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Adis-Abeba, quarta-feira, 18 de novembro de 2015. Parte para Bangkok, Tailândia, o primeiro vôo da companhia aérea Ethiopian Airlines operado por uma tripulação totalmente feminina. As mulheres estiveram presentes em todos os aspectos do vôo, como planejamento, manutenção de aeronaves, pilotagem e controle do tráfego aéreo. A partida, acompanhada por importantes mulheres e homens da Etiópia (incluindo a primeira-dama do país – Roman Tesfaye) buscou promover o empoderamento das mulheres e incentivar mais meninas africanas a seguirem carreiras da aviação. “Aqui no continente africano, estamos muito atrasados na questão ​no empoderamento das mulheres”, reconhece Tewolde Gebremariam, CEO da Ethiopian Airlines.

Cerca de um terço dos funcionários da companhia etíope é feminino. Mas a proporção é menor em certos cargos, como pilotos e técnicos. A situação é semelhante no grupo SAA, da África do Sul, que reúne a companhia sul-africana South African Airways e suas subsidiárias, como a companhia low-coast Mango. No grupo, as mulheres compõem 38,96% de todo o pessoal, sendo 24,85% do geral, 13,29% da tripulação de cabine e apenas 0,83% da tripulação de vôo. “Estamos extremamente orgulhosos das realizações das mulheres na SAA, onde estamos representadas em toda a empresa, seja em posições de liderança, bem como nas principais áreas operacionais”, comemora Zukisa Ramasia, gerente geral de operações do Grupo SAA.

A proporção é semelhante também nas companhias aéreas brasileiras. Na Gol Linhas Áreas, entre os cerca de 1,6 mil pilotos da companhia, apenas 29 são mulheres. Destas, seis são comandantes e 23, copilotos.

IRENE KOKI MUTUNGI, PILOTA DA KENYA AIRWAYS (DIVULGAÇÃO

Entre o sonho e a realização.

“Ser um piloto de linha aérea não é apenas uma carreira – é um estilo de vida muito gratificante, embora exija dedicação e disciplina. É preciso perseverança, determinação e muito trabalho duro para transformar seus sonhos em realidade”, explica a capitã Kavistha Maharaj, que pilota um Boeing 737-800 da South Africa Airways (SAA). “Haverá obstáculos ao longo do caminho, mas trabalhar duro, ser forte e não perder de vista seu objetivo”, completa Kavistha, que se juntou à equipe da SAA em junho de 1995 como um piloto de cadete, e recebeu capitania em maio de 2013. Ela conta que desde a infância sempre teve um desejo de aventura e viagens. “Ser um piloto de avião cumpre esse sonho”.

Piloto em formação na cidade de São Paulo, Ana Luiza Mignone Vieira, 33 anos, era a única mulher numa turma de 25 homens durante um curso teórico para pilotos. “Meu pai era apaixonado por aviões. Por isso, desde os meus seis anos de idade, ele gostava de me levar para o aeroporto pra ele ver os aviões. Lá ele ficava me falando deles. Daí, surgiu meu interesse”, relembra. Ana Luiza conta que sempre teve paixão por aviões mas não se via como piloto. A vontade de estudar veio há cerca de quatro anos. “Confesso que fiquei apreensiva diante de tanto conteúdo que é preciso aprender. Pensei até em desistir no início pois meu tempo para o estudo era muito pequeno. Então resolvi trocar algumas horas de sono para poder estudar mais. Cheguei a dormir 4 horas por noite”.

Apenas seis pessoas terminaram a primeira parte do curso. Entre os principais fatores está o custo para formação, que em geral é bastante caro, mas que varia de acordo com cada caso. Formada em hotelaria, Ana Luiza deve estudar por mais alguns anos até conseguir a licença para se tornar piloto comercial. “Ser mulher torna esse objetivo ainda mais desafiador”, desabafa. “Mesmo diante da ascensão das mulheres nessa área, a área da aviação ainda é um universo masculino em absoluto”. Ana lembra que teve muita reação negativa quando contava sua escolha de vida para as pessoas mas que hoje recebe o apoio de amigos e familiares.

“Eu acho muito legal ter colegas do sexo feminino. Inclusive eu já voei com uma mulher. Para mim, é normal. Eu nunca presenciei nenhuma situação de preconceito com mulheres, mas já ouvi falar de alguns casos”, conta o brasileiro Tiago Tarifa, piloto de táxi aéreo. Preconceito à parte, o fato é que as mulheres convivam ainda durante muito tempo com colegas do sexo oposto. Em agosto de 2014, a queniana Irene Koki Mutungi tornou-se a primeira mulher africana a ser promovida ao posto de comandante do mais moderno aviação comercial do mundo dedicado a vôos de longa distância, o Boeing 787 Dreamliner da companhia aérea Kenya Airways. Durante seis anos, Irene foi a única mulher piloto da empresa, até que fossem admitidas outras mulheres. “Estou ansiosa para que um dia, no futuro próximo, esta aeronave seja administrada por uma equipe 100% feminina”, revela.

