Após um ano de morte da parlamentar carioca Marielle Franco, as investigações sobre o crime que a vitimou ainda seguem sem conclusões definitivas, embora dois suspeitos do crime tenham sido presos no último dia 12 de Março. Marielle, 38, era defensora dos direitos humanos. Negra e favelada, era filiada ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) no qual foi eleita vereadora no Rio de Janeiro. Ela foi brutalmente assassinada ao lado do seu motorista Anderson Gomes, com tiros na cabeça. Durante a época em que atuou como defensora dos direitos humanos, Marielle se entregava à luta contra a violência ligado ao tráfico, à defesa pelos direitos dos LGBTs, dos negros e de todas as classes que se encontravam em alguma situação de vulnerabilidade. Por isso, ainda que tenha se passado tanto tempo de sua morte, a memória dela continua viva em vários espaços do Brasil e do mundo.

Minutos antes de ser assassinada, Marielle esteve presente em um encontro na Casa das Pretas, no Rio de Janeiro. “A Casa das Pretas é um dos espaços de acolhimento, de debate, de articulação política e cultural e de grande referência para as mulheres negras, principalmente das jovens negras. Foi por conta dessa referência que a Marielle nos procurou para realizar, o que ninguém imaginava, o seu último trabalho”, explica Edmeire Exaltação, uma das coordenadora do local.

Últimos minutos de Mariello Franco, em um evento na Casa das Pretas (Reprodução Twitter)

Para Edmeire, a relação da Casa das Pretas com a Marielle era a mesma que a casa possui com todas as pessoas que têm o compromisso com a agenda política das mulheres negras, ou seja, uma relação de apoio aos projetos políticos das mulheres negras e de todos os segmentos postos à margem da sociedade. “A Marielle em vida com a sua política combativa, e agora com as manifestações em várias partes do mundo contra o seu assassinato, representava, e ainda representa, uma forte resistência a um crescente conservadorismo no mundo inteiro. No Brasil, mais especificamente no Rio de Janeiro, Marielle representava os setores marginalizados e perseguidos pelas práticas letais de um estado de exceção como o são os jovens pobres, os LGBT´s e a população negra como um todo”, lembra.

Edmeire Exaltação classifica a morte de Marielle como um reflexo de um estado intolerante e autoritário que garante a impunidade dos seus algozes. “O assassinato da Marielle foi um recado para intimidar todo um projeto de luta por direitos humanos, um projeto político pela igualdade e respeito à populações marginalizadas. Por isso, foi extremamente ruim para todas que estavam na Casa das Pretas naquele dia. Até hoje ainda não nos refizemos deste choque”, lamenta.

Homenagens

Até hoje, são realizadas campanhas e protestos em todo o Brasil em honra à memória de Marielle, reconhecendo-a como uma mulher que lutava contra os diferentes tipos de desigualdades e preconceitos. O carnaval deste ano no país rendeu várias homenagens à vereadora do PSOL, desde desfiles de escolas de samba do Rio de Janeiro e São Paulo a blocos de rua pelas cidades.

Companheira de Marielle, Monica Benício, no desfile da escola de samba Mangueira, campeã no Carnaval do Rio de Janeiro de 2019 (Reprodução TV Globo)

Desde sua morte, o PSOL reserva o dia 14 de cada mês para fazer homenagens à Marielle e, principalmente, cobrar uma solução para o caso. “No próximo dia 14, quando completar um ano do crime, lançaremos uma plataforma virtual chamada ‘Florescer por Marielle’ onde publicaremos as centenas de homenagens que têm sido feitas no mundo todo e onde todos poderão conhecer o trabalho de Marielle como vereadora e defensora dos Direitos Humanos”, garante Juliano Medeiros, Presidente Nacional do PSOL.

Para Medeiros, Marielle é, sem dúvida, a principal vítima da escalada de violência, intolerância e ódio que atinge o Brasil nos últimos anos. O crime que a vitimou foi ainda mais grave, porque se tratava de uma parlamentar, a única mulher negra de esquerda na Câmara de Vereadores da segunda maior cidade do país. “No Rio de Janeiro os pobres estão à mercê de muitas formas de violação dos Direitos Humanos. E como Marielle conhecia de perto essa realidade, por ser oriunda da favela da Maré, ela sabia como poucas entender a dor de quem sofria com a violência”, declara.

Rua em Colônia, Alemanha, que recebeu o nome de Marielle Franco (Foto: Tamara Soliz/Mídia Ninja)

Ele conta ainda que o Brasil vive um paradoxo. “De um lado, aqueles que disseminam o ódio e a violência tiveram uma grande vitória e estão governando o Brasil. Os seus apoiadores chegaram a participar da vergonhosa campanha de difamação que se seguiu ao crime e que tentou, sem sucesso, vincular Marielle ao tráfico de drogas. Me parece evidente, portanto, que o Brasil piorou muito depois do crime que levou nossa companheira. Por outro lado, nunca antes as mulheres negras tiveram tanto protagonismo na política brasileira. Só o PSOL elegeu quatro mulheres negras no Rio de Janeiro, uma deputada federal e três deputadas estaduais, todas elas ligadas ao mandato ou ao trabalho político desenvolvido por Marielle”, defende Juliano.

“O crime contra Marielle e Anderson foi covarde, mas também fez nascer um sentimento muito bonito de solidariedade e reconhecimento, especialmente entre as mulheres negras. Isso tem sido muito importante para honrar sua memória”. (Juliano Medeiros).

