O Brasil é fruto da miscigenação. Índios, europeus, africanos e orientais formaram o “brasileiro”. Segundo o IBGE, Instituto Brasil de Geografia e Estatística, 55% da população brasileira se considera negra. Apesar de serem maioria, os negros no Brasil sofrem com a falta de representatividade. Ela está relacionada à pouca ou nenhuma presença de personagens negros enaltecidos na história do país e isso começa na infância.

Um boneco, por exemplo, pode ser visto por uma criança como espelho do seu futuro. O mercado de brinquedos brasileiro, entretanto, é quase todo branco. Em uma campanha realizada pela ONG Avante chamada “Cadê nossa boneca?”, foi constatado que apenas 3% das bonecas comercializadas pela internet, no Brasil, são negras. O estudo analisou o acervo de lojas associadas a Abrinq, Associação Brasileira de Fabricantes de Brinquedos, e dentro deste universo estudou três grandes lojas online, Walmart, Rihappy e Americanas.

“A gente entendeu que o percentual de bonecas fabricadas, ao todo, era 9% e esse percentual caia quando a gente ia para o comércio. Os fabricantes, muitos deles, não conseguem dar vazão desses modelos negros”, lamenta Mylene Alves, uma das coordenadoras da campanha. 

A pouca presença de brinquedos que representem a comunidade negra no Brasil, influenciou o surgimento de bonequeiras. “A boneca traz consigo uma série de significados e possibilidades no brincar, que vem a partir de relação de papeis, que pode ser da identificação direta (ou seja, eu sou a boneca), como pode ser da identificação do outro”, relata Mylene.

Lúcia Makena, uma das principais bonequeiras do país, começou a produzir bonecas negras de pano após ver um modelo em uma revista. “Eu me via representada naquela imagem e a partir dali resolvi que poderia começar a fazer bonecas também”, lembra. Professora da rede pública de São Paulo, Lúcia utilizava bonecas negras como instrumento de debate para temas raciais.

Segundo a bonequeira, a sociedade ainda enxerga a boneca como um simples brinquedo e esquece de sua influência na vida das crianças. “Quando a gente chega com essas bonecas, temos a preocupação de contribuir para a formação da identidade das meninas. A gente tenta fazer bonecas que tragam essa representatividade”, reforça.

As bonecas Makena seguem um padrão que trabalha a desconstrução de padrões estéticos impostos pela mídia. O tecido preto, cabelo crespo, boca grande, corpo sem definições de cintura e estampas étnicas africanas formam o brinquedo. O objetivo principal é estimular a criatividade das crianças e assim trabalhar a questão representativa.

Como afirma Mylene, as bonecas são um objeto pedagógico e lúdico que permite à criança entender os papéis sociais. “Ela é a representação de uma pessoa, de uma ser, por isso falamos de modelo de gente. Isso me faz reconhecer o outro que é diferente de mim, cuidar desse outro e entender que esse outro é igual a mim”, completa.

Queens of Africa, o sucesso  que nasceu da afirmação 

Desenvolvidas pelo nigeriano Taofick Okoya em 2008, as Queens of Africa são o sucesso de bonecas negras no continente africano. A ideia surgiu depois de Taofick não encontrar bonecas adequadas no mercado para presentear a sobrinha. Ao mesmo tempo, ele havia sido questionado pela filha sobre sua cor de pele e seu desejo por ser branca. “Eu decidi criar uma marca que ajudaria crianças negras a se reconhecerem na cor das bonecas, que existem personagens iguais a elas e que desejem ser igual sem isso ser impossível”, explica o empreendedor.

Quando lançadas, as Queens of Africa não foram bem recebidas pelo público. Taofick criou, então, uma campanha de conscientização sobre a importância psicológica das bonecas no autorreconhecimento das crianças. “Quando você começa a entender, com a brincadeira, que existem outras pessoas no mundo que são iguais a vocês, mas pela localização geográfica são diferentes, é mais fácil tornar essas pessoas menos resistentes aos outros”, relata.

As bonecas foram pensadas em três tonalidades de pele pois, segundo Taofick, durante a produção percebeu-se que nem mesmo no continente africano são todos iguais. A linha de brinquedos criada pelo empresário utiliza não apenas bonecas, mas livros, músicas e animações como instrumentos de empoderamento infantil.

Além de Queens of Africa o empresário fabrica as Naija Princesses e, diferente das bonecas Makena, as bonecas nigerianas são parecidas com o estilo da Barbie. Altas, magras e com características africanas. Como informa Taofick, cada boneca representa uma tribo do continente africano. Assim, crianças africanas e/ou de descendência africanas podem se espelhar em seus ancestrais, na sua beleza.

Bonecas Abyomi

Traduzido do Iorubá, Abayomi ou “encontro preciso”, foi escolhido como nome para as bonecas feitas de retalhos de pano, por escravas, durante o período de escravidão no Brasil. Elas serviam como um acalanto para seus filhos, principalmente nos momentos de travessia, dentro dos navios negreiros.

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