Houve uma queda de 50% no número de consultas de acompanhamento para o vírus HIV após as passagens dos ciclones Idai e Kenneth, que atingiram mais de 1 milhão de pessoas, causando mais de 600 mortes em Moçambique. O número de pessoas em tratamento também caiu para cerca de metade, segundo uma análise do Ministério da Saúde do país.

Segundo os últimos dados da Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS), 2,2 milhões de pessoas em Moçambique vivem com o vírus. Isso representa cerca de 7,4% da população. Em 2018, foram registradas cerca de 150 mil novas infecções e 54 mil mortes, o que provocou uma queda na expectativa média de vida para 53,7 anos. 

O desafio para a Unaids, neste momento, é interromper as novas infecções, com uma aposta muito forte na prevenção.

Durante os dois ciclones, 113 unidades de saúde foram parciais ou totalmente danificadas, incluindo equipamento, mobiliário, medicamentos essenciais e produtos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que levará cinco anos para recuperar toda a infraestrutura de saúde danificada. “Interromper os tratamentos permite o regresso de doenças oportunistas e aumenta as taxas de transmissão”, lamenta o especialista Santinho Carvalho.

A coordenadora-residente da ONU em Moçambique, Myrta Kaulard, afirmou que, em um desastre natural, as pessoas mais vulneráveis sofrem sempre os piores impactos. Segundo ela, estas pessoas podem pessoas com deficiência, idosos ou pessoas vivendo com HIV. 

Para a diretora do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS) em Moçambique, Eva Kiwango, o governo do país está empenhado com o fim da epidemia, e pretende alcançar os objetivos até 2020. Eva Kiwango lembrou que Moçambique é um dos poucos países em África onde os trabalhadores sexuais e os homens que fazem sexo com homens não são criminalizados. Apesar disso, afirmou que ainda é necessário resolver o problema do estigma e da discriminação contra pessoas que vivem com HIV, para garantir que ninguém seja deixado para trás.

Segurança Alimentar, um outro desafio

Após ter sua casa, na província de Cabo Delgado, destruída pelo ciclone Kenneth, Luísa Maio, 36, interrompeu o tratamento dela e de três dos seus quatro filhos que vivem com HIV. A família, que já tinha dificuldades para se alimentar, teve a situação agravada depois que a tempestade arrasou os campos onde cultivava legumes.

Quatro semanas depois do ciclone, Luísa e a família receberam a visita de Melita Baka, uma ativista comunitária de iniciativa apoiada pela ONU e pela Fundação Ariel Glaser. A agente comunitária e suas colegas visitam casas de pessoas que vivem com HIV, explicando a importância de fazer diagnóstico e seguir um tratamento.

“Tivemos muitas dificuldades no campo porque, para muitos pacientes, a prioridade era procurar alimentação e abrigo, não tratamento. Muitos tiveram que mudar de casa, uns reiniciaram o tratamento, outros não”, afirma Melita. Ela ajudou Luísa e a família a retomar a medicação. Alguns meses depois, no entanto, Anísio, o filho de 10 anos, teve efeitos colaterais. O menino estava subnutrido e quando, tomava os antirretrovirais, ficava com os lábios inchados.

Médico Santinho Carvalho atende paciente com HIV no Hospital de Macomia, em Cabo Delgado, Moçambique, Foto: ONU News

Mesmo antes dos desastres naturais, o Programa Mundial de Alimentos (PMA) estimou que 80% dos moçambicanos não conseguiam ter uma dieta adequada. Em julho, a agência informou que 1,9 milhão de afetados pelos ciclones enfrentam possibilidade de insegurança alimentar caso não tenham acesso a ajuda humanitária.

O Estado moçambicano oferece os medicamentos antirretrovirais, mas mesmo assim existem dificuldades em sua implementação. Apenas 56% das pessoas com diagnóstico positivo tomam os medicamentos. A taxa é ligeiramente mais alta entre as crianças, cerca de 60%. Somente 68% das pessoas que iniciam o tratamento continuam seguindo o plano um ano depois. No país, o vírus já deixou 1,1 milhão de crianças órfãs.

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