Juan E. Notaro, presidente executivo do FONPLATA
Criado em 1974 pela IV Reunião de Ministros das Relações Exteriores da Bacia do Prata, o FONPLATA começou suas atividades em 1977 na cidade de Sucre, na Bolívia. Posteriormente, em 2002, a sede da organização foi transferida para Santa Cruz de la Sierra, ainda na Bolívia. Seu objetivo é proporcionar a integração dos países membros por meio do financiamento de projetos, sejam eles grandes, médios ou pequenos.
No Brasil, por exemplo, a FONPLATA participou de um projeto no município paranaense de Cascavel, onde contribuiu para a construção de obras que melhoraram as condições de mobilidade urbana e saneamento básico. Também prestou auxílio na construção de áreas verdes e de assistência social. O banco de investimentos contribui com o total de 32 milhões de dólares dentro dos 40 milhões inseridos no projeto. Além de sua missão em integrar os países membros através de projetos e ações coletivas, a organização também procura salientar o valor de cada nação participante, respeitando e dando voz aos aspectos culturais e históricos de seus membros. Exemplo disso está na sua contribuição de 5 milhões de dólares para o “Projeto de Valorização e Consolidação Regional das Casas de História e Cultura do Bicentenário”, na Argentina.
A FONPLATA também se preocupa em firmar seu compromisso com o desenvolvimento sustentável. Seguindo os 17 Objetivos de Sustentabilidade e Desenvolvimento da ONU, o banco publicou o seu Quadro de Dívida Sustentável, que está sendo usado para emitir a dívida verde da organização. O Quadro foi desenvolvido em cooperação com a Sustainalytics, agência internacional de classificação Ambiental, Social e de Governança (ESG). Essa é uma das medidas de alinhamento com as metas pretendidas pela ONU para o ano de 2030. Ciente de que as emissões de carbono em 2021 foram duas vezes mais altas que em 2020, a FONPLATA passou a olhar com mais empenho os projetos verdes nos países membros.
Juan E. Notaro, diretor executivo do FONPLATA, conversou com o ATLANTICO sobre a organização e seus projetos e objetivos.
ATLANTICO- O senhor poderia citar projetos da FONPLATA que foram casos de sucessos em cada país membro?
Juan Notaro- Na Argentina, podemos citar o Programa Água e Saneamento mais Trabalho, que visa suprir a lacuna nos serviços de água potável e saneamento para populações vulneráveis e gerar empregos na construção dessa infraestrutura, o programa beneficia a 24 municípios, mais de 380 mil habitantes e gera mais de 1.800 empregos diretos. No total temos mais de 32 operações no país com presença em todas as províncias com foco nas comunidades mais desfavorecidas, nomeadamente no Norte Grande. Na Bolívia, podemos citar os Programas de Geração de Emprego e Infraestrutura Urbana, que geraram mais de 150.000 empregos diretos e indiretos e possibilitaram a implantação de infraestrutura em 33 cidades em 9 estados. Com o sucesso dos dois primeiros programas, estamos iniciando uma terceira operação expandindo a quantidade de empregos e infraestrutura. Também realizamos vários projetos de infraestrutura e infraestrutura sustentável em todo o país. No Brasil, destacam-se os diversos programas em municípios intermediários que, sem o FONPLATA, não teriam acesso a linhas de crédito para realizar obras de infraestrutura para o desenvolvimento urbano. Hoje o FONPLATA atua em todas as regiões do país, com mais de 20 cidades de norte a sul do país. Ressalte-se, ainda, que ocorreu no Brasil a primeira operação de crédito sem garantia soberana para o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais – BDMG, beneficiando pequenos municípios do estado mineiro. No Paraguai podemos destacar um projeto em andamento que tem grandes implicações para a população, como as obras de construção da usina de transformação e linhas de transmissão de energia na cidade de Valenzuela, que está ajudando a melhorar o fornecimento de energia elétrica no sistema interligado nacional do Paraguai. Temos também muitos programas de infraestrutura viária com os quais alcançamos 15 dos 17 municípios do país. Por último, no Uruguai, destaca-se o projeto de construção do boulevard do porto de Montevidéu, que melhorará a competitividade e integração internacional do país. Também, realizamos projetos de assistência financeira para pequenas e médias empresas para aliviar os impactos do COVID. Tudo isso sem prejuízo do fato de que 82% do portfólio histórico do país tem contribuído para ações de melhoria de transporte e logística.