As dificuldades para se tornar piloto não terminam na formação. “Casamento, família, filhos, separação, mudanças, tudo que só nos fortalece na jornada”, argumenta Claudine Melnik, comandante da companhia aérea brasileira LATAM (que se chamada TAM até 2015). “Da vida social. O convívio diário com a família que ficou em Curitiba (cidade do sul do Brasil) onde nasci e os amigos de infância foram as primeiras coisas das quais precisei abrir mão. Por opção, fixei endereço em São Paulo e não é sempre que volto para casa. Outra coisa de que se abre mão é a possibilidade de estar presente em datas festivas, aniversários e comemorações junto à família. Inúmeras vezes alteramos essas datas e comemoramos em dias diferentes nossas reuniões”.

Há 24 anos voando pela empresa, ela teve como desafio conseguir emprego em um cenário onde poucas eram as mulheres aviadoras no mercado, principalmente voando em linhas comerciais. Foi quando decidiu concorrer a uma vaga de comissária de bordo. “Após o período de um ano e meio voando como comissária, consegui enfim começar meu treinamento como copiloto de C208 Caravan, monomotor que transportava de 8 a 12 passageiros”, narra. Claudine diz que já vivenciou alguma situação de preconceito. “Sim, mas sempre acompanhada de uma conotação de humor”. Vez ou outra, registrou apenas um comentário mais ríspido. “A aviação é um ambiente dinâmico e que você precisa para manter-se com todas as mudanças. O dia que você parar de aprender é o dia que você deve parar de voar”, ensina a capitã Kavistha Maharaj, que pilota um Boeing 737-800 da South Africa Airways (SAA)

IRENE KOKI MUTUNGI, PILOTA DA KENYA AIRWAYS (PETER NJOROGE)

Pela igualdade de gênero

Esther Mbabazi tinha oito anos de idade quando seu pai foi morto em um acidente aéreo. O trauma não a impediu de buscar uma carreira na aviação. Aos 24, ela se torna a primeira mulher piloto de Ruanda. “Eu não recebi qualquer resistência por parte de minha mãe”, lembra. Fluente em cinco idiomas, Esther começou a estudar na escola de vôo Soroti em Uganda, até ser promovida pela companhia área Rwandair para continuar o treinamento na Flórida. Hoje, ela voa para a toda a África com jatos Bombardier CRJ-900. Contudo, ela revela que prefere não fazer anúncios nos vôos porque isso, acredita, assustaria os passageiros. “Se você realmente trabalhar duro, você consegue provar que pode fazer algo bem feito. Não acho o fato de ser mulher seja uma questão que entra nessa equação”, acredita.

Em novembro de 2015, Chipo M. Matimba e Elizabeth Simbi Petros pilotaram juntas uma aeronave Boeing B737–200 da Air Zimbabwe, em um vôo entre Harare e Victoria Fall. Através do Facebook, Matimba comemorou a parceria das duas e escreveu: “Pintando o céu de rosa”.

O Brasil tem 261 mulheres pilotos de companhias aéreas. Já os homens somam 9488. Já entre pilotos de linhas comerciais, a participação feminina contabiliza 29 profissionais contra 3708 dos homens. Mas o número de mulheres com licenças para pilotar aviões cresceu entre 2014 e 2015. Subiu de 26 para 29 entre as pilotos de linhas comerciais e de 238 para 261 entre as pilotos de linhas comerciais.

O primeiro vôo com uma tripulação totalmente feminina foi registrado em 1984, quando Emily H. Warner e Barbara Cooker pilotaram um avião da linha área Frontier entre Denver e Lexington, nos Estados Unidos.

Aos números

O número de mulheres na aviação vem crescendo nos últimos anos em todo o mundo. Nos últimos anos, as principais companhias áreas internacionais, inclusive da África, vem anunciando vôos simbólicos com aviões operados por uma tripulação integralmente feminina, o que mostra o interesse das empresas na equiparação de gênero e no empoderamento das mulheres. No entanto, o número de mulheres no comando das aeronaves ainda é pequeno se comparado ao número de homens. De acordo com a International Society of Women Airline Pilots (ISWA), apenas 4.000 dos 130.000 pilotos de avião são mulheres.

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