Uma iniciativa, liderada pelo governo português e apoiada por mais de uma dezena de países, pode transformar o Oceano Atlântico no epicentro de uma série de experimentos científicos. Chamado de AIR Center, acrônimo para Azores International Research Center, um projeto cooperativo multi-institucional liderado por Portugal consiste em instalar no arquipélago de Açores um centro de pesquisa internacional para monitorar o clima do planeta Terra a partir do estudo das águas do oceano. Com aproximadamente 106.400.000 km², o Atlântico é o segundo maior oceano do mundo em extensão. Junto com seus mares, ele banha a maior quantidade de países que qualquer outro oceano e sua área corresponde a um terço das águas oceânicas mundiais e um quinto da superfície terrestre.

Um oceano de oportunidades

A ideia de utilizar o Oceano Atlântico como objeto de pesquisas científicas não surge necessariamente com o AIR Center. Em 1999, cientistas de diversos países reuniram-se em Saint-Raphaël, na França, em um simpósio chamado Ocean Obs 99. Lá eles apresentaram um diagnóstico sobre o que havia sido pesquisado até então e planejaram as próximas etapas de investigação. “Eu liderei um grupo de cientistas internacionais para destacar as deficiências e potencialidades para pesquisas no Atlântico Sul. Esse grupo atuou na primeira década dos anos 2000 até desenvolvemos alguns sistemas de monitoramento”, lembra o pesquisador brasileiro Edmo Campos, diretor do Instituto de Oceanografia da Universidade de São Paulo (IOSUSP). Entre os sistemas apontados por ele estão o PIRATA e o SAMOC, que somados mobilizaram mais de uma centena de pesquisadores.

Sigla para Prediction and Research Moored Array in the Tropical Atlantic, o PIRATA é um programa de cooperação multinacional entre o Brasil, África do Sul, França e Estados Unidos que instalou equipamentos de monitoramento ao longo de uma linha que se estende da sul do Brasil até a África do Sul. Os brasileiros assumiram a responsabilidade pela instalação dos equipamentos no segmento ocidental da linha de monitoramento. Sul-africanos e franceses se encarregaram do segmento oriental, enquanto os americanos se responsabilizaram pelos instrumentos no centro do oceano.

Já o South Atlantic Meridional Overturning Circulation (SAMOC) é uma ação que envolveu África do Sul, Brasil, França, Argentina e os Estados Unidos entre 2011 e 2016. Seus pesquisadores confirmaram que os padrões de circulação das águas no sul do Oceano Atlântico estão sofrendo transformações que poderão ter consequências imprevisíveis no clima de todo o planeta. O grupo busca agora compreender o fenômeno para estimar os impactos. Essa nova fase do estudo, que agora chama-se projeto SAMBAR, reúne cerca de 50 investigadores e deve ser finalizada em 2022.

O AIR Center não irá substituir essas pesquisas, e sim complementá-las. “O centro vai ter uma contribuição muito grande para problemas que acontecem nas regiões tropicais, que é uma região bem dinâmica. Será possível, por exemplo, entender melhor o papel do oceano nos ciclones e também outros efeitos climáticos naquela região tropical, bem como seus aspectos biológicos e geoquímicos”, explica Campo. “A ideia é que possamos finalmente trabalhar o Atlântico, pela primeira vez na história, como uma bacia, para que entendamos, do Ártico até a Antártica, como é a dinâmica marinha e como isso influencia a vida de todos nós em terra firme”, explicou coordenador-geral de Oceanos, Antártica e Geociências do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), Andrei Polejack.

Cooperação Internacional

Para se tornar realidade, o AIR Center vem consumindo um grande esforço diplomático para consolidar sua base institucional. O governo de Portugal tem se empenhado em assinar uma série de acordos para conseguir parceiros no empreendimento. O Brasil e alguns países africanos, como Angola, Cabo Verde e África do Sul têm demonstrado desde o início um forte interesse em participar do projeto. “Para que tenhamos no médio e longo prazo um planeta melhor, precisamos investir em pesquisa, em especial nos oceanos. Seja para que possamos tirar melhor proveito possível daquilo que eles podem nos oferecer, ou no desenvolvimento das pesquisas oceânicas ainda incipientes”, defende Gilberto Kassab, ministro brasileiro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.

“O Air Center deverá impulsionar ainda mais a cooperação entre Brasil, União Europeia e África do Sul na esteira de nossos esforços aqui em Portugal para intensificar o intercâmbio científico e o trabalho conjunto de pesquisadores”, acredita o ministro de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Portugal, Manuel Heitor. “O desenvolvimento deste plano é altamente simbólico, uma vez que duas nações de importância científica no hemisfério sul reconheceram a necessidade de cooperar em larga escala perante os desafios globais”, afirmou a ministra sul-africana Naledi Pandor, durante o lançamento do Plano de pesquisa para oceanos no Hemisfério Sul, assinado entre Brasil e África do Sul em julho de 2017.

