Roberto Azevêdo é diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) desde 1º de setembro de 2013. Em fevereiro último, demonstrando aprovação ao seu estilo e às prioridades que adotou, foi reeleito para novo mandato de quatro anos, já iniciado, inclusive, na mesma data de 1º de setembro deste 2017. É exatamente nesse momento de avaliação e planejamento que Azevêdo fala à ATLANTICO. Entre outros assuntos, ele conversa sobre a participação do Brasil no comércio internacional, o desenvolvimento do continente africano e também sobre o panorama atual do comércio global e a luta contra o protecionismo.

Nascido em Salvador no ano de 1957, o embaixador Azevêdo é formado em engenharia elétrica pela Universidade de Brasília. Posteriormente realizou o Curso de Formação de Diplomatas e pós-graduação em diplomacia no Instituto Rio Branco. Ele se juntou ao Serviço de Relações Exteriores do Brasil em 1984.

Serviu nas embaixadas do Brasil em Washington, de 1988 a 1991, e em Montevidéu, de 1992 a 1994, além de servir na Missão Permanente do Brasil em Genebra, de 1997 a 2001, ano em que foi nomeado chefe da Unidade de Solução de Controvérsias do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, onde permaneceu até 2005. Durante seu mandato, ele atuou como principal litigante em muitas disputas na OMC.

De 2006 a 2008 foi Subsecretário Geral de Assuntos Econômicos e Tecnológicos do Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Nessa qualidade, ele também foi o principal negociador comercial do Brasil para a Rodada de Doha e outras questões da OMC. Em 2008, foi nomeado Representante Permanente do Brasil junto à OMC e outras Organizações Econômicas Internacionais em Genebra.

Casado com a embaixadora Maria Nazareth Farani, chefe da missão permanente para o Escritório das Nações Unidas, tem duas filhas e três netas. Ao longo de sua carreira, ganhou uma reputação de negociador e “construtor de consensos”.

“O Acordo de Facilitação do Comércio da OMC, quando totalmente implementado, vai reduzir os custos do comércio na África por cerca de 16,5%. Isso é muito significativo”

ATLANTICO – A estrutura da governança de comércio tem passado por muitas transformações, com a negociação de mega-acordos regionais e o crescimento de acordos bilaterais. Como a OMC vem encarando esses acordos? Até que ponto isso pode ser benéfico ou prejudicial para um comércio mundial justo?

ROBERTO AZEVÊDO – Mesmo com esse crescimento rápido nos últimos anos, as iniciativas bilaterais e regionais de comércio não são novas. Estes diferentes tipos de iniciativas já coexistiam com o sistema multilateral. Eles se complementam, e não tenho dúvida de que vão continuar a fazê-lo. Às vezes, esses diferentes caminhos são apresentados como se estivessem em conflito entre si, mas este não é o caso. O suporte para o sistema de comércio multilateral não vem à custa de uma agenda de negociações bilaterais e regionais ativa, muito pelo contrário. Um sistema de comércio saudável requer progresso e engajamento em todos os níveis. No entanto, mesmo se todos os acordos regionais pudessem ser concluídos amanhã, nós ainda precisaríamos da OMC. Quase nenhum dos desafios comerciais globais que enfrentamos hoje, seja relacionado com a economia digital, ou subsídios agrícolas ou de pesca, seria mais fácil para resolver fora do sistema multilateral.

ATLANTICO – Qual é a participação do Brasil no comércio internacional?

ROBERTO AZEVÊDO – De acordo com as últimas estatísticas da OMC, em 2016 o Brasil ficou como o vigésimo quinto maior exportador a nível mundial. Eu vejo um grande e inexplorado potencial para o comércio que pode desempenhar um papel maior na economia brasileira.Com algumas exceções notáveis, muitas empresas brasileiras ainda não consideram a possibilidade de exportar e importar como uma prioridade dentro de sua estratégia de negócios. Isso está relacionado a várias razões, incluindo o tamanho do mercado interno do país. Olhando para o futuro, estou certo de que o comércio internacional pode ser um aliado importante para ele aumentar a sua competitividade global. Ao mesmo tempo, o Brasil é um dos membros mais engajados e influentes na OMC, especialmente em negociações comerciais, ajudando a trazer novas propostas para a mesa e encontrar convergência entre os membros. Por exemplo, o Brasil foi instrumental na obtenção de um resultado histórico nas negociações comerciais no sector da agricultura em 2015.

