Situada na região noroeste da África, a Nigéria é um país rico em recursos naturais, se destacando em sua matriz de hidrocarbonetos, responsável pela forte indústria de petróleo , e por seu solo fértil graças ao Rio Níger, criando um potencial agrícola. No setor da agricultura, o país é o maior produtor de mandioca e inhame do mundo, chegando a somar 59,4 milhões de toneladas de mandioca e 47,5 milhões de toneladas de inhame produzidos em 2018. As produções de cana-de-açúcar, cacau e milho também se destacam, sendo boa parte da produção agrícola exportada para o Estados Unidos, China e Brasil.
A produção petrolífera nigeriana é a décima segunda maior do mundo, sendo a Nigéria o oitavo maior exportador de petróleo a nível global. A exportação do óleo combustível chega a representar mais de 90% do Produto Interno Bruto ( PIB), elevando a Nigéria ao posto de maior economia da África. Além do petróleo, a exportação de outros combustíveis fósseis como carvão mineral e gás natural também contribuíram para o crescimento econômico do país. Por sua projeção internacional no comércio de hidrocarbonetos, a Nigéria ingressou na Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) em 1971.
A Nigéria também faz parte de grupos de integração regional como a Comunidade dos Estados do Sahel-Saara (CEN-SAD) e a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) cuja fundação aconteceu em 1975 através da assinatura do Tratado de Lagos, que leva o nome do maior centro comercial nigeriano. Ambas corporações visam levar crescimento econômico para os países integrantes e até resolver conflitos de nível local.
Entre os principais parceiros comerciais da Nigéria, está o Brasil. Em 2017, por exemplo, o Brasil comprou US $829 milhões de gás natural liquefeito (GNL) nigeriano e vendeu para o país africano US $737 milhões em commodities de açúcar, tabaco e tiras de alumínio. No mesmo período, o Brasil era o décimo sexto maior fornecedor de produtos para a Nigéria e seu nono maior comprador. Em 2021, foi iniciada a exportação de ureia nigeriana para o Brasil e ainda que a produção de petróleo continue sendo vital para o superávit nigeriano, o setor de fertilizantes deu um salto em sua produção, sendo capaz de suplantar a exportação do óleo combustível em novembro de 2021. É esperado que entre março e abril de 2022 a ureia passe a liderar as exportações vindas do país africano.
Para falar mais sobre as relações econômicas entre Brasil e Nigéria, a Atlantico conversou com o embaixador Francisco Luz, Cônsul Geral do Brasil em Lagos.
Atlantico – Como o senhor enxerga a atual relação entre o Brasil e a Nigéria levando em conta aspectos políticos, econômicos e sociais ?
Francisco Luz- A relação é bastante cordial em termos políticos e razoavelmente intensa, inclusive na área militar e no combate a pirataria que chegou afetar os interesses da Petrobras na Nigéria. Na parte econômica a relação podia ser muito melhor sendo o Brasil a maior economia da américa latina e a Nigéria a maior economia da África. Mas os números não refletem isso. As relações econômicas já foram muito boas, mas há muito espaço para trabalhar em cima disso.
Atlantico – Em 2019, o Brasil firmou uma parceria com o governo nigeriano através do acordo “ Green Imperative”, que se comprometeu em inserir equipamentos agrícolas brasileiros avançados na Nigéria. Dois anos depois, qual a sua avaliação sobre a execução do acordo até o momento e qual o cenário para o futuro?
Francisco Luz- Esse acordo foi muito afetado pela pandemia porque a assinatura da documentação final ia ser feita num encontro entre vice-presidentes em março de 2020 e a viagem foi cancelada tendo em vista o impacto da covid. Toda a papelada está pronta e na mesa do presidente do Banco Central da Nigéria. É um acordo muito interessante porque vai transferir a tecnologia de mecanização agrícola para a Nigéria e com exportações que podem chegar a 1,2 bi nos próximos anos. A primeira fase é totalmente privada, administrada por fundos árabes através do Deutsche Bank que também está na segunda fase em comunhão com um banco de desenvolvimento inglês e o BNDES só entraria na terceira fase se necessário. O projeto é operado no Brasil pela FGV Europa visto que o incentivo vem do Deutsche Bank e é um megaprojeto agrícola do Brasil depois da experiências dos japoneses em Moçambique. E faz todo o sentido que a Nigéria veja o Brasil como maior potência agrícola para eles!
Atlantico- Pela sua análise, o que é preciso para que crescimento econômico e desenvolvimento social caminhem lado a lado no país?
Francisco Luz- É uma pergunta complexa. A economia nigeriana em seu PIB formal é de 450 bilhões e colocaria o país entre as 30 maiores economias do mundo, mas em termos de qualidade de poder de compra esse PIB se eleva para um 1 trilhão e aí a economia estaria entre as 25 maiores. O que explica essa diferença é a informalidade. Dois terços da economia, no mínimo, não pagam impostos. Então a economia pode crescer quando o governo resolver essa questão da informalidade e também da infraestrutura de energia. Resolvidos estes problemas, o crescimento econômico nigeriano irá prosperar.
” faz todo o sentido que a Nigéria veja o Brasil como maior potência agrícola para eles!”
Atlantico – A Nigéria é o maior produtor de mandioca do mundo. Porém, o comércio exterior do produto não é tão significativo. Como poderia ser feita uma mudança no mercado para que a mandioca incremente o PIB nigeriano?
