(Credit to Gage Skidmore)

No dia 24 de maio, em um encontro oficial com o Papa Francisco no Vaticano, o presidente norte-americanoDonald Trump prometeu doar 300 milhões de dólares para lutar contra a fome que atinge quatro países da África: Iêmen, Sudão do Sul, Somália e Nigéria. A notícia trouxe um pouco de entusiasmo para o cenário de incerteza que define o atual contexto das relações entre os Estados Unidos e o continente africano. A África foi praticamente esquecida durante a campanha eleitoral dos Estados Unidos. Além disso, especialistas ouvidos pela ATLANTICO acreditam que Trump deve priorizar negócios benéficos ao seu país e redefinir a política externa norte-americana, o que poderia prejudicar o desenvolvimento do continente africano. “Trump mal mencionou o continente durante sua campanha e o pouco que foi dito era depreciativo”, afirma Lyal White, diretor do Centro de Mercado Dinâmicos do Gordon Institute for Business Science (GIBS), ligado à Universidade de Pretória. “Para falar a verdade, Donald Trump sabe muito pouco sobre a África e se importa muito pouco com o continente. O que ele sabe sobre o continente é um pouco assustador em termos do progresso que está sendo feito ao longo dos últimos dez de 15 anos”.

Os Estados Unidos são parceiros importantes para os países africanos. Trata-se de um dos principais doadores em projetos de desenvolvimento, além de ser o segundo maior investidor, atrás da China. A África subsaariana, especificamente, beneficia-se largamente dos projetos públicos para cooperação e desenvolvimento dos EUA. Desde 2011, os norte-americanos gastam em média 8,2 mil milhões de euros por ano, valor cinco vezes maior do que o total em 2001. Nas últimas duas décadas, o Congresso Norte-Americano aprovou a Lei de Crescimento e Oportunidade em África (AGOA), que concede isenção de algumas taxas para entrada de produtos africanos nos Estados Unidos. Depois disso, também anunciou iniciativas transformadoras como o Programa de Emergência do Presidente para o Alívio da AIDS (PEPFAR), criou a Millennium Challenge Corporation (MCC) e, mais recentemente , aprovou o Power Africa Act e a Food Security Act.

No entanto, todas essas medidas estariam ameaçadas. Iniciado pelo então presidente Barack Obama, o projeto “Power Africa” pretende levar eletricidade a 60 milhões de pessoas em África. Até 2018, serão necessários cerca de 6,4 bilhões de euros do orçamento norte-americano. Em 2013, Trump usou o Twitter para criticar o projeto. Além disso,ao tomar posse no dia 20 de janeiro como o 45º presidente dos Estados Unidos, Donald Trump prometeu que, tanto nos EUA quanto no exterior, buscará sempre o interesse dos norte-americanos em primeiro lugar. “Estamos transferindo o poder de Washington, e dando de volta para vocês”, disse ele na ocasião ao público presente. “A partir deste dia, vai ser a América primeiro”, disse. Porém, ao mesmo tempo em que prioriza sua política interna, Trump questiona o valor das Nações Unidas, da OTAN e da União Europeia e se opõe firmemente aos grandes programas de assistência no exterior.

“Está claro que Trump é protecionista. Ele não vai tolerar qualquer expansão ou extensão de acordos. Isso significa que a política comercial americana sob Trump precisa ser observada de perto”, avalia Peter Vale, diretor do Johannesburg Institute for Advanced Study (JIAS). “Também é provável que haja um declínio na ajuda para a África a partir dos EUA. Para alguns países africanos, esta ajuda é absolutamente crucial. Tome o Malawi por exemplo, onde é essencial e necessário. Como empresário Trump vai querer algo em troca, é improvável que ele vá ter o seu tipo de retorno sobre o investimento da maioria dos países africanos”.

(Credit to Gage Skidmore)

PRIMEIROS MOVIMENTOS

Embora o presidente Trump até agora tenha demonstrado desinteresse em temáticas caras para a agenda do continente africano, como democracia, boa governança e direitos humanos, grupos extremistas como o Boko Haram, na África Ocidental, os extremistas islâmicos do Sahel, o Al-Shabaab, e os piratas na Somália fazem parte da estratégia global antiterror dos Estados Unidos. O presidente norte-americano também tem, ao mesmo tempo, ameaçado publicamente seus desafetos e elogiado seus parceiros no continente.

Em julho de 2016, ainda como candidato à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump declarou que iria cuidar pessoalmente da prisão dos presidentes Robert Mugabe (Zimbábue) e Yoweri Museveni (Uganda). “Mugabe e Museveni deram muitos problemas ao mundo e chegou o tempo para colocar um fim nesses loucos para que a paz prevaleça“, acrescentou. “Quero reiterar que não vou tolerar quaisquer tendências ditatoriais exibidas pelos ditadores ao redor do mundo. Ele ainda aproveitou para criticar ao então presidente Barack Obama e aos ex- presidentes Bill Clinton e George W. Bush. “Se Obama teve medo, eu não terei. Se Clinton e Bush tiveram medo, se o papa se ajoelhou diante deles, eu nunca vou ser merebaixar a esse nível. Eu nunca irei me intimidar. Eu prometo limpar toda a confusão política em todo o mundo e promover a justiça internacional”, sentenciou.