Crédito: Mariana Costa

ATLANTICO – E quanto aos países africanos? Como a OMC tem acompanhado o desenvolvimento do continente e como os países da região podem tirar o máximo proveito da OMC?

ROBERTO AZEVÊDO – Constantemente monitoramos os desenvolvimentos mais recentes no comércio mundial, incluindo na África. Nossos dados mais recentes mostraram que a queda no preço do petróleo, a recuperação lenta da economia global, a seca que ocorre em alguns países africanos, bem como os efeitos da instabilidade foram pesando sobre o desempenho comercial do continente que, para alcançar seu pleno potencial, há necessidade de se fazer um progresso geral. Países africanos constituem um grupo muito importante da OMC. Eles representam mais de um quarto do total de membros da organização. No ano passado, a Libéria tornou-se o mais recente membro africano a entrar na organização – e mais sete estão em processo de adesão. Os membros africanos da OMC têm sido cada vez mais centrais nos debates dos últimos anos. Em 2015, realizamos nossa primeira Conferência Ministerial da OMC na África e acho que isso ajudou a fortalecer esse sentimento de posse. Nós também temos uma relação muito boa com a Comissão da União Africana. A OMC oferece uma plataforma única para os países africanos colocar suas questões e prioridades na mesa e trabalhar para levá-los em frente. Na verdade, penso que a organização pode desempenhar um papel importante para ajudar o continente a reduzir os seus custos comerciais, aumentar a sua competitividade, a diversificação a participação no comércio mundial de muitas maneiras. Por exemplo, o Acordo de Facilitação do Comércio da OMC, quando totalmente implementado, vai reduzir os custos do comércio na África por cerca de 16,5%. Isso é muito significativo. Este acordo também prevê apoio prático necessário para ajudar os membros na sua implementação. E nós estamos trabalhando com uma variedade de membros doadores e parceiros para mobilizar esse apoio. A iniciativa da OMC Aid for Trade também desempenha um papel importante para ajudar os países africanos a desenvolverem sua capacidade de negociar. Ela fornece aos países em desenvolvimento uma assistência específica para melhorar a sua infra-estrutura de negociação. Desde 2006, a iniciativa tem doado em torno de 106 bilhões de dólares para os países africanos, o que teve um impacto real na prática. A pesquisa descobriu que um dólar investido no Aid for Trade resulta em quase 8 dólares de exportações nos países em desenvolvimento em geral – e 20 dólares de exportações para os países mais pobres.

“Um sistema de comércio forte, baseado em regras é essencial para a estabilidade econômica global. Devemos manter o fortalecimento do sistema”

ATLANTICO – Quando reeleito, o senhor falou que quadro atual do comércio internacional não é fácil, mas apresenta boas perspectivas. Quais são essas perspectivas?

ROBERTO AZEVÊDO – Há muitas incertezas na economia global. Em 2016 o comércio mundial cresceu a 1,3%. Este foi o ritmo mais lento desde a crise financeira. Para 2017, os economistas da OMC emitiram uma forte revisão em alta da sua previsão, que agora está projetada em 3,6%. Isso é muito bom. No entanto, os riscos substanciais, como a possibilidade de que a retórica protecionista traduz em ações restritivas ao comércio, ou um aumento das tensões geopolíticas globais poderiam facilmente minar qualquer recuperação do comércio. Neste contexto desafiador, eu acho que o sistema multilateral de comércio é mais importante do que nunca. Um sistema de comércio forte, baseado em regras é essencial para a estabilidade econômica global. Devemos manter o fortalecimento do sistema, oferecendo novas reformas e resistindo a criação de novas barreiras ao comércio. Mostramos que resultados significativos podem ser alcançados na OMC – e é isso que devemos continuar fazendo. Reenergizar o sistema de comércio multilateral pode ajudar a espalhar os benefícios do comércio mais amplos e garantir ao comércio uma solução para a miríade de problemas que os líderes estão lutando com hoje.

Crédito: SIAVS

ATLANTICO – Quais são hoje os principais desafios do senhor frente à OMC?

