A provada em dezembro de 2010, a Política Nacional de Resíduos Sólidos, definiu as formas de como o Brasil trata questões importantes relacionadas à destinação e ao tratamento do lixo. A legislação, criada após décadas de discussões entre gestores públicos, acadêmicos e ambientalistas, procurava incentivar a reciclagem e a sustentabilidade, adequando o País às normas internacionais. Uma das medidas trazidas pela nova Lei é a adoção dos aterros sanitários como unidades de disposição final de rejeitos. Em 2008, a disposição adequada era uma realidade de apenas 1092 dos 5.565 municípios existentes até então.

Os dados são da Pesquisa Nacional do Saneamento Básico, elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2014, o número cresceu para 2.215, segundo um levantamento consolidado pelo Ministério do Meio Ambiente. Ou seja, o número mais que dobrou em apenas sete anos. Apesar dos bons resultados apresentados, o desafio ainda é grande, pois estima-se que o Brasil ainda conta com mais de 3,3 mil municípios dispondo os resíduos e rejeitos nos chamados “lixões”.

“A política é inovadora, traz o conceito de responsabilidade compartilhada, porque a responsabilidade pelo resíduo não é apenas de quem o produz ou de quem o consome, mas de ambos. Trabalha também com a organização da cadeia de resíduos e trouxe o conceito de logística reversa, que é o processo de levar o resíduo ao seu destino final”, defende o especialista Ricardo Lopes Garcia, do departamento de meio ambiente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), que participou do desenvolvimento da Política Nacional de Resíduos Sólidos desde o ano 2000, sobretudo nas discussões que envolvem questões voltadas aos resíduos industriais. Segundo o especialista, o setor industrial, anteriormente à Lei, já havia colocado os materiais residuais pós-consumo em outro patamar.

Garcia acredita que existe uma série de gargalos estruturais que necessitam ser transpostos, que se resumem a dois dois grandes desafios. O primeiro é uma mudança de postura e tratamento do material, olhando-o como um bem econômico e não como lixo. “Não tratamos o lixo como lixo, mas sim como subproduto que deve ser minimizado na geração e, quando isso não é possível, tentar reciclá-lo”, diz. O outro é a de realmente tratar os resíduos e não somente afastá-los do local de geração e jogá-los sem nenhum tratamento. “Essa valorização passa por medidas de tratamento fiscal e tributário diferenciados, linhas de financiamento para empreendimentos e aquisição de equipamentos, linhas de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias nacionais ou nacionalizadas e uma mudança de postura de órgãos de controle”, propõe.

Apesar de ser considerado um grande avanço ao colocar que é preciso valorizar o resíduo antes de encaminhá-lo para qualquer aterro sanitário, a Política Nacional de Resíduos Sólidos ainda possui um grande caminho a percorrer. “As políticas públicas existem, elas são poucas e geralmente focam nesse sistema que é linear. Ainda falta colocar em prática e estabelecer regras práticas do que fazer com o resíduo quando coletado”, acredita Gabriela Otero, coordenadora técnica da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), entidade que reúne 45 empresas que prestam serviço de limpeza pública. Segundo ela, ressignificar o lixo contribui para uma série de atividades que geram emprego e renda para milhões de pessoas e, principalmente, diminui a demanda por aterros sanitários, um vez que esses equipamentos possuem um vida útil de 20 anos, em média.

PROPOSTAS E CONTRIBUIÇÕES

Desde 2003, a Abrelpe publica um documento chamado Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil. O texto mostra a evolução da temática no País. A entidade também desenvolveu uma proposta para a universalização da gestão de resíduos, um estudo sobre o potencial de geração de energia elétrica em aterros sanitários e um manual de treinamento para gestores públicos elaborarem planos integrados. “Grupos de municípios muito pequenos podem se reunir e elaborar suas políticas públicas regionais”, descreve Gabriela Otero.“Isso é algo que ainda avança, existem políticas, mas ainda não são suficientes para regrar toda a dimensão do setor”.

