Acompanhada de perto e com preocupação pela comunidade internacional, as eleições legislativas na Guiné-Bissau estão marcadas para o dia 10 de março e representam o primeiro passo para o país alcançar uma estabilidade governamental e sair das cíclicas crises que têm assolado sua população nas últimas décadas.
Anteriormente agendadas para novembro de 2018, as eleições foram remarcadas para o dia 10 de março e já contam com 24 partidos políticos formalizados. Após confirmação da nova data, o presidente José Mário Vaz explicou que o adiamento se deu “por razões que se prendem com constrangimentos de caráter político-institucionais”
Material enviado pela ONU para dar suporte ao processo eleitoral (Foto: DW)
Sob sanções da ONU desde 2012 – 11 oficiais guineenses as sofreram sob justificativa de estarem envolvidos na alteração da ordem constitucional –, as eleições serão acompanhadas de perto pelo Conselho de Segurança da Organização, que já realizou recentes visitas ao país e pretende garantir eleições justas e transparentes.
É importante que corra tudo bem nesse processo eleitoral, do contrário poderá haver um acentuamento da crise, criando um ambiente ainda pior no país
“O Conselho de Segurança deseja que a Guiné-Bissau tenha sucesso, como em outras eleições que organizou anteriormente, para que as instituições políticas possam normalizar-se, para que deixe de existir a crise institucional e para que a Guiné-Bissau ultrapasse esta página e possa, porque não, sair da agenda do Conselho de Segurança. E um dia até contemplar, suspender e fazer o levantamento definitivo das sanções que pesam no país. Tudo isso dependerá do desenvolvimento desses acontecimentos políticos que temos previstos”, declarou Anatólio Ndong Mba, embaixador da Guiné Equatorial junto a ONU. O país preside o Comitê de Sanções da Organização sobre a Guiné-Bissau.
Members of the UN Security Council visited Côte d’Ivoire and Guinea-Bissau this week. @UNDPPA explains how the Security Council travels and how these visits are organized: https://t.co/eeUMe6lTUb pic.twitter.com/97q4XeHEqo
— United Nations (@UN) February 16, 2019
Leila Maria Hernandez, especialista em história da África Contemporânea e pesquisadora do departamento de História da Universidade de São Paulo, explica que a Guiné-Bissau tem sofrido com uma mudança administrativa mal conduzida após o período colonial, o que afeta o jogo político e causa muita instabilidade governamental no país, o que é agravado com a dívida externa do país.
“É importante que corra tudo bem nesse processo eleitoral, do contrário poderá haver um acentuamento da crise, criando um ambiente ainda pior no país. Por isso há o apelo internacional para que esse ambiente de conflito seja superado, pelo bem do desenvolvimento do país. É importante também que não se garanta apenas o decorrer do processo eleitoral, é necessário se acompanhe o ambiente pós-eleições”, explica a pesquisadora.
Crise antiga
População guineense tem sofrido com as cíclicas crises e a falta de confiança nos governantes (Foto: Seylou/AFP/Getty Images)
O cenário de instabilidade política na Guiné-Bissau, entretanto, não é um fenômeno recente. O país sofreu inúmeros golpes de estados desde de sua independência, reconhecida nos anos de 1970, já esteve próximo a um estado de guerra civil no final da década de 1990 e, em 2009, teve um presidente assassinado.
Embora tenham conseguido sua independência de Portugal juntos, conduzido pelo Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde, estes dois países lusófonos estão em distintos estágios políticos, com o segundo desfrutando de certa estabilidade política e sendo um atrativo destino turístico.
“Cabo Verde conseguiu gerir melhor o ambiente pós-independência, a oposição era menos dividida e a estrutura administrativa não se afetou como na Guiné. Esses processos diferentes aos poucos vão afetando os outros estágios sociais”, contextualiza Leila Maria Hernandez.
As eleições e o futuro
Além das eleições legislativas em março, 2019 também será o ano que a Guiné-Bissau escolherá seu novo presidente. A data para essa eleição ainda não foi definida. Garantir que esses dois processos eleitorais ocorram sem grandes problemas é o primeiro passo para que o país possa deixar para trás as recentes crises e comece a se desenvolver.
“São necessárias algumas ações concretas de alguns guineenses para mostrar que estamos dispostos a virar essa página. Infelizmente, temos que confessar que o papel do presidente é extremamente importante para a criação dessa confiança. Ele deve ser aquela pessoa que vai vender a imagem do país e reconhecer os nossos problemas porque, na era da Tecnologia da Informação, não há muito o que esconder”, afirma o empresário guineense Paulo Gomes, que participou das últimas eleições presidenciais do país e manifestou interesse em concorrer também neste ano.
O empresário também explica que os últimos acontecimentos não ajudam a construir uma boa reputação para o país, que ainda sofre ao ser uma rota para o tráfico internacional de drogas, embora o consumo interno não seja tão relevante.
Leia aqui a entrevista exclusiva com Paulo Gomes
Em 2017, representantes da Comissão Nacional de Eleições (CNE) da Guiné-Bissau realizaram uma série de encontros no Tribunal Superior Eleitoral brasileiro com objetivo, justamente, de estabelecer um intercâmbio de conhecimento com a Justiça Eleitoral brasileira.
Delegação da Guiné-Bissau conhecendo sobre o processo eleitoral brasileiro (Foto: TSE)
À época, o então diretor financeiro e administrativo do CNE, Antonio Jau, elogiou o sistema de votação do Brasil e afirmou “Tudo o que somos hoje, no que diz respeito ao processo eleitoral, nós devemos ao Brasil”. Para as eleições legislativas de março, no entanto, o processo não terá acompanhamento do TSE brasileiro.
Além da ONU, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) também irá acompanhar o processo eleitoral. Segundo a organização, ainda não há data definida para o início da missão, mas houve convite das autoridades guineenses e serão enviados observadores dos países membros da CPLP.