Em 2015, o rapper Emicida lançou um trabalho que seria um marco para sua carreira de uma década. “Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa”, segundo álbum do músico paulista foi inspirado em uma viagem que ele fez ao continente africano. “Era um sonho antigo. Um desejo muito forte de visitar a terra dos meus antepassados”, conta. “Escolhi iniciar esta trajetória por Madagascar, Cabo Verde e Angola. Acho que foi uma escolha muito certa porque os três lugares me fizeram voltar outra pessoa”.

Escute o Emicida no Spotify

Emicida escolheu Cabo Verde e Angola por um motivo especial. “O idioma. Temos o vínculo de falarmos a língua portuguesa e isso já estabelece uma ponte naturalmente”, diz. “Além disso tem também o fato de Angola ter influenciado tanto a cultura brasileira e eu estar muito disposto a mergulhar na raiz do que gerou nosso samba. Já Cabo Verde eu achei lindo. Não me arrependo de ter feito esta opção”.

Na bagagem, o artista trouxe várias Áfricas.  “Encontrei uma África que sorri e luta, que compartilha sua energia, força, inteligência, beleza e história com todos como uma grande mãe que abraça seus filhos, por mais tempo que eles tenham passado distante de casa”, filosofa. “Também vi a África clichê dos noticiários sensacionalistas, com pobreza e desigualdade”, denuncia. Musicalmente falando, Emicida também trouxe novos ritmos. “Kizomba e funaná, kuduro e ferro e gaita. E o carinho na voz para se contar histórias, isso é a base de tudo”, detalhe.

A lista de amigos  também cresceu. Na lista de novos parceiros musicais estão o angolano João Morgado, conhecido instrumentista de semba, ritmo africano considerado por muitos o pai do samba, o conterrâneno dele, o baterista e percussionista Ndu Carlos,, além de Neusa Semedo, líder do grupo caboverdeano Batucadeiras do Terrero dos Órgãos, o guitarrista Kaku Alves, que trabalhou com Cesária Évora por 14 anos e a cantora caboverdeana Fattu Djakité. “Eu amo a música brasileira. Mas ao visitar a África estou também contemplando a nossa cultura, uma vez que ambas são tão próximas, tão complementares. Ainda vou fazer muitas coisas na África”, é o que adianta o músico.

A viagem à África também fez Emicida afinar seu discurso como rapper, carregado de denúncias sociais. “A força do povo africano é incrível e contrasta com a bigorna que é um sistema politico que já está em colapso há tempos, fazendo peso nas costas de um povo que tem como maior sonho viver em paz”, afirma. Ele também defende que cada brasileiro se empenhe em conhecer melhor o continente africano. “Aplicar de verdade a lei 10639 já seria um começo. Falar sobre a África de uma forma mais respeitosa e buscando desconstruir os estereótipos negativos que foram atribuídos a ela e a seus filhos seria um ótimo passo.

O preconceito em torno da  cultura hip hop é o mesmo preconceito que circula e ataca a cultura negra no Brasil. Tem o racismo como base e não consegue reconhecer a excelência de manifestações culturais como o samba, o tamborilo carioca, o próprio rap brasileiro, dentre outras tantas coisas”.

Mais que um nome, uma rima

Leandro Roque de Oliveira tem 30 anos. Nascido em São Paulo, virou Emicida durante as batalhas de improvisação. O nome Emicida é uma fusão das palavras MC e Homicida. Leandro era tão bom que “matava” os adversários com suas rimas. Depois, passou a dizer que Emicida significava E.M.I.C.I.D.A., abreviação para Enquanto Minha Imaginação Compuser Insanidades Domino a Arte. Depois de lançar dois álbuns premiados e estabelecer parcerias com importantes músicos brasileiros – dos mais diversos gêneros musicais, diga-se de passagem – Emicida é considerado hoje uma das maiores revelações do hip hop do Brasil nos últimos anos e também um dos maiores expoentes na luta por menos desigualdades sociais e menos racismo.

Documentário

Os bastidores de “Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa” serão mostrados em um documentário. Em fase de pós-produção, “Sobre Noiz” está sendo dirigido por Ênio César e vai mostrar detalhes de como foi o processo de criação e gravação do álbum incluindo os trechos da viagem e imagens inéditas de Emicida na África.

A lei 10.639

Aprovada em março de 2003, a lei federal ntorna obrigatório o ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Médio  do Brasil. A lei pretende promover uma educação que reconhece e valoriza a diversidade, comprometida com as origens do povo brasileiro.

Fotos: José de Holanda / Courtesy of Laboratório Fantasma

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