Atual sede da FONPLATA
“Atualmente, a FONPLATA está ativa em todas as regiões do país, operando em mais de 20 cidades do norte ao sul do país. Deve-se também notar que a primeira operação de crédito sem garantia soberana teve lugar no Brasil para o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais – BDMG..”
ATLANTICO- Quais são as áreas de atividade mais importantes do banco? E quais destas áreas estão mais presentes no Brasil?
Juan Notaro- As nossas principais áreas de atividade são o apoio a projetos de infra-estrutura, o desenvolvimento econômico e produtivo e o desenvolvimento sócio-ambiental. Procuramos assegurar que os investimentos favoreçam a integração dos nossos países, tanto a nível das regiões internas como externas, com especial incidência nas zonas fronteiriças de modo a beneficiar mais do que um país membro. No Brasil trabalhamos particularmente no investimento para o desenvolvimento dos municípios nas cidades intermediárias. Especialmente com projetos e programas de habitação integral e de desenvolvimento urbano; água e saneamento; recuperação de áreas verdes, especialmente parques e margens de rios; tudo baseado numa abordagem de sustentabilidade para melhorar a qualidade de vida da população destas cidades. Temos atividades em mais de 20 cidades, representando todas as regiões do país. Hoje em dia, o foco está nas cidades de Santa Catarina e Mato Grosso do Sul. Temos uma carteira em crescimento em São Paulo, Espírito Santo e nas regiões Norte, como o Acre e Belém, e no Nordeste.
ATLANTICO- Como a FONPLATA agiu diante do impacto econômico e social da COVID-19?
Juan Notaro- Atuamos rápida e decisivamente ao proporcionar uma resposta flexível aos países membros do Banco através de uma série de instrumentos para apoiar a reativação econômica e a atenuação dos efeitos da pandemia: disponibilizamos um fundo especial de cooperação não reembolsável, criámos linhas especiais de financiamento com aprovação e desembolsos rápidos, concedemos a possibilidade de reestruturar alguns créditos existentes, incorporamos uma linha de reativação econômica com taxas reduzidas, e proporcionamos a possibilidade de ativar uma cláusula para situações de emergência em projetos em execução. Em termos de ações e números concretos, entre a cooperação técnica, a linha especial COVID, empréstimos e reestruturação, disponibilizamos quase 55 milhões de USD para a Argentina, 320.000 USD para a Bolívia, 5,2 milhões de USD para o Brasil, 200.000 USD para o Paraguai e mais de 60 milhões de USD para o Uruguai, de acordo com a procura dos países. Por sua vez, este financiamento envolveu financiamento por rubrica para MPMEs (39,1%); serviços alimentares e sistemas de distribuição (25,1%); infra-estrutura hospitalare (19,1%); material e equipamento médico (10,3%); saúde e pessoal de apoio (4,5%); e prevenção da transmissão local nas zonas fronteiriças (1,1%).
“Empréstimos e reestruturações que disponibilizámos, de acordo com a procura do país, quase 55 milhões de USD para a Argentina; 320.000 USD para a Bolívia; 5,2 milhões de USD para o Brasil; 200.000 USD para o Paraguai e mais de 60 milhões de USD para o Uruguai.”
ATLANTICO- Recentemente a FONPLATA firmou um Memorando de Entendimento com o Banco Japonês para Cooperação Internacional ( JBIC). Que outras parcerias o senhor poderia destacar e quais são os resultados destas parcerias?
Juan Notaro- Este ponto é muito importante para a FONPLATA e temos estado muito ativos a este respeito durante os últimos anos com resultados mais do que favoráveis. Como exemplo, estabelecemos relações estratégicas com instituições de desenvolvimento de pares de participação relevante na América Latina e no mundo, como por exemplo: além dos acima mencionados com o JBIC, a Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD); o Banco Europeu de Investimento (BEI); o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID); CAF – Banco de Desenvolvimento da América Latina; o Fundo China-América Latina (China LAC-Fundo); o Instituto Oficial de Crédito de Espanha (ICO); o Banco Alemão de Desenvolvimento (KFW); o Fundo de Investimento da América Latina da União Europeia (LAIF); o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), entre outros. Estas alianças estratégicas proporcionam à FONPLATA cooperação e experiência em várias questões-chave, tais como a mitigação e adaptação às alterações climáticas, energia verde, gênero e juventude, desenvolvimento sustentável, entre outras.
