Conseguir transformar um local em um patrimônio da humanidade é um dos grandes prestígios que um país pode ter. Entretanto, quando se olha o mapa de sítios que já receberam esse título, se percebe que há um grande desequilíbrio quando se compara a África com outros continentes, em especial com a Europa. Mas, de acordo com a embaixadora Maria Edileuza Fontenele Reis, delegada do Brasil para a UNESCO, a expertise brasileira nessa área tem servido de exemplo para o continente africano.

“Hoje, a principal dificuldade do continente africano ainda está na carência de capacidade técnica para organização das suas candidaturas”, afirma a embaixadora. No mapa de Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a Europa e a América do Norte possuem quase 50% dos mais de 1000 patrimônios, enquanto a África tem apenas 96.

Mapa mostra onde estão os sítios considerados patrimônio da humanidade (Fonte: UNESCO)

“Eles [os europeus] valorizam muito mais isso. Já sobre África, temos lutado por uma melhor distribuição geográfica nessa lista de patrimônios. A África tem tido mais dificuldade em organizar seus dossiês, condições técnicas de apresentar suas candidaturas”, explica a embaixadora.

No entanto, a experiência brasileira nessa área tem servido como referência para países africanos. Com 22 sítios com título de patrimônio da humanidade, o Brasil traduziu para a língua portuguesa todos os manuais relativos à composição de dossiês para candidaturas de sítios, e os disponibiliza de forma gratuita para os demais países lusófonos. 

Embaixadora Maria Edileuza Fontenele Reis, delegada do Brasil para a UNESCO

O trabalho é realizado por meio do Centro Lúcio Costa, vinculado ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, com sede no Rio de Janeiro. Criado em 2010, o centro tem o objetivo de ampliar a capacidade de gestão do patrimônio cultural e natural, além de promover ações de cooperação na região.

De acordo a embaixadora, o centro também tem projetos de cooperação com outros países da América Latina, África e Ásia para apoiá-los também na preservação de seus sítios, visto que que a maioria são naturais. O centro também promove cursos de preservação destinados exatamente para os países de língua espanhola e portuguesa.

A restituição de artefatos históricos

Uma das grandes lutas dos países africanos têm sido pela restituição de bens de valor patrimonial que foram retirados do continente durante o período de colonização europeia. Muitos desses artefatos hoje expostos em grandes museus pelo mundo são de origem africana.

“Isto tem sido objeto de negociações bilaterais entre os países. Não só na África, mas a Grécia também tem demandas. Há países europeus mais flexíveis quanto à essa devolução. O que eu sinto é que tem havido sensibilidade em alguns casos e acho que as gestões bilaterais devem prosseguir”, argumenta a embaixadora brasileira.

“O que eu sinto é que tem havido sensibilidade em alguns casos e acho que as gestões bilaterais devem prosseguir”

Recentemente, o empenho africano tem ganhado mais força. Senegal, que inaugurou o Museu de Civilizações Negras, tem feito grande esforço para a restituição de artefatos para que estes possam ser expostos como parte da história do continente africano, desta vez contada exatamente por africanos. Angola também tem buscado encontrar métodos mais eficientes de certificar objetos que possam vir a ter valor patrimonial e, assim, evitar que estes saiam do país.

Museu de civilizações negras em Dakar, no Senegal

“É difícil que museus europeus restituam tudo, principalmente quando se trata de Egito ou Grécia. Mas quanto aos bens de valor religioso eu vejo que há mais sensibilidade”, diz Edileuza.

Os novos sítios brasileiros

O Brasil recentemente recebeu novos títulos de patrimônio da humanidade. O sítio de Paraty e Ilha Grande, no Estado do Rio de Janeiro, foi condecorado com uma honraria especial: foi o primeiro sítio misto do país. Isto é, se tornou patrimônio tanto natural, pela presença da Mata Atlântica na região, quanto cultural, pela arquitetura colonial portuguesa.

Arquitetura colonial de Paraty é um dos grandes atrativos turísticos da região

“A inclusão desses sítios têm, primeiro, a dimensão de preservação do patrimônio mundial, tido como de valor universal. Em segundo lugar está a promoção da economia criativa e o estímulo ao turismo sustentável voltado ao patrimônio. Então é um tema de grande relevância para o país, dá prestígio, aumenta a auto-estima das comunidades locais e se estimula a preservação”, lembra a embaixadora.

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Segundo ela, o Brasil também já prepara a candidatura de novos locais para receber o título da UNESCO. O Sítio Roberto Burle Marx, no Rio de Janeiro, já deve ter seus documentos avaliados no próximo ano. Além destes, os Lençóis Maranhenses e Jericoacoara, ambos no Nordeste, também devem se candidatar em um futuro próximo.

Parte da Mata Atlântica preservada em Ilha Grande

Como se tornar um patrimônio

A UNESCO divide seus patrimônios em três categorias: natural, cultural e misto. O título por ser dado para cidades, bairros, comunidades ou manifestações sociais e culturais de cada local.

Para receber o título de patrimônio, a própria UNESCO deve tomar essa iniciativa de concedê-lo ou os próprios países montam um dossiê de candidatura com as características e o porquê de determinado sítio ser considerado um bem de inestimável valor para a humanidade. Cada candidatura é analisada nas cúpulas anuais da UNESCO.

Após conceder o título, a Organização passa também a ter responsabilidade quanto à sua preservação. Atualmente, a Itália é país do mundo com o maior número de patrimônios. Com mais de 50, o país europeu é acompanhado por China, Espanha, França e Alemanha entre os cinco maiores.

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