A África ocupa pouquíssimo espaço na programação das emissoras de televisão do Brasil, veículo presente em 95,1% dos lares brasileiros, segundo as últimas estatísticas oficiais. Nenhuma emissora comercial possui correspondente no continente africano. Assim, as informações vindas de lá são provenientes apenas de agências internacionais. Em geral, as imagens mostram estereótipos como pobreza, epidemias e conflitos étnicos. No intuito de aumentar o grau de conhecimento dos brasileiros sobre o continente africano, a TV Brasil, rede pública de televisão financiada pelo governo brasileiro, decidiu lançar o programa Nova África.
Através do programa, o público pode conhecer diferentes países africanos, onde protagonistas locais narram seus problemas e, principalmente, as soluções para os mesmos. São ouvidos trabalhadores, políticos, intelectuais, artistas e ativistas sociais. “Uma nova forma de ver a África”, define Luiz Carlos Azenha, jornalista responsável pela primeira temporada da atração. “Tentamos romper com o tom condescendente ou folclórico que é comum nas reportagens de brasileiros sobre a África”, disse à época do lançamento.
Para realizar o programa, que mistura a linguagem de documentário com tratamento jornalístico dos conteúdos, a emissora estatal lançou um edital para contratar uma produtora independente. A primeira temporada, exibida no ano de 2009 com 26 episódios de 26 minutos cada, foi produzida pela Baboon Filmes, vencedora da licitação técnica e de preços. Em 2011, a TV Brasil lançou um edital para uma segunda temporada de Nova África. “Já estávamos no continente africano há cinco anos. Queríamos mostrar uma África moderna, politizada, com sabor, musicalidade e cultura”, conta Luciana Pires, sócia da Cine Group, empresa vencedora da licitação. “Elegemos temas que pudessem ser abordados por dois ou três países em cada programa. Listamos todos os assuntos que queríamos tratar. O primeiro transplante de coração aconteceu na África, por exemplo”.
A tarefa da equipe não foi fácil. Afinal, era necessário gravar em 30 países em apenas dois meses. “Contratamos produtores locais e montamos uma rede de consultores africanos nas mais diversas áreas, como ciência, política e cultura, para que pudéssemos mostrar o que é essa África de verdade”. A série é apresentada por um africano e dois brasileiros. Por trás das câmeras, 35 profissionais estiveram envolvidos do começo ao fim do projeto, que durou doze meses.
Impactos Sociais
Além do programa “Nova África”, a TV Brasil ainda exibe em sua programação outros programas sobre o continente africano, como a série de documentários “Mama África”, o “Ciclo de Cinema Africano”, sessão voltada para a apresentação de longas-metragens e a novela angolana “Windeck”. Produzida em 2012 pela produtora angolana Semba Comunicação, e exibida no Brasil desde novembro de 2014, Windeck é a primeira novela angolana exibida no Brasil. Apesar de permitir uma aproximação cultural entre Angola e Brasil, a novela também se destaca por contar com inúmeros atores negros, o que não ocorre nas produções brasileiras. “É um marco importante para o fortalecimento da identidade dos afro-brasileiros e para o estreitamento das relações culturais entre os dois países”, ressalta Américo Martins, diretor-presidente da EBC, empresa estatal controladora da TV Brasil. “A televisão brasileira, ao não permitir que negros tenham uma participação efetiva em sua programação, reproduz o racismo que permeia a sociedade brasileira”, defende o pesquisador da USP, Osmar Teixeira Gaspar. “A ação da TV Brasil é muito relevante e importante para a autoestima da população negra brasileira, que começa agora a se ver, não só no vídeo, mas também com a possibilidade de exercer outras atividades”. A jornalista e militante do movimento negro, Rosário Medeiros, por sua vez, lembra que a falta de visibilidade do negro também existe nos bastidores da televisão. “A grande mídia ainda é muito restrita, o número de profissionais jornalistas, por exemplo, é muito pequeno”, reclama. “Temos que conhecer de onde viemos”, argumenta Luciana Pires, da Cine Group. “Fizemos um pré-teste da série Nova África. Foi uma análise qualitativa em dois estados brasileiros. As respostas foram impressionantes. Muitos disseram que “não sabiam que tinha museus e escolas no continente africano” e que “não sabia que tinha cidades superorganizadas lá”, lamenta. Apesar dos esforços dos produtores e do reconhecimento público desse trabalho que a TV Brasil vem fazendo, a África moderna ainda deve continuar distante da maioria dos brasileiros. Isso porque a TV Brasil ainda não é conhecida por 68% dos brasileiros, segundo informações da própria emissora. “A comunicação pública não pode ficar em um canto, assistindo ao que está acontecendo nesse processo. A gente tem que se unir e trabalhar junto, disputar mercado, disputar corações e mentes e conseguir ter essa relevância e esse protagonismo”, conclui Américo Américo Martins, da EBC.
R$ 92 MIL É O CUSTO DE PRODUÇÃO DE CADA EPISÓDIO DA SÉRIE NOVA ÁFRICA.
Prêmios
A exibição do programa “Nova África”, deu à TV Brasil o Prêmio Camélia da Liberdade, em março de 2013. A premiação busca reconhecer e incentivar instituições públicas, universidades, governos, empresas e veículos de comunicação a desenvolver projetos de ações afirmativas, de valorização da diversidade e da inclusão étnica. A exibição de “Windeck” fez a TV Brasil ser novamente premiada em 2015.
CINE Group: know-how brasileiro na África
Divulgação CineGroup
Criada em 1997 como Cinevídeo, a produtora CINE Group tem hoje escritórios em Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro e Maputo. Um convite da rede moçambicana Soico Televisão (STV) deu início à história da empresa no continente africano. A ideia era capacitar profissionais de teledramaturgia. “Conectamos nossos profissionais com os da África. Diante dessa experiência encantadora, a gente resolveu ficar. Nesse período, fizemos intercâmbio de profissionais. Levamos brasileiros para lá e trazemos africanos para cá. Isso é muito enriquecedor para ambos os lados”, comemora Luciana. A parceria resultou na minissérie N’Txuva, Vidas em Jogo, com 16 capítulos de 15 minutos cada, e que envolveu 25 profissionais da Cine Group e mais de 100 moçambicanos.
Dos vinte funcionários do escritório em Moçambique, apenas dois são brasileiros. A filial africana da empresa abriu as portas para novos projetos na região como o documentário “Mama África”, que faz um retrato do continente africano, a partir de depoimentos de personagens (e personalidades) de dez países (África do Sul, Cabo Verde, Gana, Guiné-Bissau, Malawi, Marrocos, Moçambique, Senegal, Suazilândia e Tanzânia) e “Mulheres Africanas”, uma série de documentários que mostra histórias, questionamentos e conquistas de cinco mulheres líderes da África: Graça Machel, Leymah Gbowee, Sara Marasi, Nadine Gordimer e Luisa Diogos. “Estamos batalhando para realizar um longa-metragem com conteúdo de qualidade de dramaturgia. Todos os profissionais que estão lá são de extrema importância para encarar esse projeto ousado de ficção”, adianta Luciana.