Casa de America – Setembro de 2018
Poucos brasileiros acompanharam tão de perto a diplomacia brasileira nos últimos 60 anos como Celso Amorim. O embaixador esteve presente em episódios importantes da história do Brasil. Ele participou ativamente da delicada e complexa atividade de fomentar importantes parcerias que ajudaram a elevar o protagonismo do Brasil na geopolítica mundial.
Na década de 1990, quando era embaixador do Brasil na ONU, viu o País ser bastante requisitado para importantes questões importantes e ajudou a costurar alianças estratégicas. Seu trabalho chefiando ministérios nos governos de Lula e Dilma Rousseff resultou na consolidação do Brasil como uma grande potência emergente e com voz ativa na comunidade internacional.
Hoje, longe da vida pública, ele observa um Brasil cada vez mais distante, fechado e sem o prestígio de outrora. “O Brasil desapareceu do mundo”, lamenta. Porém, mesmo fazendo críticas severas à política externa brasileira, ele revela caminhos para superar a crise institucional que atinge o País e explica que, mesmo com os efeitos de más escolhas, há espaço para o Brasil num contexto geopolítico cada vez mais complexo. “Não subestime a influência do Brasil”, brinca.
ATLANTICO conversou com Celso Amorim pela primeira vez em 2015. O otimismo dele, na época, deu lugar ao olhar cético, ao pragmatismo e à esperança. Nesta conversa, ele fala sobre a atual situação do Brasil, as oportunidades de aproximação com a África e os novos contextos geopolíticos, com os BRICS e a AfCFTA.
Celso Amorim no Conselho de Direitos Humanos durante a Sessão Especial sobre a a situação dos direitos humanos no Território Palestino Ocupado e em Jerusalém Oriental. Créditos: Jean Marc Ferre/UN
ATLANTICO – Qual o lugar do mundo o Brasil ocupa hoje?
Celso Amorim – Do ponto de vista estrutural, o Brasil ainda é o mesmo. Sofreu alguns abalos, mas ainda é o mesmo em termos de PIB, de população e de território. A economia caiu muito mas certamente voltará a estar entre as dez maiores economias do mundo. Então é um país indiscutivelmente importante e continuará a ser.
Conjunturalmente, o Brasil está numa situação pior que eu conheço desde eu passei a acompanhar de perto e ser participante da diplomacia brasileira. Eu entrei para o Instituto Rio Branco em 1963. Há quase seis décadas, eu acompanho a política externa e nunca vi o Brasil numa situação tão ruim.
É claro que durante a ditadura militar tinham outros aspectos: as pessoas eram torturadas e morriam. Isso tudo era muito ruim tanto para as pessoas que foram perseguidas e que sofreram com isso como para a percepção que o mundo tinha do Brasil. Tanto é que o Brasil passou muitos anos sem sequer concorrer ao Conselho de Segurança das Nações Unidas porque achava que não ia ser eleito.
Mas, venhamos. Da mudança do Governo Geisel pra cá, o Brasil vinha constantemente melhorando. Claro que algumas melhoras não eram suficientes. Não é que eu achasse que estava tudo bem, mas havia no Brasil uma expectativa de melhora. Houve a transição democrática. Depois, a primeira eleição direta. Até o impeachment do Collor uniu o Brasil. O sentimento nacional geral era de que aquilo era uma coisa necessária. Isso dava a impressão de uma grande força de um projeto nacional, democrático, brasileiro.
O que eu vejo hoje, a partir do impeachment da Dilma – um impeachment ilegal, na minha opinião – manipulado juridicamente e, depois, a prisão do Lula, vimos que tudo fazia parte de um mesmo processo, culminando tudo na eleição de um líder de extrema direita, cada vez mais extremista. O Brasil desapareceu do mundo. Só não desapareceu totalmente porque ele ainda causa problema. Ele é o epicentro da pandemia, pois as variantes [do coronavírus] se desenvolvem aqui. É responsável pela queimada da Amazônia e, agora, com a secura do Rio Paraguai. E a política externa está refletindo isso.
Não subestime a influência do Brasil. O Brasil que eu vi crescer lá atrás, que foi subindo e que ganhou essa dimensão toda é baseado pela democratização, a busca pela Justiça Social e a própria estabilidade financeira possibilitaram. Esse era o nosso País: respeitado e amado na África, países árabes, na América do Sul e na América Latina. Respeitado sem ser temido. Isso é o que é mais importante. Essa realidade nos possibilitou fazer movimentos como o IBAS [Fórum de Diálogo Índia-Brasil-África do Sul, realizado em 2010], com a primeira Cúpula América do Sul-Países Árabes [foi realizada em 2005 em Brasília] e os BRICS, que é um fato notável, uma realidade internacional indiscutível.
