Alunos da Unilab no Campus Malês na cidade de São Francisco do Conde, no estado da Bahia

Cada vez mais inserido no processo de internacionalização, fortalecido sobretudo na década de 2000, o Brasil decidiu investir em universidades transnacionais para estabelecer uma maior integração com países da América Latina e da África. Sediada em Foz do Iguaçu, estado do Paraná, a Universidade Federal da Integração Latino- Americana (Unila), é voltada para os jovens estudantes da América Latina e do Caribe.

A Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), por sua vez, tem o propósito de promover uma aproximação maior com os países da CPLP (Comunidades de Países da Língua Portuguesa), sobretudo os africanas. Criadas em 2010, as duas instituições de ensino superior enfrentam a escassez de recursos públicos transformada em ameaça ao projeto político- pedagógico.

“Essas universidades são extremamente importantes pois refletem um projeto de sociedade que reconhece a importância da cooperação com a América Latina e com a África – e demais países da CPLP. São iniciativas muito relevantes para estabelecer um lugar internacional no Brasil e nos processos de interiorização e internacionalização do ensino do superior brasileiro”, aponta Nilma Lino, professora e pesquisadora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ex-ministra das Mulheres, Igualdade Racial e Juventude e ex-reitora da Unilab. “Apesar delas estarem em processo de implantação, já fizeram muitos avanços, em pouco tempo de existência, em termo de currículo, concurso para professores e garantiram entrada de estudantes brasileiros e estrangeiros”.

“Unila e Unilab são os dois projetos mais simbólicos das mudanças positivas havidas no ensino superior brasileiro na última década, especialmente no que concerne à democratização do acesso à universidade, antes restrito aos jovens das classes abastadas. Além de imprescindível ao desenvolvimento econômico, científico e tecnológico do Brasil, a internacionalização do ensino superior faz parte do esforço diplomático para um país ser reconhecido e respeitado pelos demais”, afirma José Renato Vieira Martins, professor adjunto da Unila e presidente do Fórum Universitário Mercosul (FoMerco).

Alunos da Unilab no campus da Liberdade na cidade de Redenção, estado do Ceará

Em julho, dois episódios amplamente divulgados pela imprensa do Brasil chamaram atenção para questões sobre investimentos nas universidades públicas federais, sobretudo no que diz respeito ao futuro da Unilab e da Unila. A Unilab anunciou que não iria mais oferecer aos novos estudantes estrangeiros um auxílio de R$ 530 para custear despesas com moradia e alimentação. A medida, que prejudicaria principalmente estudantes de países africanos como Guiné-Bissau, Cabo Verde e Moçambique, foi revogada após forte mobilização de estudantes e professores.

Em relação à Unila, o problema deu-se com intenção de um congressista de apresentar uma proposta que a transformaria em uma outra universidade, com propósitos diferentes dos atuais. O deputado Sérgio Sousa voltou atrás depois da comunidade acadêmica se articular e conseguir coletar quase 16 mil assinaturas para uma petição pública, além de mais de 100 moções de apoio vindas de diversas entidades nacionais e internacionais e de um manifesto assinado por 211 ex-alunos, todos em defesa da universidade.

O reitor da Unila, Gustavo Vieira, lamenta que a instituição esteja em um contexto de estagnação orçamentária e redução significativa de investimentos. “Nós somos uma universidade em implantação, nossos espaços são em locais alugados. A ausência de investimento afeta a consolidação em termo de infraestrutura”, afirma. “Por outro lado, nossa maior preocupação diz respeito à identidade da universidade. Todo o sistema administrativo brasileiro, de algum modo, nos conduz a ser mais uma universidade federal sem diferença das demais”.

“Defender a Unila é, acima de tudo, reivindicar o protagonismo que o Brasil vinha assumindo na construção de um projeto de integração regional justo e solidário”, defende o professor e pesquisador Paulino Motter, que fez parte da Comissão de Implantação e também foi pró-reitor da Unila. “O município de Foz do Iguaçu, na região Oeste, o Paraná, o Brasil e a América Latina estarão muito melhor atendidos pela Unila do que por qualquer proposta voluntariosa que venha tolher o seu perfil internacional e desfigurar a sua missão integracionista” , completa.

