Na última semana, a fumaça dos incêndios florestais que vêm da cidade de Mangai, na República Democrática do Congo, no Sul da África chegou ao litoral brasileiro após cruzar mais de 6.000 km pelo Oceano Atlântico.  A situação foi dectada através de imagens de satélite que mostravam o caminho percorrido pela fumaça das queimadas no centro-sul da África até estados brasileiros de Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. As informações foram obtidas e divulgadas pelo Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélite (Lapis), ligado à Universidade Federal de Alagoas (Ufal).

Com a fumaça, cidades como Maceió no estado de Alagoas, recebem por dia 103 microgramas de poluentes por metro cúbico. O número é quatro vezes mais que o tolerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que recomenda 25 microgramas por metro cúbico. Os altos níveis de poluição medidos são capazes de causar problemas de saúde respiratórios e cardiovasculares, além de dor de cabeça. O monitoriamento é importante para medir os riscos à saúde e também para orientar voos.

Humberto Barbosa (Foto: Herivelto Batista/MCTIC)

O Lapis é coordenado pelo pesquisador Humberto Barbosa. De seu gabinete, em Maceió, ele consegue em tempo real, fazer o monitoramento ambiental por satélite de todo o território brasileiro, parte da América do Sul e da África, além do Oceano Atlântico. Tudo isso graças ao sistema de recepção dos dados da plataforma EUMETCast África, implementado em maio de 2018.

Incluir Mapa* legenda: No mapa, é possível ver fumaça gerada pelas queimadas e as temperaturas registradas no Brasil e na África. A partir de agosto, tanto o País quanto a África, bem como, estendendo-se por todo o Sul, Madagascar e a Oceania, costumam praticar queimadas.

À ATLANTICO, Humberto Barbosa falou sobre a relação dos incendios florestais da África com o nordeste brasileiro, sobre o papel do oceano atlântico, sobre as queimadas na Amazônia e sobre o investimento em ciência.  

Essas queimadas que acontecem na África e na Amazônia ocorrem de forma natural ou têm intervenção humana? 

Ocorre das duas formas. O processo da queimada da floresta na República Democrática do Congo é antropogênico. Ou seja, um processo de ação humana. A queimada não acontece sozinha. Na maioria dos casos é provocada, induzida. Mas existe o processo natural. Nessa época do ano a mata está mais seca, tem mais material fino e mais poeira. E parte dessa poeira também naturalmente é transportada pela ação de ventos e pode ocasionar queimadas. 

Incêndios florestais de grandes proporções na África foram anteriomente motivo de preocupação da comunidade internacional. Em 24 de agosto, um satélite da Nasa (agência espacial norte-americana) teria detectado 6.902 incêndios em Angola e 3.395 no Congo.

Esses ciclos de queimadas são comuns? 

Existe um ciclo natural de queimadas. Independente da ação humana ser maior ou menor. Existem outros fatores, como clima, topografia e a época do ano. As queimadas na África começam em abril. Nos meses de julho, agosto e setembro, há uma coincidência climática sasonal, onde as florestas da África, do Brasil e de outras regiões do globo ficam mais sensíveis às queimadas. Elas estão secas, a umidade do ar está baixa, a umidade do solo também está baixa e as temperaturas estão altas. No próximo ano vai acontecer o mesmo. Mas esse ano a gente tem um sinal humano muito mais intenso do que o sinal climático nessas queimadas que são típicas dessa época. 

É possível comparar o desmatamento da África Central com o da Amazônia? Que informações temos a respeito do desmatamento na África?

Em termos científicos, a gente avançou muito nessa questão da queimada, no monitoramento dela e no mapeamento. A gente hoje têm uma série muito boa e a gente pode dizer, baseado nessas informações que se contabilizou, tanto de desmatamento tanto de queimadas, de que há uma forte assosiação das áreas queimadas com as áreas desmatadas. Isso não é lenda. Não posso estabelecer isso pra África porque eu não tenho esses dados. A gente sabe que as práticas de queimadas na África são muito similares as práticas de queimada na Amazônia. Pelas imagens de satélite elas estão tão intensas quanto no Brasil.

Floresta em Tshopo. (Foto: Axel Fassio/CIFOR)

No mês passado, ocorreu em São Paulo um fenômeno onde o céu ficou completamente escuro no meio da tarde assustando os moradores. Esse fenômeno foi atribuído às queimadas na Amazônia.  Existe alguma possibiidade de acontecer algo semelhante no Nordeste por conta das queimadas na África? 

A dinâmica que envolve os ventos que chegam da África em direçao ao nordeste é diferente da dinâmica que envolve a Amazônia e a região Sudeste. O material trazido da África cruza cerca de 6000 km de oceano em altos níveis atmosféricos. Então, a probabilidade de isso ocorrer é baixa. 

Imagens de satélite do Oceano Atlântico

As universidades federais brasileiras e os órgãos de pesquisa científica sofrem um contingenciamento financeiro. De que forma isso afeta a Universidade Federal de Alagoas e, especificamente, o seu laboratório?

Ciencia é muito estratégica para um país em desenvolvimento como o Brasil, pois tem um componente fundamental para diminuir as desigualdades regionais e sociais. Aqui eu levo entre cinco ea seis anos para formar recursos huanos de alto nivel. Esses alunos dependem de bolsas pois muitos deles vem de condicoes socioeconomicas desfavoráveis.  Parte dos brasileiros acha que a ciência é algo menos importante. Como se, numa casa, a ciência fosse apenas um quadro, ou um objeto de decoração. No entanto, a ciência deve ser a base dessa casa. 

Acredito, que a união entre governo e univerisidades ajudam a atrair novos investimentos econoômicos, resultando em mais qualidade de vida e mais desenvolvimento.  Porém, há um erro estratégico dos agentes governamentais, em todas as esferas, de que a ciência não é bom investimento. 

Qualquer governo, seja de direita ou de esquerda, precisa fazer um planejamneto estratégico a longo prazo levando em conta o investimento em ciência como uma questao de desenvolvimento. Alguns países conseguiram resultados positivos porque investiram na formação de recursos humanos de alto nivel. 

São momentos dificeis e o laboratório é impactado. Eu consigo fazer pesquisa mas ao mesmo tempo não consigo manter meus alunos quando eles são ameaçados de perder suas bolsas, não tem perspectivas de melhoria.

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