Os Estados Unidos recorriam a nós quando precisavam resolver algo relacionado à Venezuela. O mesmo quando precisavam resolver alguma coisa na OMC ou no Oriente Médio e queriam apoio de um país influente no mundo em desenvolvimento. Esse é o País que eu vi.
Claro que quando vinham aqui reconheciam que havia problema. Quando vinha um relator da ONU para investigar execuções sumárias, ele via que tinha problema. Em todos os lugares havia problemas. Mas havia uma nítida disposição de resolver esses problemas.
Vai recuperar? Eu acho que vai. Vai tomar tempo. Algumas marcas permanecerão. Mas o mundo mudou. No tempo que o Lula assumiu o Brasil tinha uma posição inconteste no papel de liderança na América do Sul e na América Latina. Hoje já não sei se seria o mesmo. O Brasil continua muito importante, mas eu vejo o México liderando. Não acho isso ruim. Mas teríamos que nos adaptar a essas novas realidades.
Eu nunca vi o Brasil numa situação tão ruim
ATLANTICO – E como superar essa realidade? O que existe de mais desafiador para voltar a ser amado e respeitado como antes?
Celso Amorim – O problema tem nome. A crise institucional no Brasil, com a divergência entre três poderes, se chama Jair Bolsonaro. Nós temos um presidente que ameaça constantemente dar um golpe e a realização das próprias eleições. Também fala que o povo deve comprar fuzil ao invés de feijão. Tudo tem que ser feito dentro da legalidade.
Nós precisamos, acima de tudo, de um governo normal. Claro que eu não quero que seja apenas um governo normal. Quero um governo progressista. O governo Sarney, por exemplo, defendeu a democracia, e teve inflação alta, com pontos altos e pontos baixos. Mas, o Brasil caminhava. E continuou caminhando. O governo Collor, apesar dos problemas internos , criou o Tratado de Assunção, o acordo nuclear com a Argentina. Direitos humanos, direitos do trabalho e até direitos ambientais avançaram no governo Collor. Temos que falar a verdade, apesar dos problemas reais.
O mesmo tenho a dizer do Governo Itamar, quando eu era ministro, e que continuou o processo: Protocolo de Ouro Preto, Protocolo de Marrakesh e a primeira proposta para a criação da Área de Livre-Comércio Sul-americana (ALCSA). Isso fortaleceu muito o Governo Fernando Henrique, que tinha muita credibilidade internacional. E essa credibilidade se transformou em admiração e amor no governo de Lula. E, de lá pra cá, caiu. Então veja, dá pra recuperar.
A política externa se baseia em múltiplos fatores materiais , como a economia do país e o poderio militar. Mas ela também se baseia no famoso poder brando, que reúne fatores como simpatia, credibilidade e confiança. E a confiança, eu acho, vai ficar abalada por algum tempo.
O fato é que Bolsonaro foi eleito. Pode ter havido fake news, como teve na Inglaterra e nos Estados Unidos. E o fato dele ter sido eleito vai continuar gerando desconfiança. Por isso que eu digo que vai levar um tempo para consolidar novamente essa confiança. Antes nós tínhamos um crescente. E de repente vai levar um baque que nos levou ao ponto mais baixo da nossa história recente.
Você pega o discurso de Figueiredo na ONU em 1982 [claro que não estávamos numa democracia] e era um discurso de um líder de terceiro mundo se comparado aos despautérios que foram pronunciados pelo governo Bolsonaro e as imbecilidades que foram ditas ao longo do tempo pelo chanceler Ernesto Araújo [ministro das Relações Exteriores do Brasil entre janeiro de 2019 e março de 2021].
Genebra, novembro de 2010: Celso Amorim na Global South-South Development Expo (GSSD Expo) [Créditos: Lucien Fortunati / PNUD]
ATLANTICO – O Brasil se aproximou da África há quase duas décadas mas, nos últimos anos, vem tendo uma relação no mínimo apática com o continente. Enquanto isso, outros players como China e Estados Unidos, vêm ampliando suas presenças por lá, as nações africanas vêm se esforçando para se desenvolver, fortalecer suas instituições e, principalmente, têm mostrado interesse em dialogar. Que potenciais o Brasil tem perdido? De que forma esse distanciamento pode comprometer nossa posição de relevância, como exportador de tecnologias sociais inovadoras?