Para a instalação do centro de pesquisa, foi definida uma comissão que deve criar um plano de financiamento e de desenvolvimento institucional durante o ano de 2018. Duas reuniões já foram marcadas: uma em maio, em Cabo Verde, e outra em novembro, nas Ilhas Canárias. Inicialmente, o projeto será criado como uma instituição do regime legal português mas o objetivo é que os parlamentos dos diversos países membros aprovem uma integração à luz de um acordo internacional. A expectativa é que isso ocorra até o final de 2019.

Economia azul

Além das questões climáticas, a investigação do Oceano Atlântico também possui motivações econômicas, uma vez que os resultados dos estudos poderão revelar todo o potencial do Atlântico em minerais e outras riquezas. Apesar de não haver um consenso na comunidade científica, diversos estudos indicam que menos de 5% dos oceanos é conhecido. Além das atividades tradicionais como a pesca e a navegação, há uma crescente demanda por pesquisa e inovação nas atividades industriais ligadas ao oceano, como produção de energia eólica offshore (marítima), aquacultura e biotecnologia, e também pelas indústrias de extração de óleo e gás, além da mineração.

O governo brasileiro, por exemplo, já investiu até agora cerca de US$ 70 milhões em pesquisas no Oceano Atlântico, para determinar o potencial econômico de jazidas minerais situadas fora da sua plataforma continental. Já a União Europeia disponibilizou 60 milhões de euros para financiar a investigação no Atlântico até 2020.“O grande benefício é conhecer melhor todas essas potencialidades que existem nos diferentes domínios que estão ligados ao AIR Center e utilizar esse conhecimento para a criação da inovação e desta forma então beneficiar as populações no geral”, destaca Maria do Rosário Bragança Sambo, ministra de Ensino Superior, Ciência e Tecnologia de Angola.

Todo esse movimento envolvendo governos, pesquisadores, academia e setores empresariais vão de encontro aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas, em especial o item 14 que trata da conservação e uso dos oceanos, os mares e os recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável. Essa busca por respostas através do estudo do Oceano Atlântico remonta aos século XV e XVI quando o mundo se tornou mais próximo através das grandes navegações tendo o Atlântico como o grande protagonista. O AIR Center estaria nos levando para uma Era dos Descobrimentos?

Linha do tempo

Junho de 2016

A construção do AIR Center foi proposta pelo governo português durante a 1ª Reunião da Subcomissão de Assuntos de Ciência, Tecnologia e Inovação entre Brasil e Portugal. Na ocasião, a delegação portuguesa manifestou grande interesse pela cooperação no Atlântico, ressaltando a oportunidade de aproveitar estruturas científicas já existentes para o desenvolvimento de uma plataforma de pesquisa internacional.

Abril de 2017

Foi discutida a importância do Air Center para o fortalecimento da cooperação científica e tecnológica nas áreas de mudanças climáticas, espaço, oceanos e energia. Foi assinada a Declaração de Belém, documento que estabeleceu as diretrizes da parceria para pesquisa no Oceano Atlântico.

Julho de 2017

Foi assinado um memorando de entendimento entre Brasil, Portugal e África do Sul com o objetivo de fortalecer a cooperação para implementação do AIR Center durante uma conferência chamada de “Uma nova era de iluminismo azul”, voltada ao fomento da cooperação em pesquisas oceânicas.

Novembro de 2017

Ministros e representantes de 11 países discutiram a criação do AIR Center.

2018

Duas reuniões de alto nível, uma em Cabo Verde e outra nas Ilhas Canárias, tratarão de temas como a governança do centro e fontes de financiamento.1

10 é o número de países fundadores do Air Center. Portugal, Espanha e Reino Unido,Brasil,Argentina,África do Sul, Nigéria, Angola,Cabo Verde e Índia. A França é outro possível parceiro de futuro. O AIR Center terá ainda dois membros associados, a Agência Espacial Europeia (ESA) e a Organização Indiana de Pesquisa Espacial (ISRO).

Por quê Açores?

Além da localização geográfica estratégica, o arquipélago de Açores tem infraestrutura para abrigar uma base espacial, instalações para medição de radiação atmosférica e um departamento de oceanografia e pesca, para coordenar pesquisas nas áreas de energia, mar, mudanças climáticas e observação da Terra.

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