A FONPLATA tem participado ativamente em alianças internacionais de instituições irmãs, tais como a ALIDE, Alliance for Finance in Commons, onde participamos em vários grupos de trabalho para partilhar as melhores práticas de desenvolvimento sustentável, sociais, de género, jovens, desfavorecidos e populações diversas. Especificamente sobre questões ambientais, fazemos parte da Climate Action for Financial Institutions Alliance.
Assinatura do Memorando de Entendimento entre FONPLATA e o JBIC. Imagem: FONPLATA
ATLANTICO- A luta pela igualdade de gênero segue sendo uma agenda importante. O que a FONPLATA tem feito pela integração das mulheres em setores diversos?
Juan Notaro- No nosso compromisso com a Agenda das Nações Unidas para 2030, o SDG-5 “Gender Equality” é algo em que temos estado a trabalhar e que estabelecemos como prioridade no Plano Estratégico Institucional 2022-2026 do Banco. De fato, a Divisão de Gênero e Juventude foi especialmente criada em 2022 no âmbito das Operações e Gestão do País para reforçar as nossas políticas de género para além do nosso compromisso com o SDG-5. O compromisso das instituições multilaterais de desenvolvimento deve ser o de apoiar as mulheres para um mundo mais igualitário e equitativo. O seu papel na nossa região foi a base para ultrapassar as fases mais difíceis da pandemia de SIDA-19; e, ao mesmo tempo, foram globalmente os mais prejudicados e cujos direitos foram mais violados nessa situação. Acreditamos que o papel das mulheres é crucial para a recuperação econômica pós-pandêmica, pelo que devemos apoiar projetos de investimento que lhes forneçam ferramentas para a sua inclusão, especialmente no mercado de trabalho.
“Nosso compromisso com a Agenda das Nações Unidas para 2030, o SDG-5 “Gender Equality” é algo em que temos estado a trabalhar e que estabelecemos como prioridade no Plano Estratégico Institucional 2022-2026 do Banco. “
Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 5 da ONU: Igualdade de Gênero
Imagem: ONU
ATLANTICO- Quais medidas e projetos a FONPLATA tem pensado ou colocado em ação para levar educação e saneamento básico para as comunidades dos países membros?
Juan Notaro- Nos últimos anos, o número e a percentagem de tais operações na carteira total tem aumentado. Isto foi fortemente alavancado por novas operações na Argentina. Estas incluem duas operações para reforçar a luta contra a doença de Chagas em todo o país; projetos para melhorar as infra-estruturas de saúde pública na província de Chaco; o programa de renovação e expansão do Hospital de San Bernardo em Salta; o programa de emergência para responder aos efeitos do “El Niño”; e a melhoria dos hospitais na província de La Rioja no âmbito do Fundo Fiduciário Federal para as Infra-estruturas Regionais. Na educação, um projeto muito interessante em curso é o Investimento Escolar na Educação Pública, Ciência e Tecnologia na Província do Chaco, onde 20 escolas serão melhoradas e equipadas, 25.000 professores serão formados na utilização do Ambiente de Aprendizagem Virtual Provincial (ELE) e 650 escolas terão acesso a salas de aula virtuais.
Da esquerda para direita: O FONPLATA prestou auxílio na revitalização do Hospital San Bernardo, localizado na Província de Salta e investiu em um escola na Província do Chaco. Ambas obras foram feitas na Argentina
Imagens: FONPLATA
ATLANTICO- O que a FONPLATA alcançou em 2021 e quais metas a organização pretende alcançar em 2022?
Juan Notaro- Gostaria de começar esta resposta ancorando-me no presente. Começamos 2022 com excelentes notícias: ser um dos bancos multilaterais pioneiros na América Latina com um Quadro de Dívida Sustentável alinhado com a Associação Internacional de Mercados de Capitais. Com a atualização do nosso Plano Estratégico Institucional 2022, expressamos o nosso firme compromisso com as questões ambientais, em conformidade com a Agenda das Nações Unidas para 2030 e o Acordo de Paris. Olhando para 2021, uma das realizações mais importantes é que concluímos duas novas emissões obrigacionistas no mercado de capitais suíço. De fato, a classificação de risco da FONPLATA é melhor do que a dos seus cinco membros, o que torna a instituição um parceiro fiável para projetos de desenvolvimento e abriu as portas aos mercados de capitais para a obtenção de recursos a taxas muito vantajosas. Durante 2021, foram aprovadas operações num montante global de 353,4 milhões de USD e a carteira de financiamento total no final de 2021 é composta por 96 operações num montante global de 2.833 milhões de USD. Em 2022 continuamos no nosso caminho de aproximação do desenvolvimento ao nosso povo e acreditamos que o FONPLATA – Banco de Desenvolvimento já conquistou um lugar entre as organizações internacionais da região e continuará a contribuir para a criação de um futuro melhor para a Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai e para o resto da América Latina.