Celso Amorim – Eu conheci um pesquisador queniano chamado Calestous Juma, que tinha uma frase fenomenal: “nós temos que cooperar porque, para cada problema africano, existe uma solução brasileira”. E eu tenho repercutido isso várias vezes. Essa era a percepção que tinham do Brasil e eu estou te contando inúmeras histórias da minha experiência de vida porque elas ilustram isso.
Quando eu era Ministro da Defesa, estive na Namíbia e o presidente me disse uma coisa muito interessante. “Nós gostamos da cooperação com o Brasil porque os outros vêm aqui para nos dar o pão. E o Brasil nos ensina a fazer o pão”.
Houve um exemplo durante o governo Lula que é impressionante. Eu desenvolvi uma relação especial com a ministra de agricultura da África do Sul em uma reunião da Organização Mundial do Comércio em Hong Kong onde ela defendeu algo parecido, num momento crítico da negociação. Voltamos no mesmo avião, falamos de alguns programas sobre agricultura familiar e depois de dois anos realizou-se no Brasil uma grande reunião organizada por nós do Itamaraty e promovida pelo presidente Lula. Vieram cerca de 37 ministros africanos e alguns vice-ministros. A maioria não se conhecia e se conheceram em Brasília. Era uma coisa espantosa de como o Brasil havia se tornado um ímã para a Cooperação Internacional entre os países em desenvolvimento.
Um exemplo, é o programa que tivemos entre os países produtores de algodão do oeste africano (Mali, Togo, Benin e Chade). Foi um programa de grande importância para o desenvolvimento da região e o Brasil fez aquilo de alguma maneira sem ter nenhum retorno imediato. Claro que estávamos interessados que eles defendessem a mesma posição que nós na Organização Mundial do Comércio. Mas isso foi uma coisa extraordinária. Eu fui lá colher as primeiras amostras de algodão plantadas com ajuda da Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária].
Em Moçambique estávamos trabalhando no projeto de uma fábrica de anti-retrovirais que eu soube depois que virou uma fábrica de analgésicos . Não é a mesma coisa, mas mesmo assim é uma fábrica de medicamentos quando Moçambique não sonhava em ter uma fábrica de medicamentos. Essas coisas deixam uma marca muito profunda além dos interesses econômicos.
O comércio do Brasil com a África multiplicou por cinco em poucos anos. Você pode achar que a base era muito baixa. Mas não é. Se a gente tomar a África como um conjunto, falo que seria o quarto maior mercado para as exportações brasileiras, abaixo apenas dos Estados Unidos, China e Argentina. Na frente da Alemanha, da França e da Itália. Então não se pode dizer que é uma coisa pouco importante. A África foi fundamental para a eleição de Roberto Azevedo na Organização Mundial do Comércio e mais fundamental ainda para a eleição de José Graziano na FAO. Foi fundamental para o comércio brasileiro ao mesmo tempo que o Brasil está cooperando, levando coisas boas para os africanos . Então eu acho que é uma coisa que terá que voltar. No longo prazo, isso é indiscutível.
Deixa eu falar uma coisa pra você. Em geral, em todos os países em que Lula esteve eu estive, pelo menos, mais uma outra vez. Mas eu fui cinco ou seis vezes em alguns, como é o caso da Guiné-Bissau. O consumo anual de energia da Guiné-Bissau é de um shopping center de São Paulo. É um país de dois milhões de habitantes. Então, veja que qualquer coisa que você fizer lá ajuda muito. O Brasil tem feito algo mas tem feito muito pouco, mesmo nos nossos governos. Também não é fácil. Mas deve ser um compromisso permanente. Outra coisa que também contribuiu para nos aproximar da África foi o Haiti país que o Brasil fez muitos programas de cooperação técnica na área de agricultura familiar.
O Brasil desapareceu do mundo
ATLANTICO – Ainda dentro da perspectiva da Cooperação, como o senhor enxerga o papel da Cooperação Sul-Sul no contexto atual, tão complexo, com crises políticas e econômicas? Que responsabilidade têm os países ricos, que estão cada vez menos ricos? E qual o papel das organizações da Sociedade Civil?
