres, idosos e crianças.

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