Fonte: Privat

Em dezembro de 2021 ocorreu a primeira Conferência Internacional de Saúde Pública da África (CPHIA). O evento marcou uma nova página na trajetória do continente em debater os desafios que as nações africanas enfrentam no combate a doenças e problemas no sistema de saúde. A Conferência proporcionou diálogos acerca do combate ao coronavírus e meios de ajudar a população afetada. Embora 2021 tenha sido menos caótico pela presença das vacinas e maior adaptação ao novo vírus, o ano que passou não deixou de contabilizar um número preocupante de infecções e mortes. 

Em se tratando da África, a Reuters estima que houve 234 mil óbitos por covid no continente em 2021 e que o maior número de infecções diárias está acontecendo em regiões da África Subsaariana, como no Sudão, Eritreia, Chade e Níger. Um dos maiores desafios enfrentados por estas nações é o acesso às vacinas. Além de precisar conviver com o coronavírus, as populações africanas continuam a encarar doenças preexistentes. Enfermidades infecciosas como a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) necessitam de grande atenção para que sua propagação seja controlada e os infectados possam ter um atendimento médico de qualidade. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2021 estipulam que pelo menos 2,75 milhões de soropositivos no mundo são crianças e adolescentes de até 19 anos e que 60% dos casos do mundo se concentram na África. E com o impacto do novo coronavírus, as pessoas soropositivas encontraram maiores dificuldades para ter acesso ao tratamento e aos medicamentos que auxiliam no controle da doença. 

Outras patologias infectocontagiosas também são motivo de preocupação, como a malária e o Ebola. A OMS afirma que em 2019, 94% dos casos de malária do mundo se concentraram em regiões da África Subsaariana. Na região da África Ocidental houve um surto de ebola entre 2013 e 2016. As nações mais afetadas foram Libéria, Serra Leoa e República da Guiné. O número de infectados chegou a quase 29 mil pessoas e as mortes, 11.300. Os dados são um reflexo das condições de vida às quais grande parte da  população do continente é submetida.  

A ausência de um sistema de saneamento básico e o difícil acesso a recursos hídricos de qualidade potencializam as chances de infecção por doenças contagiosas e violam o direito humano à água potável e saneamento estabelecidos pela ONU em 2010 através da resolução  64/A/RES/64/292, de 28.07.2010. Diante da atual conjuntura, a Primeira Conferência Internacional de Saúde Pública da África tornou-se espaço para um diálogo que propõe trazer soluções ao continente. Para falar mais sobre o evento, a Atlantico conversou com Magda Robalo, ex-ministra da saúde de Guiné Bissau.

Atlantico-  Como surgiu a ideia da Conferência e quais eram as expectativas? Como o evento abordou as distinções entre as sub-regiões africanas que enfrentam problemas às vezes bastante distintos? 

Magda Robalo- A Conferência foi uma brilhante ideia para debater sobre temas centrais como doenças infecciosas, sobretudo a COVID que é a maior preocupação do momento, além fazer uma avaliação sobre a atual situação dessas enfermidades e propor ideias inovadoras para o seu combate. O evento também objetiva construir ou reforçar um sistema de saúde para o continente. A Conferência foi uma oportunidade para lançar uma nova ordem sobre a saúde pública em África, trazer luz sobre o que a África pode trazer de novo, uma autoridade científica e técnica sobre os problemas de saúde em terras africanas. É preciso ver a África como um continente e não como um país. Ela tem suas sub-regiões e cada uma delas, especificidades. Não haverá uma solução única para todas as partes. É necessário adaptar as soluções a cada sub-região, levando em consideração sua realidade política, social, cultural e econômica.

A Conferência foi uma oportunidade para lançar uma nova ordem sobre a saúde pública em África.“

Atlantico-  A pandemia de covid-19 prejudicou muitas nações ao redor do mundo. Em se tratando da vacina, o secretário-geral da OMS, Tedros Adhanom, afirmou esse ano que havia uma “apartheid de vacinas”, onde as nações mais ricas detinham maior quantidade das mesmas. Como a Conferência pode contribuir em relação à produção, desenvolvimento e distribuição de vacinas para o continente africano?

Magda Robalo- Eu concordo com aquilo que Tedros disse sobre o apartheid vacinal. Foi  escandalosa a forma com a qual os países do sul global foram deixados sem acesso às vacinas, recebendo doses em quantidades pequenas e com prazos de chegada imprecisos. Houveram também problemas com os curtos prazos de validade das vacinas e seus preços mais elevados se comparados aos países europeus. Isso foi um escândalo de saúde pública, de falta de solidariedade internacional e de compreensão entre os povos. A Conferência foi uma oportunidade de a África compartilhar com o resto do mundo seu progresso em estabelecer uma agência de medicamentos para imunizar as populações e seu progresso na produção de vacinas. O continente africano possui uma liderança científica e capacidade de produzir produtos farmacêuticos. O que acontece é que por muitas décadas, senão séculos, a África foi dependente do mercado externo para ter acesso a estes medicamentos ou aos insumos para fabricá-los. 

Atlantico- Antes da pandemia, o continente africano já enfrentava uma batalha contra várias doenças. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) constataram, por exemplo, que a maioria dos casos de AIDS no mundo se concentram na África. De que forma a Conferência pode  ajudar no reforço de ações preventivas da enfermidade?

Magda Robalo- Em relação a AIDS, o continente africano é o epicentro. Há muitas lições de covid-19 que podem ser aplicadas ao enfrentamento da doença. Os medicamentos para tratar ou prolongar a vida de pessoas soropositivas não são produzidos na África. Então o ímpeto criado pela covid 19 e a Conferência reuniu vários cientistas de diferentes áreas em uma plataforma virtual prometendo propor soluções que não se limitam a covid, mas que também procuram meios de lutar contra a AIDS, que se trata de uma doença muitas vezes negligenciada e que não é algo novo nos anais da história africana.

“ O continente africano possui uma liderança científica e capacidade de produzir produtos farmacêuticos.”

Atlantico- Saúde pública também pressupõe infraestrutura, saneamento e educação em condições básicas como forma de prevenir doenças transmissíveis e não transmissíveis. Essas áreas englobam um conjunto de ações, desde o acesso à água potável, a alimentos saudáveis e a redes de encanamento. Como seria possível levar isso para as  bilhões de pessoas do continente?

Magda Robalo- O continente possui muitos desafios. Há muitas necessidades básicas precisando ser atendidas. A falta de estradas, por exemplo, dificulta o deslocamento de unidades de saúde, a falta de água e de saneamento contribuem para a proliferação de doenças que já poderiam ter sido eliminadas. É preciso uma ação coordenada não somente nos setores da saúde, mas também em outros setores de desenvolvimento para que o continente possa prosperar. 

Atlantico- Quais suas expectativas em relação a Conferência e ao futuro do continente?

Magda Robalo- São muito boas. Eu tenho muita esperança no continente africano, na juventude. Eu penso que o futuro está na África. O futuro vive na África. E também na figura da mulher. Temos que partir de uma liderança forte centrada nas potencialidades do continente para que a partir daí possamos abraçar o mundo de forma que estejamos em pé de igualdade com outras nações e não em uma relação de dependência. 

Eu tenho muita esperança no continente africano, na juventude. Eu penso que o futuro está na África.

Texto: César Rodrigues

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