Além disso, através da ISWA (The International Solid Waste Association), a Abrelpe vem estabelecendo um diálogo com outros países sul-americanos, como Argentina, Chile, Colômbia e Bolívia. “O Brasil tem um dimensão que nós não conseguimos extrapolar para outros países aqui, por toda sua complexidade. Mas certamente traz inspirações”, destaca. Além disso, existe uma parceria com órgãos norte-americanos nos temas de aproveitamento de biogás, com a Inglaterra em questões de aproveitamento energético de resíduos, com a Itália sobre tratamento dos orgânicos e com Portugal sobre ferramentas de comunicação na gestão de resíduos. “A Ásia tem bastante interesse em se aproximar de nós, especialmente por questões comerciais para transferência tecnológica, mas isso não é nada concreto”, revela. “Nós temos também relacionamento com a Dinamarca, em termos de planejamento de serviço público”.

A FIESP também tem procurado se movimentar nesse sentido. “Temos diversos projetos, como a bolsa de resíduos, uma espécie de classificados de resíduos para associados e não associados”, conta Ricardo Lopes Garcia. “Também estamos à procura de acordos internacionais e trocamos ideias com diversos setores questões como suporte, geração, reciclagem e destinação do resíduo”.

NA LINHA OFICIAL, ENTRE O APOIO E AS LIMITAÇÕES

O Ministério do Meio Ambiente revelou à ATLANTICO que tem atuado na capacitação de gestores e técnicos municipais no desenvolvimento de planos de resíduos sólidos e tem dado apoio técnico e financeiro aos estados, consórcios públicos e municípios em suas elaborações. Diversos municípios estariam apresentando dificuldades técnicas para elaborar projetos de engenharia adequados e suficientemente detalhados para aprovação pelos órgãos financiadores, o que motivaria esse trabalho de capacitação, de acordo com o órgão oficial.

“A política trouxe essa visão de um sistema circular. É preciso pensar a volta do resíduo para o início do ciclo industrial, como também trouxe as responsabilidades que não são só dos municípios e das empresas mas que também são do cidadão. Então ele também tem uma parte fundamental, que é diminuir o seu consumo e se tem que consumir, que seja com responsabilidade, saber onde dispor seu resíduo e cada tipo de resíduo no lugar certo e cobrar das autoridades algo que seja feito”, comemora Gabriela Otero, da Abrelpe. “Cada ente da sociedade passa a ter um papel mais claro e isso é um diferencial bastante elogiado fora do país, nossa responsabilidade compartilhada”.

PRINCIPAIS EIXOS DA POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS

Fechamento de lixões: até 2021 não devem mais existir lixões a céu aberto no Brasil. No lugar deles, devem ser criados aterros controlados ou aterros sanitários. Os aterros têm preparo no solo para evitar a contaminação de lençol freático, captam o chorume que resulta da degradação do lixo e contam com a queima do metano para gerar energia;

Só rejeitos poderão ser encaminhados aos aterros sanitários: Os rejeitos são aquela parte do lixo que não tem como ser reciclado. Apenas 10% dos resíduos sólidos são rejeitos. A maioria é orgânica, que em compostagens pode ser reaproveitada e transformada em adubo, e reciclável, que deve ser devidamente separada para a coleta seletiva;

Elaboração de planos de resíduos sólidos nos municípios: os planos municipais serão elaborados para ajudar prefeitos e cidadãos a descartar de forma correta o lixo.

NOVOS PRAZOS PARA ANTIGOS DESAFIOS

Política Nacional dos Resíduos Sólidos previa inicialmente o fechamento de todos os lixões do País até agosto de 2014. Contudo, o Senado aprovou novos prazos para o fim dos espaços, “de acordo com a realidade dos municípios”, segundo o texto da lei aprovada pelos congressistas.

As cidades com população inferior a 50 mil habitantes terão prazo maior, enquanto as capitais de estado terão prazo mais curto. Assim, as capitais e municípios de região metropolitana terão até 31 de julho de 2018 para acabar com os lixões. Os municípios de fronteira e os que contam com mais de 100 mil habitantes, com base no Censo de 2010, terão um ano a mais para implementar os aterros sanitários.

As cidades que têm entre 50 e 100 mil habitantes terão prazo até 31 de julho de 2020. Já o prazo para os municípios com menos de 50 mil habitantes será até 31 de julho de 2021. A emenda também prevê que a União vai editar normas complementares sobre o acesso a recursos federais relacionados ao tema. “O maior desafio é transformar esses lixões em locais de tratamento e reaproveitamento desses materiais, utilizando, por exemplo a produção de energia elétrica a partir desses materiais que, por motivos econômicos ou técnicos, não são viáveis de retornarem à cadeia de produção”, explica Ricado Lopes Garcia, da FIESP.

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