Localizada em Itirapina, a 200 quilômetros de São Paulo, a Fazenda da Toca, uma propriedade privada de 2.300 hectares, utiliza desde 2014 uma técnica agrícola considerada revolucionária: a agricultura sintrópica. No início de 2017, em meio a excelentes resultados financeiros, a fazenda decidiu parar de produzir sucos e molhos para o mercado consumidor. “Nos próximos dez anos, vamos direcionar nosso foco estratégico e dobrar os investimentos na ampliação da produção agrícola e na pesquisa em sistemas agroflorestais em larga escala”, explicou, em nota divulgada à imprensa, o empresário e ex-piloto brasileiro de Fórmula 1, Pedro Paulo Diniz, proprietário da fazenda desde 2009. O sucesso do empreendimento pode pôr fim ao mito de que a agrossilvicultura em grande escala é inviável, demasiadamente cara e que requer mão de obra intensiva para atrair o setor privado. Além disso, chama atenção para um mercado crescente, que possui forte demandas para produtos saudáveis e orgânicos. A agricultura sintrópica é um modelo criado pelo agricultor e pesquisador suíço Ernst Götsch, no qual as leis naturais da vida são traduzidas para as práticas agrícolas. “Nós somos parte de um sistema inteligente. As leis da natureza são dadas, não nos cabe criá-las ou modificá-las. Temos de agir de modo a voltarmos a ser considerados seres queridos e bem-vindos no sistema”, defende Götsch. “Minha tecnologia é facilmente adotada pelos agricultores por onde passo, pois torna a agricultura uma atividade prazerosa, viva, livre de pesticidas e adubos químicos, podendo ser aplicada em pequena ou larga escala”. Em teoria, a agricultura sintrópica pode ser realizada em qualquer terreno e suas plantas apresentam poucas pragas ou doenças. O equilíbrio da natureza faz com que o solo esteja sempre bem nutrido e garante a qualidade do produto final. Além disso, a agricultura sintrópica mantém as estruturas da mata, permitindo o convívio da fauna e da flora sem que seja necessário desmatamento ou expulsão de espécies nativas. A metodologia criada por Ernst além de produzir alimentos e outros produtos de uso no mundo rural, como madeiras, fibras, plantas medicinais, óleos, ainda é capaz de trazer benefícios ao meio ambiente. “Essas áreas costumam apresentar melhorias na qualidade da água, tendo inclusive aumento da vazão e volume de água em nascentes e rios. É uma forma de ocupar o território em equilíbrio com a natureza e capaz de uma produção abundante de alimentos que forma a base para construção de autonomia do agricultor”, esclarece Clóvis de Oliveira, pesquisador do Laboratório de Envolvimento Agroecológico do Instituto de Botânica. Ernst Götsch esteve no Brasil pela primeira vez em 1976. “O repetido processo de destruição gigantesca das florestas nos locais visitados me deprimiu tanto que adoeci e fui parar na UTI de um hospital”, lembra. “Voltei para meu país completamente alterado, transformado e decidido de que temos que mudar ou seremos expulsos desse planeta”. A mudança definitiva para o Brasil aconteceu em 1979. De lá para cá, fez rebrotar 14 nascentes em uma terra degradada no Sul da Bahia. Depois, foi convidado por renomadas instituições mundo afora para propor soluções agrícolas.

NOVO TIPO DE AGRICULTURA ORGÂNICA?