Francisco Luz – Para o comércio exterior, eu acho que a mandioca nunca será um produto relevante. Eu acredito que em menos de 10 anos a população nigeriana terá 5 milhões de pessoas a mais que o Brasil. E a mandioca é importante tanto para a alimentação humana como para a animal, o que torna o mercado interno da mandioca tão grande. Eles também usam a mandioca para fazer uma farinha que aqui eles chamam de “gari”, que é a base da alimentação da população local. Esse gari é o produto alimentar mais consumido no país. além do que a mandioca teria um mercado muito limitado pelo fato de os países vizinhos possuírem os mesmos recursos.
Atlantico – Foi anunciado que em junho de 2021, a Dangote, nova fábrica de fertilizantes do empresário nigeriano Aliko Dangote, planeja iniciar exportações de ureia e possui o Brasil como principal comprador. Na sua visão, quais os ganhos para ambos países nesta troca comercial, especialmente para a agricultura?
Francisco Luz- A ureia é algo específico das relações com o Brasil. Eu venho acompanhando desde minha chegada em 2019 as estatísticas comerciais e percebi um crescimento mensal das exportações de ureia para o Brasil. A Dangote não era o principal fornecedor de ureia do Brasil, que era Indomar. A Dangote veio começar a exportar ureia para o Brasil no ano passado (2021) no segundo semestre e isso elevou o patamar de exportações da Nigéria de 15 a 20 milhões ao mês para 100 milhões em novembro de 2021 e 7 estados brasileiros recebendo ureia tanto da Indomar quanto da Dangote. Esse movimento de importar ureia da Nigéria começou em junho de 2021 quando algumas empresas importadoras brasileiras começaram a se interessar pela produção nigeriana e eu estipulo que em novembro de 2021 a ureia foi o principal produto de exportação nigeriana para o Brasil, ultrapassando a exportação de óleos combustíveis. Eu acredito que essa liderança da ureia nas exportações irá se consolidar entre março e abril de 2022. O potencial é grande. A produção de fertilizantes da Dangote é capaz,por exemplo, de produzir um terço do total consumido no Brasil. E eles estão tentando concentrar toda sua exportação para o mercado brasileiro, o que vai beneficiar um maior fluxo marítimo.
” Eu estipulo que em novembro de 2021 a ureia foi o principal produto de exportação nigeriana para o Brasil, ultrapassando a exportação de óleos combustíveis “
Atlantico – A pandemia de coronavírus assolou o mundo e prejudicou várias nações com economias mais frágeis. Como a pandemia impactou a Nigéria?
Francisco Luz- Curiosamente, apesar de ter uma população quase igual a do Brasil, as estatísticas da pandemia são muito baixas. A Nigéria registrou pouco mais de 20 mil casos e 2.900 mortes até o presente momento. A OMS estima que por falta de testagem esses dados representam apenas um décimo da realidade. Mesmo assim, um décimo da realidade na Nigéria representa aproximadamente 2 milhões de pessoas em um país com aproximadamente 204 milhões de habitantes. Alguns fatores explicam esse quadro. O primeiro deles é que em 2009 houve um surto de ebola que mobilizou o governo a montar um sistema de vigilância sanitária muito eficaz que conseguiu controlar o surto de ebola em mais ou menos 90 dias. O caso virou até filme na Netflix com o filme 93 days. Através dessa experiência, eles entenderam a importância do isolamento. E quando chegou a covid eles fecharam, por exemplo, o aeroporto e ninguém entrava no país.
” Hoje, a cidade de Lagos representa metade da economia nigeriana e caso a cidade fosse um país, se destacaria como a oitava maior economia da África.”
Atlantico – Qual a importância de Lagos para comércio exterior e portuário da Nigéria?
Francisco Luz- Lagos estaria hoje com 25 milhões de habitantes, o que a coloca entre as 3 maiores cidades do mundo e espera-se que assim ela continue, podendo vir a ser a maior até 2050 e atingir o número de 100 milhões de habitantes até 2100. Hoje, a cidade de Lagos representa metade da economia nigeriana e caso a cidade fosse um país, se destacaria como a oitava maior economia da África. Lagos era uma ilha que conta hoje com 15 cidades satélites. É a área mais dinâmica do país onde todas as empresas operam e aí você inclui os bancos, sedes de empresas brasileiras e demais instituições de grande relevância comercial. O porto de Lagos é um dos maiores da África, um dos mais congestionados do mundo e o segundo mais caro em termos de operação a nível global. O governo nigeriano fez uma concessão para uma empresa chinesa e uma operadora holandesa para a construção de um terminal de containers que deve ser inaugurado esse ano e que deve diminuir muito o congestionamento no porto de Lagos e baratear custos.
Atlantico – Qual sua perspectiva sobre o futuro das relações comerciais Brasil- Nigéria?
Francisco Luz- Nossas relações precisam ser um reflexo da grandiosidade de ambos países. Acredito que as relações Brasil- Nigéria passam por diversas questões que conversam com fatores históricos e culturais comuns às duas nações. E essas similaridades e vínculos também serão fator de influência na cooperação econômica entre ambos.
“Nossas relações precisam ser um reflexo da grandiosidade de ambos países.”
Texto: César Rodrigues