O Brasil pode recuperar 12 milhões de hectares de vegetação nativa em todo o seu território até o ano de 2030. A estimativa consta em um relatório elaborado por um grupo de 45 pesquisadores de 25 instituições brasileiros e apresentado na última semana no Rio de Janeiro. A produção científica joga uma nova luz às recentes discussões sobre as relações entre o desmatamento florestal e a produção agrícola. “As questões ambientais (conservação e restauração ecológica) e a produção agrícola são interdependentes e podem caminhar juntas, sem prejuízo para nenhum dos lados. Pelo contrário, ela só traz benefícios diretos, como a disponibilização de polinizadores para as culturas agrícolas, a conservação da água e do solo e, principalmente, a possibilidade de certificação ambiental da produção, permitindo agregar valor”, explica o pesquisador Ricardo Ribeiro Rodrigues, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (USP) e um dos autores do documento.
Florestas versus Áreas Agrícolas
Apesar da pesquisa concluir que Brasil tem grandes oportunidades para impulsionar a restauração e a recuperação da vegetação e, com isso, minimizar a competição de florestas com áreas agrícolas, os autores ponderam que, para que as oportunidades se tornem realidade, o país não pode retroceder em suas políticas ambientais de redução do desmatamento, conservação da biodiversidade e impulsionamento da recuperação e da restauração da vegetação nativa em larga escala.
Os autores também consideram que Brasil tem assumido o papel de líder em negociações ambientais internacionais e qualquer ruptura desse caminho, além de afastar oportunidades, poder afugentar mercados consumidores de produtos agrícolas. Isso ocorre porque o mercado vem se pautando não só pela produção mas também pelo consumo de produtos sustentáveis, incluindo políticas de não consumo de produtos provenientes de áreas desmatadas.
Trabalhador de cana-de-açúcar pulveriza água em chamas. Foto: ONU
“O Brasil não deveria ter nenhuma dificuldade de colocar seus produtos agrícolas no mercado internacional, pois o diferencial poderia ser uma agricultura sustentável praticada em ambientes de elevada diversidade natural. Isso é um ativo que nenhum outro país tem”, avalia Rodrigues.
Restauração planejada
“Há projetos grandes e bem-sucedidos de restauração em andamento em países como a China, mas a diversidade de espécies usadas é baixa, pois a variedade que possuem é muito menor do que a encontrada na Mata Atlântica e na Amazônia, por exemplo”, compara Carlos Joly, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro da coordenação da BPBES e do BIOTA-FAPESP. Segundo ele, o Brasil tem a oportunidade de desenvolver um programa de recuperação da vegetação nativa ímpar no mundo para áreas florestadas da Mata Atlântica e Amazônia. Isso porque o país pode contar com uma grande diversidade de espécies em projetos de restauração.
A alta diversidade de espécies encontrada nesses biomas brasileiros permite que a restauração seja muito mais funcional. “Um programa de restauração com alta diversidade de espécies permite incluir plantas que podem ser fontes de alimentos ou que são importantes para manutenção de polinizadores, como abelhas”, revela.
A restauração, se bem planejada e implementada na paisagem, pode aumentar em mais de 200% a conservação da biodiversidade, indica o documento.
Manaus, Brasil. Foto: World Bank
O Brasil perdeu 71 milhões de hectares de vegetação nativa nos últimos 30 anos – área maior que a ocupada pela Amazônia – em decorrência de desmatamento e queimadas, entre outros fatores. Como esse desmatamento ocorreu sem planejamento ambiental e agrícola, boa parte dessas áreas tornaram-se abandonadas, mal utilizadas ou entraram em processo de erosão, ficando impróprias para produção de alimentos ou qualquer outra atividade econômica.
Pecuária como solução
A intensificação sustentável da pecuária brasileira é um processo-chave para aumentar a produtividade do setor e liberar as áreas agrícolas de menor produtividade para o cumprimento de leis e metas ambientais. “Três quartos da área agrícola brasileira são ocupados hoje pela pecuária, com baixíssima produtividade média. Se tivéssemos uma boa política agrícola, voltada à tecnificação da pecuária, seria possível aumentar a produtividade da atividade e, assim, liberar pelo menos 32 milhões de hectares de pastagem para outras culturas, mantendo a mesma quantidade de cabeças de gado atual”, avalia Rodrigues, da USP.
O aumento da produtividade das pastagens nos próximos 30 anos seria suficiente, considerando o Brasil como um todo, para garantir o cumprimento de leis e metas ambientais.
Foto: World Bank
Na Amazônia, por exemplo, para atender a todas as metas de produção agrícola e florestal, de desmatamento ilegal zero e de recuperação da vegetação nativa, seria preciso ampliar a produtividade das pastagens do nível atual de 46% para 63-75% do seu potencial sustentável, em 15 anos. Na Mata Atlântica, esse mesmo processo necessita de um aumento dos atuais 24% para 30-34% do seu potencial. No Cerrado, bastaria sair dos 35% vigentes para 65% do seu potencial sustentável até 2050.
Um bom exemplo na Região Amazônica
Em Paragominas, no Pará, em apenas quatro anos, propriedades de pecuária irregulares ambientalmente e de baixa produtividade regularizaram suas exigências ambientais legais e aumentaram a produtividade da agropecuária em quatro vezes e ainda passaram a explorar a Reserva Legal de forma sustentável, plantando madeira e frutíferas nativas, diversificando a produção, exemplifica o sumário.
O trabalho é resultado de uma parceria entre a Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES, na sigla em inglês), apoiada pelo programa BIOTA-FAPESP, e o Instituto Internacional de Sustentabilidade (ISS).
Agenda da ONU
A Assembleia Geral das Nações Unidas declarou o período 2021-2030 como a Década da ONU sobre Restauração de Ecossistemas. Duas agências da ONU – ONU Meio Ambiente e FAO – lideram a implementação da Década.
A degradação dos ecossistemas terrestres e marinhos compromete o bem-estar de 3,2 bilhões de pessoas e custa cerca de 10% da renda global anual em perda de espécies e serviços ecossistêmicos.
Atualmente, cerca de 20% da superfície do planeta apresenta declínio na produtividade, com perdas de fertilidade ligadas à erosão, ao esgotamento e à poluição em todas as partes do mundo.
Até 2050, a degradação e as mudanças climáticas poderão reduzir o rendimento das colheitas em 10% a nível mundial e até 50% em certas regiões.