A diferença entre a agricultura orgânica e a agricultura sintrópica se encontra basicamente em seus fundamentos e princípios. “São duas irmãs partindo da mesma ideia; porém a abordagem para a solução de problemas que encontram nos seus trajetos, as levou para diferentes esferas”, brinca Ernest. “A diferença entre as duas formas de agricultura é que a agricultura orgânica muitas vezes está associada a uma substituição de insumos químicos por orgânicos, ou seja, é marcada pelo não uso de insumos químicos mas a forma com que se faz a agricultura continua a mesma”, explica Lucas Machado, engenheiro agrônomo, palestrante e pesquisador sobre o tema. “A agricultura sintrópica, além de não usar insumos químicos, marca pela regeneração do agroecossistema. Talvez a agricultura sintrópica não seja uma modalidade, mas um aperfeiçoamento das técnicas produtivas da agricultura orgânica”. No momento do plantio, a principal diferença é no planejamento. “Na agricultura orgânica planta-se essencialmente espécies para colheita agrícola, eventualmente se pratica adubação verde. Em sistemas de agroflorestas se planta espécies para produção de alimentos e espécies para produção de biomassa para cobertura do solo, tudo ao mesmo tempo e no mesmo local”, observa Clóvis de Oliveira. Para o meio ambiente, as vantagens são inúmeras. Este processo promove muitos ganhos na estrutura do solo. “O solo melhor estruturado dá suporte a um ciclo da água mais saudável, ou seja, permite que a água promova a recarga dos lençóis freáticos, melhorando a vazão de nascentes e olhos d’água. A grande presença de diversas formas de vida no sistema, como capins, ervas, arbustos, árvores e trepadeiras promove aumento na presença da fauna, de insetos a mamíferos e aves, estes, por sua vez, auxiliam a dispersão de sementes e propágulos para outras áreas”.

UMA FORTE TENDÊNCIA

Com tantas vantagens, seria a agricultura sintrópica uma tendência que tem capacidade de se sobrepor sobre outras formas de plantio? “Creio que sim, as agroflorestas vieram para ficar, e juntamente com outras formas de produção agroecológica, elas são capazes de construir resiliência nos campos, tão importante nesses tempos de mudanças climáticas”, aponta Clóvis de Oliveira. “A grande inovação da agricultura sintrópica é considerar os princípios e a lógica da própria natureza, e aplicá-los na agricultura, criando sistemas produtivos que se assemelham em estrutura e dinâmica aos ecossistemas naturais”, garante o agrônomo Lucas Machado. “Simplesmente oriento os agricultores a utilizarem as espécies do seu lugar juntamente com as espécies econômicas que têm interesse em cultivar, criando desenhos produtivos que simulam as características do lugar de origem das espécies cultivadas”, acredita Ernst Gotsch. “O agricultor se sente parte de um sistema inteligente, fazemos brotar novamente a biofilia, ou seja, o apreço à vida, afinal se tem algo que este planeta sabe fazer bem, é fazer a vida prosperar”.

CONVÍVIO MÚTUO E APROVEITAMENTO DO ESPAÇO: COMO FUNCIONA A TÉCNICA

O agricultor deve apenas estudar as características do solo para decidir o que poderá plantar ali. Em seguida, deve escolher uma grande diversidade de sementes e plantá-las de maneira que, conforme as plantas crescerem, o ecossistema irá oferecer luz, umidade e nutrientes de acordo com as necessidades da planta ao lado. Esse equilíbrio é uma forma inteligente de aproveitamento do espaço e também faz da plantação uma atividade mais rentável. Com o tempo o produtor deve apenas repor a camada superficial com folhas e galhos, principalmente as podas, para que este material orgânico funcione como matéria para a formação do adubo orgânico e do húmus.

ORIGEM DO TERMO

A agricultura sintrópica
faz referência à lei da termodinâmica, se caracterizando como o oposto da entropia, que mede a desordem e a simplificação do sistema. No caso da agricultura, a simplificação do agroecossistema. “Logo a sintropia se caracteriza pela complexificação do agroecossistema, isto é, tornamos o agroecossistema complexo, utilizamos para isso a observação da natureza e procuramos imitá-la. Ou seja: o objetivo é ocupar estratos diversos com plantas de ciclos de vida diferentes. A diversidade de vida é buscada e bastante alta neste sistema”, argumenta Clóvis de Oliveira, do Instituto de Botânica.