Da esquerda para direita: Município de Cascavel, no Paraná, e Criciúma, em Santa Catarina. O FONPLATA investiou no Programa de Desenvolvimento Urbano de Cascavel e no Projeto de Transporte e Mobilidade Urbana de Criciúma/SC.
Imagens: Prefeitura de Casvavel e Divulgação
ATLANTICO- De que forma as ideias bem sucedidas da FONPLATA podem ser incorporadas no continente africano?
Juan Notaro- Em algumas questões, os países membros da FONPLATA enfrentam problemas de desenvolvimento semelhantes aos de certas regiões e sub-regiões do continente africano. A este respeito, temos vários projetos no Brasil e noutros países que poderiam servir de exemplo para países africanos, tais como a Geração de Emprego ou a Colheita de Água em lares na Bolívia; a Reclassificação Urbana em Municípios no Brasil; a Irrigação e Agricultura Familiar na Argentina; os projectos de Estradas de Integração Regional, implementados no Paraguai, e os projectos para a Promoção de Micro e Pequenas Empresas implementados no Uruguai.
A transferência de conhecimentos e melhores práticas, sempre respeitando as peculiaridades locais e fomentada pelas culturas e sabedoria das populações beneficiárias, é crucial para um desenvolvimento harmonioso e inclusivo. O desenvolvimento através da escuta das necessidades da população traz melhores resultados, com a consciencialização e capacitação dos atores locais, fazendo com que todos se sintam actores e responsáveis pela mudança e melhoria das suas vidas, com impactos positivos a longo prazo.
A aliança com atores que conhecem a realidade de África é crucial para o diálogo e a construção de pontes, podendo aplicar as melhores práticas de ambos os lados do Atlântico, e alimentar as experiências bem sucedidas de África para a nossa região, que têm mais semelhanças do que diferenças.
“A aliança com atores que conhecem a realidade de África é crucial para o diálogo e a construção de pontes, podendo aplicar as melhores práticas de ambos os lados do Atlântico”
ATLANTICO- Qual o saldo o senhor faz de sua gestão até agora e quais suas expectativas para o futuro da FONPLATA?
Juan Notaro- A capacidade de responder de forma ágil, eficiente e eficaz com instrumentos adaptados à realidade e condições dos seus membros, com recursos suficientes e condições e custos competitivos para suportar o processo de recuperação e redução de lacunas que afetam o desenvolvimento harmonioso e integral. Além disso, o compromisso e o apoio contínuo dos países membros a uma instituição regional própria e cada vez mais relevante como parceira no desenvolvimento e a capacidade de adaptação da estrutura organizacional, plataformas tecnológicas, métodos de trabalho e processos e procedimentos para garantir respostas ágeis e de qualidade, em tempo hábil e com o menor custo de transação possível têm sido os pilares fundamentais para atingirmos nossos objetivos. O maior desafio do Banco está em sua capacidade de responder às novas demandas crescentes por financiamentos mais sustentáveis em nossos países. Para isso, uma questão central é garantir o crescimento contínuo do capital e, por meio dele, da capacidade de crédito e capital próprio, assim como, a sua capacidade de angariar fundos nas melhores condições possíveis. A capacidade de responder com sucesso a esses desafios determinará o futuro da instituição como banco multilateral de desenvolvimento e sua capacidade de atrair novos membros não fundadores que enriqueçam e ampliem as oportunidades de integração e melhoria da qualidade de vida dos habitantes dentro e entre os países membros.
Considerando a iminente entrada da Bolívia como membro pleno do MERCOSUL, isso de fato posiciona estrategicamente o FONPLATA como o banco de desenvolvimento deste bloco regional. Olhando para o futuro, em um contexto global de incertezas, podemos ter certa expectativa da necessidade de fortalecer e revitalizar o MERCOSUL, para o qual a disponibilidade de uma instituição financeira própria sólida e confiável, como o FONPLATA, pode se tornar uma ferramenta crítica e estratégica para a promoção de políticas de integração e desenvolvimento regional.
“ O maior desafio do Banco reside na sua capacidade de responder às novas e crescentes exigências de financiamento mais sustentável nos nossos países, sendo uma questão central assegurar o crescimento contínuo do capital”
Texto: César Rodrigues