Procurada pela ATLANTICO, a reitoria da Unilab assume que a instituição precisa consolidar a infraestrutura física para alojar os cursos planejados e ainda não iniciados, ampliar oferta de cursos que atendam demandas da região em que está localizada e dos países parceiros. “A Unilab não recebe um recurso diferenciado para assistência estudantil que contemple a peculiaridade da recepção de alunos internacionais, pois estes necessitam de auxílio para moradia, alimentação e saúde”, revela Lorita Pagliuca, vice-reitora da Unilab.

Entre 2003 e 2014 foram criadas 18 universidades, 422 escolas técnicas e 173 novos campi. Cerca de 7,1 milhões de jovens ingressaram nas universidades brasileiras. Essa expansão do sistema de ensino de nível superior foi acompanhada de expansão do investimento para a criação de novas universidades. As que existiam criaram novos campi, novos cursos, e chegaram a duplicar o número de alunos. Além disso, a expansão trouxe para dentro das universidades grupos sociais que estavam excluídos do ensino superior, de baixa renda, indígenas, negros, quilombolas. E isso, significa que é necessário desenvolver políticas de assistência estudantil que garantam que esses alunos permaneçam e concluam seus estudos.

Contudo, o orçamento passou a sofrer contingenciamento a partir de 2014. Os cortes afetam a manutenção, o pagamento de bolsas aos alunos, despesas básicas de vigilância, iluminação, limpeza e outras necessárias para as atividades regulares. A situação se torna mais difícil para as instituições que ainda estão consolidando a expansão, casos de Unila e Unilab.

“Nós temos, hoje, universidades fechando laboratórios, suspendendo projetos de pesquisa, muitas vezes estudos de ponta na ciência que colocam o Brasil na condição de liderança. São projetos descontinuados por falta de recursos, de equipamentos, de manutenção nos equipamentos que já existem”, lamenta Emmanuel Zagury Tourinho, presidente da Andifes e reitor da Universidade Federal do Pará (UFPA). Segundo ele, independentemente do esforço de melhoria da gestão e da priorização das ações, os recursos disponíveis são sempre insuficientes para cobrir todas as obrigações. “Todos os gestores fazem um grande esforço para aproveitar da melhor forma os recursos disponíveis. Buscamos negociações com o governo e com o congresso e estamos conversando com a sociedade”

Campus da Liberdade, cidade de Redenção, Ceará

“É um contexto difícil e que não nos dá condições para fazer uma gestão efetiva”, diz Gustavo Vieira, reitor da Unila. “Os diálogos estão ocorrendo em diversos cenários: junto à bancada de parlamentares no Congresso para a propositura de emendas parlamentares para trazer verbas para a universidade e no Ministério da Educação, mostrando a peculiaridade da Unilab, para, continuar a cumprir suas metas de crescimento e consolidação”, explica a vice-reitora da Unilab, Lorita Pagliuca. O curso de medicina criado pela universidade já foi autorizado mas não existe uma data estabelecida para sua implantação.

A ex-reitora da Unilab Nilma Lino vê a atual situação das universidades públicas com muito temor. “Em um governo que, com apoio do Congresso Nacional, aprovou uma emenda nacional que congela por 20 anos os gastos públicos em três áreas prioritárias ao desenvolvimento do país e à dignidade do cidadão, como saúde, educação e assistência, resta pouca esperança para o desenvolvimento das universidades públicas”, critica. José Renato Vieira Martins, por sua vez, denuncia também ataques políticos e ideológicos. “A Unila e a Unilab correspondem aos interesses nacionais e foram inspiradas em valores universais da paz e dos direitos humanos. É impensável que um projeto de longo prazo, de tamanha importância estratégica para o Brasil, seja ameaçado de extinção. Porém, é isso o que está acontecendo”, lamentou o educador brasileiro.

Unilab e Unila em números

UNILA UNILAB
Estudantes matriculados 3.575 em cursos de graduação e 314 na pós-graduação 6.803 estudantes (3995 em cursos de graduação) e 2808 em cursos de pós-graduação
Servidores 368 docentes (75% doutores, 22% mestres e 3% especialistas), 518 técnicos-administrativos 339 servidores técnico-administrativos, 272 docentes (90,8% doutores)
Cursos 29 cursos de graduação e 13 de pós-graduação 08 cursos de graduação e 05 cursos de especialização
Pesquisa 326 projetos de pesquisa coordenados por professores da Unila 226 projetos de pesquisa em andamento
Estudantes Estrangeiros 1.189 de 20 países 1.031 de 6 países
Professores estrangeiros 61 21
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