UM MERCADO ATRAENTE

Somente no ano de 2016, o mercado brasileiro de orgânicos aumentou 20% em relação ao ano anterior e teve um faturamento estimado em R$ 3 bilhões. Para 2017, a previsão é de que o faturamento cresça outros 20% em relação ao ano anterior. Segundo o Conselho Nacional da Produção Orgânica e Sustentável (Organis), esses números poderiam ser melhores se o Brasil não tivesse atravessando uma crise econômica. Nas exportações o grupo, composto por 54 empresas associadas, fechou US$ 145 milhões em negócios. Em consequência da oscilação do câmbio, este valor foi 9,5% menor do que em 2015, mesmo tendo exportado 15% a mais em volume. É importante destacar que o Brasil não tem estatísticas oficiais de governo que indiquem o total de exportações de orgânicos. A Organis acompanha o mercado de orgânicos desde 2014, mas não há dados oficiais de mercado. As pesquisas são realizadas em parceria com a Associação Brasileira de Supermercados e com a Associação Paulista de Supermercados. “O Brasil é um player importante e estratégico no mercado mundial, apesar de ter faturamento maior em produtos que são matéria-prima, como açúcar e castanha. Esses produtos saem com baixo valor agregado, diferente dos produtos industrializados”, aponta Ming Liu, diretor executivo da Organis. Segundo ele, os maiores desafios deste mercado estão relacionados à produção em cadeia de produtos animais além de produtos lácteos, que possuem grande demanda. “Outro desafio é o desconhecimento da população sobre a certificação dos produtos orgânicos. O consumidor não tem percepção do valor do selo de produto orgânico, que é a garantia de credibilidade do produto. O alto preço também contribui para a não aquisição de produtos orgânicos pela população”, complementa. Uma pesquisa realizada em abril e maio de 2017 constatou que apenas 15% dos brasileiros já teve contato com alimentos orgânicos. Para efeito comparativo, 82% das famílias norte-americanas consumiram orgânicos no último ano. Mundialmente, a agricultura orgânica movimenta mais de US$ 80 bilhões segundo dados conjuntos da Federação Internacional de Agricultura Orgânica (IFOAM, na sigla em inglês) e do Instituto de Investigação de Agricultura Orgânica (FiBL, na sigla em inglês) que informam a existência de 2,4 milhões de produtores orgânicos registrados e que cultivam uma área total de 50,9 milhões de hectares. Em 11 países, mais de 10% de terras agricultáveis são orgânicas. A empresa de pesquisa Organic Monitor estima que o mercado global de alimentos orgânicos atingiu 81,6 bilhões de dólares em 2015, ano em que foram registrados 2,4 milhões de produtores orgânicos. A Índia continua a ser o país com o maior número de produtores (585.200), seguido pela Etiópia (203.602), e o México (200.039). Sobre o continente africano como um todo, a FiBL registrou em 2015 um crescimento contínuo da área orgânica, com destaque para espécies de frutas tropicais como abacate e cacau e foco nas exportações. Mas os mercados domésticos estão crescendo. Apenas alguns países têm legislação sobre o tema e pouquíssimos deles têm sistema de coleta de dados. Para a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), as exportações orgânicas de café e de cacau são as que mais se beneficiam do financiamento na África, mas existe um enorme potencial para exportar colheitas orgânicas de abacaxi, manga, banana e até batata. Segundo o estudo, a falta de garantias de crédito e a capacidade insuficiente dos bancos de integrar os detalhes da agricultura orgânica nos seus planos de financiamento são os principais obstáculos para os agricultores e exportadores africanos. Diante da situação, a Conferência da ONU defende um esforço coordenado para melhorar a coleta de dados entre valores domésticos e internacionais de produtos orgânicos africanos, para que um melhor plano de negócios possa ser criado no continente. Já a Federação Internacional de Movimentos da Agricultura Orgânica (IFOAM) afirma que as exportações de orgânicos registraram crescimentos expressivos no Burundi, no Quênia, em Ruanda, em Uganda e na Tanzânia. Para a organização, as áreas mais críticas em termos de necessidade extrema de financiamento são as de certificação de produtos, a de organização de pequenos agricultores em grupos de produção, de investimento em mercado e a de compra de equipamentos.

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