Campanha da Anistia Internacional em 2018

A Anistia Internacional, organização não governamental que defende os Direitos Humanos, publicou no mês de janeiro um documento denominado “Labirinto Marielle”, desenvolvido a partir de informações divulgadas por autoridades públicas e pela imprensa que apresenta uma série de perguntas e respostas sobre o crime.

Outra campanha que está sendo incentivada pela organização é a “Escreva por Direitos”, sua maior campanha mundial na promoção de direitos humanos. A iniciativa tem o intuito de dar espaço e voz na luta contra as injustiças sociais, abusos, e preconceitos que afetam mulheres em todo o mundo. A proposta consiste em mobilizar pessoas a escreverem cartas de apoio a essas mulheres vítimas e assim exigir um posicionamento das autoridades. Essa campanha destacou Marielle Franco como uma inspiração, por ser uma reconhecida defensora dos direitos humanos no Brasil.

O assassinato da vereadora do PSOL também destaque na imprensa internacional. Vários veículos de imprensa internacional repercutiram a notícia da sua execução ano passado, como o El País da Espanha, The guardian da Inglaterra, New York Times dos EUA, La Figaro da França, o jornal Português Público e o Frankfurter Allgemeine Zeitung da Alemanha. Em Portugal, nas cidades de Porto e Lisboa foram organizadas três manifestações em memória da vereadora do PSOL .

Já a universidade americana Johns Hopkins lançou em Janeiro deste ano uma bolsa de estudos chamada Marielle Franco para seu mestrado em Relações Internacionais. O objetivo da homenagem é apoiar estudantes que se engajam na luta pela justiça social, igualdade, bem como numa representatividade política efetiva. A bolsa terá enfoque nos estudos latinos americanos.

Símbolo de resistência

A feminista, arquiteta e colunista da Marie Claire Brasil, Stephanie Ribeiro, descreve Marielle como um símbolo de toda a injustiça que esse país há anos oferece para negros, mulheres e pobres. “Sua morte foi um choque por si só, a violência e facilidade para ceifar a vida de uma vereadora, ampliaram ainda mais essa sensação de medo. Tudo isso mostrou que falta repensar que tipo de política de proteção temos nesse país para com parlamentares vulneráveis pelas suas identidades e discursos, que não aparenta estar sendo feita pelo Estado, mas também não está sendo rastreada totalmente pelos partidos”, declara.

Stephanie avalia o impacto da morte da vereadora como um “genocídio institucionalizado da população negra”. Por outro lado, acredita que o cenário político está um tanto favorável no que diz respeito à presença de mulheres na política, sobretudo mulheres negras. “Brasil vive um caos, contudo com vozes negras e femininas ocupando espaços cada vez mais fortes e confiantes sobre a importância de seu papel”. “Ver mulheres trans, feministas, negras, lésbicas, ocupando espaços políticos institucionais e/ou disputando também sua narrativa em locais não institucionais, é um grande ponto de esperança que temos que nos agarrar e seguir, isso sempre existiu, só que parece que as redes estão se ampliando, se ampliando e impulsionando mais nomes, defende.

Perto de um desfecho

Tanto a Polícia Civil quanto a Polícia Federal do Rio de Janeiro reconhecem que se trata de um crime político e não uma ação isolada de indivíduos. O presidente da PSOL e todos do partido encaram com muita indignação a ausência de uma solução para o caso , mas entendem também que os investigadores têm muitas informações que precisam ser preservadas para não atrapalhar a conclusão do caso. “Trata-se de um crime altamente sofisticado, executado por gente com treinamento, provavelmente ligada aos batalhões especiais da PM do Rio. Mas falta saber os autores do atentado, os mandantes e – principalmente – as motivações”, analisa Juliano Medeiros.

Dois dias antes de completar um ano da Morte de Marielle Franco, dois suspeitos do crime, Ronnie Lessa e Élcio Vieira de Queiroz foram presos no Rio de Janeiro. Ainda que a investigação do crime tenha tido esse avanço, o caso permanece sem respostas, principalmente no que diz respeito às motivações e a autoria da execução que vitimou Marielle Franco e o seu motorista Anderson Gomes.

A Anistia Internacional declarou em nota que essas pessoas suspeitas devem ser levadas à justiça para que, em um julgamento que respeite o devido processo, a eventual responsabilidade criminal seja determinada. “Agora, mais do que nunca, a Anistia Internacional reitera a necessidade de, como já foi feito em outros países, um grupo externo e independente de especialistas para acompanhar as investigações e o processo. A organização reitera que ainda há muitas perguntas não respondidas e que as investigações devem continuar até que os autores e os mandantes do assassinato sejam levados à justiça”.

Stephanie Ribeiro defende que a morte de Marielle Franco envolve grandes nomes e interesses de uma parte importante na atual conjuntura, e realça o fato de que também existe uma capitalização política em cima dessa morte, que vem sendo usada até mesmo para alavancar carreiras política, ou relembrar a presença de algumas. “Marielle virou um mártir, de um lado isso traz sua memória constante e reforça a necessidade de soluções, do outro também faz com que alguns se mostrem interessados em de alguma forma captar essa visibilidade da indignação para si”.

“Todos os familiares estão apreensivos em busca de respostas, só que também necessitam lutar para que ela não seja usada. É preciso retomar o que esse luto e essa memória representam”, finaliza.

por Érika Évora

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