Celso Amorim – Eles estão menos ricos e mais egoístas! (risos) A Cooperação Sul-Sul é absolutamente fundamental. Eu tive alguma participação, não muita, quando Nyerere estava criando o South Centre, que existe até hoje e tem um papel importante na difusão de ideias. A minha preocupação era de se aproximar de outros países que tinham potencial de cooperar. E talvez o primeiro exemplo que existe e às vezes a gente esquece, porque se fala muito nos BRICS, foi o IBAS, parceria entre Índia, Brasil e África do Sul. Claro que a realidade mudou um bocado, mas na época a ideia central era a cooperação entre três grandes democracias, multiétnicas, multirraciais, multiculturais e cada uma em um diferente continente do mundo em desenvolvimento. O IBAS foi um exemplo que contribuiu muito para o BRICS. Essa cooperação é absolutamente fundamental.
Sem dúvidas, essas iniciativas são realmente consolidadas quando elas deixam de ser do Estado. Inicialmente, elas são do estado. Vamos pegar um exemplo do Mercosul. Quando criamos o Mercosul, ninguém falava nele, ninguém sabia o que era. Os empresários ainda não estavam interessados. Em, uma viagem, vi um anúncio no jornal com alguma coisa que dizia “Disque Mercosul”. Pensei, “opa, virou realidade!”. Considero importantíssimo o Instituto Brasil África, independente, com o dinamismo que tem, trabalhar com cooperação, desbravando caminhos novos. Assim como a Câmara do Comércio Árabe Brasileira, que nos ajudou muito na Cúpula América do Sul-Países Árabes.
Celso Amorim nos anos 1980. [Créditos: Ministério das Relações Exteriores]
ATLANTICO – O senhor participou da construção do Mercosul nos anos 1990 e nos últimos anos acompanhamos a formação da Zona de Comércio Livre Continental Africana (AfCFTA), que virou uma realidade e está se consolidando. Que lições a AfCFTA pode aprender com o Mercosul?
Celso Amorim – É complexo porque cada país e cada área tem que enfrentar seus próprios problemas. Eu acho que o Mercosul avançou muito, mas há uma séria ameaça com o governo Biden nos Estados Undios e com o governo Bolsonaro no Brasil. Além disso, a comparação da AfCFTA com o Mercosul é imperfeita porque o Mercosul está mais adiante. O Mercosul é uma união aduaneira, que talvez num plano mais amplo, com toda a África, seja mais complexo fazer. Mas nós tínhamos a UNASUL, que se baseia em algo que nunca foi formalizado como um conjunto mas que na prática se oficializou que é uma Área de Livre Comércio da América do Sul. Quando nós assinamos um acordo entre o Mercosul e a comunidade andina já tendo um acordo com o Chile e tendo um arranjo especial com Guiana e Suriname, nós criamos, na realidade, uma Área de Livre Comércio na América do Sul e essa sim que acho que teria possibilidade de interagir de maneira mais direta com a AfCFTA
O Mercosul é um passo adiante. Para isso, é preciso uma maior homogeneidade. E isso não é simples, estamos vendo. E o meu desejo é que o Mercosul se expanda, mas, com esse governo, tudo ficou mais difícil. Independente disso, teríamos aqui, como uma das primeiras ações de um novo governo, ressuscitar a UNASUL. Talvez com pequenas adaptações para evitar crises que ocorreram no passado. A UNASUL é o parceiro ideal para a África. Eu não sei até que ponto nós poderemos ir com a CELAC, que envolve toda a América Latina e o Caribe. O CELAC hoje em dia é apenas um foro, que se originou numa reunião feita na Bahia [em 2008] . Depois houve uma reunião no México e outra Caracas. Foi a primeira vez que os países latinoamericanos se reuniram naquele nível sem a tutela norte-americana, do Canadá e da União Europeia. A CELAC é muito importante, mas é um foro. Ela tem vontade política mas não é um tratado nem uma organização. Eu não sei, na área econômica, até que ponto ela pode ir. Porque alguns países já têm acordos de livre comércio com os Estados Unidos, como o México e alguns países da América Central.
O Mercosul tem que buscar uma relação especial com a SACU [União Aduaneira da África Austral], que envolve todo o sul da África. O cone sul da África pode ter uma relação mais direta com o Mercosul. É uma coisa de geometria variável. Mas certamente, teremos muito a aprender uns com os outros. Inclusive com os defeitos, as limitações e as dificuldades. O Brasil não tem como se esconder do seu tamanho. O Brasil é o maior país da América do Sul. E hoje em dia você conversa com outros líderes daqui da região e eles se referem ao “eco brasileño , ou “o grande vazio brasileiro”. Isso tem que mudar. Se isso não mudar, o Brasil fica de fora.