ROBERTO AZEVÊDO – A necessidade de ajustar e adaptar constantemente está se tornando um dos desafios econômicos que definem a nossa era – e ajudar as sociedades a fazer isso é, portanto, um desafio crucial para os governos ao redor do mundo. Claro, a tecnologia é uma importante força motriz dessas mudanças. Junto a comércio, ambos são ingredientes vitais para o crescimento e desenvolvimento. Precisamos aproveitar estas duas forças para assegurar que os benefícios do progresso econômico cheguem a todos. Internamente, precisamos trabalhar com os governos para garantir que as políticas apropriadas estejam no lugar para lidar com essas mudanças – especialmente para equipar as pessoas com as competências adequadas para participar na economia global, bem como ajudar aqueles que podem ter sido afetados por estas mudanças. Globalmente, a OMC – em cooperação com outras organizações internacionais relevantes – oferece uma plataforma indispensável onde os governos podem discutir construtivamente a melhor forma de maximizar os benefícios da mudança econômica e a melhor forma de minimizar ou mitigar quaisquer consequências adversas. Eu acredito que este trabalho é mais importante do que nunca. Por exemplo, existem algumas conversas interessantes em curso na organização para ajudar as pequenas e médias empresas no comércio, ou como aproveitar o poder do e-commerce para conduzir a inclusão. O progresso nessas frentes poderia ajudar a impulsionar o crescimento, desenvolvimento e criação de emprego.

ATLANTICO – A organização recebeu novos membros nos últimos anos, incluindo países menos desenvolvidos. Como construir um sistema de negociação mais inclusivo e como empoderar os membros menores e menos desenvolvidos? E o que é feito para lutar contra as medidas protecionistas?

ROBERTO AZEVÊDO – Os países menos desenvolvidos representam mais de um quinto de toda a adesão à OMC, e dos 36 membros dos países menos desenvolvidos, 26 são da África. É um eleitorado importante e ativo. No entanto, ainda há um longo caminho a percorrer para integrar plenamente os países menos desenvolvidos no sistema de comércio global. Mesmo que os países menos desenvolvidos sejam responsáveis por mais de 13% da população do mundo, a sua participação nas exportações mundiais ainda está abaixo de 1%. Claro, o progresso aconteceu. Em 1995, os países menos desenvolvidos representaram apenas 0,5% das exportações mundiais de bens e serviços. No entanto, temos de continuar a trabalhar duro e preencher estas lacunas. Como Diretor-Geral, procurei colocar o desenvolvimento no centro dos trabalhos da OMC. Eu acho que os resultados alcançados nas conferências ministeriais de Bali e Nairobi, especialmente para os países menos desenvolvidos, mostram que este compromisso é compartilhado entre os membros. Em ambas as Conferências entregamos uma série de decisões destinadas a ajudar no desenvolvimento de países menos desenvolvidos para expandir suas oportunidades de acesso ao mercado – o que pode contribuir para melhorar a sua participação no comércio mundial. As decisões também foram tomadas para ajudar a construir a capacidade comercial nesses países e para fornecer-lhes a flexibilidade necessária para integrar no sistema de comércio multilateral. Devemos continuar a trabalhar sobre essas realizações.

“Os países menos desenvolvidos representam mais de um quinto de toda a adesão à OMC, e dos 36 membros dos países menos desenvolvidos, 26 são da África”

Balanço de um mandato de bons resultados

Durante o seu primeiro mandato como Diretor-Geral, o Embaixador Azevêdo supervisionou duas Conferências Ministeriais exitosas da OMC – em Bali em 2013 e Nairóbi em 2015 – que apresentaram uma série de resultados significativos em apoio ao crescimento e ao desenvolvimento. O pacote de resultados entregues em Bali continha uma série de decisões sobre questões agrícolas, apoio aos países menos desenvolvidos e o Acordo de Facilitação de Comércio, que foi o primeiro acordo multilateral entregue pela OMC. O pacote de Nairobi continha decisões para apoiar os países menos desenvolvidos a se integrarem à economia global, algumas medidas específicas sobre o algodão e uma série de decisões sobre a agricultura relacionadas a um Mecanismo Especial de Salvaguarda para os Membros dos Países em Desenvolvimento, Acionamentos Públicos para fins de Segurança Alimentar e Competição de exportação. O último, que incluiu a eliminação dos subsídios às exportações agrícolas, é a reforma mais importante do comércio agrícola desde a criação da OMC em 1995. A conferência de Nairobi também teve como conclusão as negociações para ampliar o Acordo de Tecnologia da Informação, eliminando as tarifas em uma faixa de produtos neste setor.

Durante seu mandato, o embaixador Azevêdo também priorizou os esforços para aumentar a capacidade comercial dos países em desenvolvimento e dos países menos desenvolvidos. Iêmen, Seychelles, Cazaquistão, Libéria e Afeganistão se juntaram à organização nesse período. Além disso, tomou medidas para fortalecer o Secretariado da OMC.

[1] World Trade Statistical Review 2017 — páginas 49 e 50
[2] WTR2015 página 78

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