“Trump é muito suspeito sobre o continente, especialmente em termos de segurança e em níveis de desenvolvimento. Ele acredita que é uma região em ruína e insegura do mundo. Ele não vê muita viabilidade comercial e é muito ingênuo, quase inconsciente, do potencial que a África tem para oferecer”, diz Lyal White, do GIBS. Stephen Chan, Professor do Instituto de Estudos em África e Oriente Médio da Universidade de Londres (SOAS), acredita que o engajamento militar dos EUA na África pode ser reduzido com Trump. “Não há interesse estratégico dos EUA na região africana ao sul do Saara”, afirma. “Acho que ele vai ser intolerante e desinteressado em questões em torno da política interna dos países africanos. Por exemplo, eu não acho que ele vá ser muito interessado no que está acontecendo na Somália, Etiópia ou em outras partes da África onde pode haver conflito. Trump não tem uma grande capacidade de detalhe, então na melhor das hipóteses ele vai viver por avaliações macro”, avalia Peter Vale, pesquisador do JIAS.

Um outro aspecto que mostra um desinteresse ou, talvez, uma negligência dos Estados Unidos em relação à África é a demora para escolher o representante maior do País no continente. Até abril, a vaga de Secretário Adjunto para Assuntos Africanos do Departamento de Estado dos EUA permanecia em aberto. “O atraso na nomeação de alguém para o cargo sugere que a África não é uma prioridade”, conclui Stephen Chan, da Universidade de Londres. “O único membro do círculo íntimo de Trump que pode ter interesse em África é o Secretário de Estado Rex Tillerson. Ele tem alguma experiência na África por causa de seus muitos anos na indústria de petróleo com ExxonMobil. Se Tillerson nomear um especialista moderado e experiente em África para dirigir o Escritório Africano, as questões africanas podem não ser deixadas de lado completamente. Mas independentemente de quem gerencia a política de Trump na África, haverá uma grande mudança em relação às recentes administrações”, disse, em nota, Johnnie Carson, Secretário de Estado Adjunto dos Estados Unidos para Assuntos Africanos entre 2009 e 2012.

O FUTURO

Mas, afinal, a África consegue viver sem os Estados Unidos? “Não. Os Estados Unidos ainda são um dos maiores provedores de capital, de recursos estrangeiros e ativos básicos para o contexto africano. São fundamentais, obviamente, mas não tão centrais quanto para a América Latina, onde continua a ser o mais importante player da região. Grandes empresas norte-americanas, como a General Electric, são grandes investidoras no continente africano e eles estão atuando em áreas cruciais de desenvolvimento de infraestrutura, refinaria de petróleo e operam também em parceria com multinacionais africanas”, conta o pesquisador Lyal White. “A tradição dos americanos não difere muito entre democratas e republicanos, sobretudo quando se trata de África. Mas gostaria que Donald Trump fosse mais honesto para com o continente africano, porque continuamos com problemas de falta de democracia”, argumenta Afonso Dhlakama, presidente do RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana), em nota oficial. “Como líder mundial, o Presidente dos Estados Unidos da América deve incentivar os líderes africanos a aceitarem a democracia própria e não aquela tradição de pensar que a democracia é para os americanos e os europeus. A democracia não tem cor nem raça, ela é democracia.

 EM BUSCA DE APOIO

Em fevereiro, Donald Trump ligou para o presidente da África do Sul, Jacob Zuma. Na ocasião, Zuma felicitou Trump pela vitória na eleição norte-americana e os dois estadistas reafirmaram o compromisso de fortalecer a relação histórica entre os dois países. 600 empresas dos EUA têm operações na África do Sul. Os dois presidentes também discutiram a necessidade de trabalhar em conjunto sobre questões multilaterais, especialmente a busca pela paz e estabilidade no continente africano. Na sequência desse diálogo, Trump, telefonou para Muhammadu Buhari, presidente da Nigéria. Segundo a Casa Branca, Trump agradeceu Buhari por sua “liderança no continente” e os dois discutiram “uma forte cooperação entre os Estados Unidos e a Nigéria, inclusive sobre segurança compartilhada, econômica e prioridades de governança”. O texto oficial diz ainda que o Presidente Trump “ressaltou a importância que os Estados Unidos atribuem à sua relação com a Nigéria e manifestou interesse em trabalhar com o Presidente Buhari para expandir a forte parceria”. Eles ainda concordaram em continuar a “estreita coordenação e cooperação na luta contra o terrorismo na Nigéria e no mundo”. Trump também expressou apoio à venda de aeronaves dos Estados Unidos para apoiar a luta da Nigéria contra o Boko Haram e agradeceu Buhari pela “liderança que exerceu na região”, enfatizando a importância de uma “Nigéria forte, segura e próspera que continua a liderar na região e nos fóruns internacionais

PAÍSES AFRICANOS NA MIRA DA POLÍTICA ANTIMIGRATÓRIA

Líbia, Somália e Sudão estão na lista de países com restrição temporária de acesso aos Estados Unidos. Além dos três países africanos, fazem parte da lista Síria, Irã e Iêmen. Assinado em março, um decreto de lei ordena que por 90 dias os cidadãos destes países ficam proibidos de pisar em solo norte-americano. Além disso, está suspensa por 120 dias a recepção de refugiados destes países. Contudo, a medida tem sido alvo de um complexo imbróglio jurídico.

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