Cerca de 30% da população mundial, ou seja, 2 bilhões de pessoas, estão em situação de fome oculta ou fome invisível. Na prática, isso significa que apesar da ingestão necessária de calorias há um déficit de nutrientes essenciais, como minerais e vitaminas. Esse número representa mais que o dobro da quantidade de indivíduos famintos, calculada em 805 milhões. O dado alarmante, divulgado pelo International Food Policy Research Institute (FPRI), que desde 2006 publica anualmente o Índice Global da Fome (GHI), chama a atenção para as consequências do problema, que vão desde cegueira noturna em crianças pré-escolares a casos de morte por desnutrição. Segundo a IFPRI, um terço das 3,1 milhões de mortes de crianças registradas por subnutrição está relacionado à fome invisível.

Apesar da situação da fome atualmente ser bem menos avassaladora que nos anos 70, aumentaram as preocupações com relação à variedade e qualidade nutricional da comida. Com o aumento da riqueza nas economias emergentes, cresceu também o interesse das empresas alimentícias em conquistarem novos mercados, o que aumenta a oferta de alimentos industrializados, a maioria deles com déficit nutricional. Neste cenário, o Brasil, apesar de ainda não ter conseguido eliminar totalmente a problemática da fome, é referência internacional na pesquisa de autossuficiência alimentícia.

BIOFORTIFICAÇÃO: A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA

Como arma para reduzir a fome oculta, a Embrapa- Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – instituição pública de pesquisa vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil, desenvolve um programa de biofortificação de alimentos. A biofortificação é um processo de cruzamento de plantas da mesma espécie, gerando cultivares mais nutritivos. O processo também é conhecido como melhoramento genético convencional. Apesar de ser comumente confundido com a transgenia, o processo de biofortificação preconiza o cruzamento do vegetal com outro da mesma espécie sem incorporar genes de outro organismo ao genoma da planta.

O BRASIL TEM SE TORNADO REFERÊNCIA MUNDIAL EM BIOFORTIFICAÇÃO

A proposta é enriquecer alimentos que já fazem parte da dieta da população para que esta possa ter acesso a produtos mais nutritivos e que não exijam mudanças de seus hábitos de consumo. Há dez anos, o Brasil é referência mundial em biofortificação de alimentos, sendo o único onde são conduzidos, ao mesmo tempo, trabalhos com oito culturas diferentes: abóbora, arroz, batata-doce, feijão, feijão-caupi, mandioca, milho e trigo. Uma das unidades da Embrapa, a Embrapa Agroindústria de Alimentos, localizada no Rio de Janeiro, lidera a rede BioFORT, como é chamado o programa de biofortificação no Brasil, que hoje agrega onze unidades da Embrapa que em parceria com as universidades, prefeituras, governos estaduais e associações de produtores envolve cerca de 150 pesquisadores, técnicos e parceiros. Maranhão e Sergipe – estados que apresentam os mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do país – estão recebendo as primeiras sementes, ramas e manivas de vegetais com maiores teores nutricionais. Trabalhos semelhantes estão sendo realizados em outros seis estados brasileiros.

“NÃO QUEREMOS MUDAR O HÁBITO DELES”

O pesquisador da Embrapa, José Luiz Viana Carvalho, atua há quatro anos na implantação do programa de biofortificação da mandioca na República Democrática do Congo. A ação é desenvolvida em Mvuazi, sul do país. Apesar das dificuldades enfrentadas no início dos trabalhos com escassez de água e luz elétrica, a ação tem avançado. “No local do nosso alojamento, eu recebia por dia apenas um balde com água para usar nas atividades cotidianas e a luz só chegava três horas por dia. Hoje, a situação está bem melhor.” Este ano, Luiz pode retornar ao país africano com a também pesquisadora brasileira Izabela Miranda de Castro, que por dominar a língua oficial local, o francês, fez toda a diferença no treinamento dos técnicos de laboratório do Institut National pour l’Etude et la Recherche Agronomiques (INERA) e na finalização da montagem de um laboratório onde serão realizadas as análises da mandioca biofortificada.

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