A crise institucional no Brasil, com a divergência entre três poderes, se chama Jair Bolsonaro
ATLANTICO – Como o senhor avalia os BRICS atualmente? De que forma o tamanho da China atrapalha o grupo?
Celso Amorim – O BRICS é uma realidade geopolítica complexa. Não é uma coisa simples, há rivalidade entre China e Índia. Mas a parte econômica, representada pelo banco, tem funcionado bem. A China é dominante. Não dá pra esconder essa realidade. Mas eu acho que a China precisa dos outros países também em termos de legitimação internacional. Veja bem, o BRICS, como você sabe, foi uma sigla inventada por um economista britânico, Jim O’Neill, em 2001, se eu não me engano. Nós trabalhamos juntos no Goldman Sachs.
Mas na realidade ela só se tornou um grupo com a criação do foro. Foi uma proposta do ministro russo pra mim. A China aderiu sem entusiasmo mas, depois, foi naturalmente percebendo a utilidade. Acho que é preciso procurar um certo equilíbrio dentro do BRICS e isso não é fácil. Uma certa revitalização do IBAS, por exemplo, ajudaria nesse equilíbrio. Acho que combinações dessas coisas nos permitiria que o BRICS pudesse ser o embrião de uma grande organização do mundo em desenvolvimento ou uma grande alternativa para uma forma de organização muito dominadora que foi a dos Estados Unidos.
A integração da América Latina e o potencial dos BRICS podem servir de condutor. Veja bem, do outro lado tem a ASEAN Free Trade Area (AFTA), tem outras coisas, tem a área de livre comércio africana. Tudo isso pode ser coordenado de alguma forma. Agora isso exige imaginação, disposição, competência diplomática, e muita paciência. Você não faz alguma coisa, como a integração da América do Sul, só com boa ideia. Boa ideia é fundamental. E coragem política também é fundamental, Mas isso se faz com muita paciência e muito trabalho.
Brasília, 3 de março de 2010: A secretária de Estado dos EUA, Hillary Rodham Clinton, com o presidente Lula e Celso Amorim. [Créditos: U.S. Department of State ]
ATLANTICO – Qual seria a disposição do senhor para contribuir com um possível retorno de Lula à presidência do Brasil? O senhor aceitaria um ministério, por exemplo?
Celso Amorim – Tem muita coisa ainda. Primeiro, temos que garantir as eleições. Temos que ter uma boa aliança das forças democráticas. Não tenho nada contra a terceira via. Que haja terceira via! Acho saudável que tenhamos terceira ou quarta via. Não há problema nisso. Agora não se pode construir uma terceira via em cima da desqualificação de Lula, que é o candidato com o maior apoio popular. Isso eu acho errado.
Eu trabalho a favor disso 24 horas. No que eu puder ajudar, eu faço. Claro que as minhas capacidades e os meus talentos são limitados e, por isso, não sou convidado para muita coisa. Mas, se me requisitarem, eu estarei à disposição. Quanto ao governo, ainda está longe. Do ponto de vista pessoal, se Lula for eleito, eu ficaria mais satisfeito em ter uma salinha no fundo do gabinete onde eu possa tomar um cafezinho com o presidente. Isso seria muito mais interessante do que fazer muitas viagens. Eu já conheço o mundo inteiro. Existem poucos lugares no mundo onde eu não estive. Com certeza, vão arranjar alguém mais jovem para fazer essas viagens.
Celso Luiz Nunes Amorim nasceu em Santos, no litoral do rico estado de São Paulo, em 3 de junho de 1942. Graduou-se em 1965 no respeitado Instituto Rio Branco e, primeiro colocado da turma, ganhou como prêmio o direito de estudar na Academia Diplomática de Viena, onde dois anos depois obteve título de pós-graduação. O primeiro posto diplomático foi em Londres e, desde então, desenvolveu uma das mais vistosas carreiras como embaixador no País. Duas vezes ministro das Relações, nos governos de Itamar Franco e Luiz Inácio Lula da Silva (neste último, ao longo dos oito anos de depois mandatos), foi também ministro da Defesa, presidente da Embrafilme (estatal de cinema brasileiro, hoje extinta). Como embaixador, destacou-se como representante do país em Londres e na ONU. É casado com Ana Maria Amorim e pai de Vicente, Pedro, João e Anita.
Crédito da imagem principal: Casa de América