Biafra, Nigéria, final dos anos 1960. Enquanto socorriam vítimas em meio a uma guerra civil brutal, jovens médicos e jornalistas perceberam as limitações da ajuda humanitária internacional. O acesso ao local era difícil. Além disso, quem estivesse disposto a ajudar teria que enfrentar entraves burocráticos e políticos. A situação fez como que esses jovens criassem na França, em 1971, a organização Médecins Sans Frontières (MSF), como uma proposta de oferecer não só ajuda humanitária associada à ajuda médica como também uma sensibilização do público sobre o sofrimento de seus pacientes, dando visibilidade a realidades que não podem permanecer negligenciadas, segundo o ponto de vista da organização.

Assim, o Médicos Sem Fronteiras procura levar cuidados de saúde essenciais onde esses serviços são mais necessários e, por isso, enfrentam contextos delicados, como conflitos armados, epidemias e desastres naturais. Atualmente, atuando em cerca de 70 países -30 no continente africano, a organização mantém na África projetos voltados para o atendimento de pacientes vivendo com HIV, tuberculose, tuberculose multirresistente, hepatites, epidemias como cólera e ebola, meningite, malária, saúde reprodutiva, vítimas de violência sexual, vítimas de conflitos armados, deslocados internos, refugiados, desnutrição e vacinação.

A equipe recrutada por Médicos Sem Fronteiras no Brasil e que fica à disposição para atuar em projetos no exterior é formada atualmente por 140 profissionais. Destes, atualmente cerca de 30 brasileiros estão na África. “Mas este número muda constantemente”, afirma a psicóloga Vanessa Monteiro Cardoso, recrutadora e gestora de carreiras do Médicos Sem Fronteiras no Brasil. Segundo ela, entre janeiro e maio de 2015 o escritório brasileiro do MSF já recebeu cerca de quatrocentos currículos das mais diversas especialidades.

São vários os perfis dos profissionais brasileiros que procuram atuar no Médicos Sem Fronteiras. “Eles são de todo o país. Não tem, por exemplo, uma região que mostre mais interesse que outra”, diz. Sobre a característica mais marcante do profissional brasileira, a gestora conta que é a identificação com o valor humanitário que a própria Instituição prega. “É o lado mais humano que esse profissional trás e que gera uma identificação maior com o programa e com os locais em que estão”.

A seleção para atuar no programa é bastante criteriosa. É preciso saber falar bem inglês ou francês, estar dentro do perfil profissional requerido pela organização, ter no mínimo dois anos de experiência profissional, motivação humanitária e ao menos doze meses de disponibilidade. À exceção dos cirurgiões, anestesistas e ginecologistas, que ficam por um período a partir de seis semanas, todos os outros profissionais ficam em campo de seis a doze meses. Eles recebem salário pelo período trabalhado, têm contrato de tempo determinado e também recebem uma ajuda de custo em moeda local para gastos pessoais. O MSF cobre ainda os custos de passagens de ida e volta para os projetos, vistos, vacinas e oferece um seguro saúde e de vida. Além disso, a organização também fornece apoio psicológico para o profissional e para a família.

COMO O MSF CHEGA A CADA PAÍS

A organização não possui nenhuma relação com os órgãos governamentais de cada país. Porém, a ONG realiza uma missão exploratória para conhecer a região e os seus habitantes. Essa missão tenta identificar as reais necessidades e perceber o grau de demanda daquela população especifica. Para se fixar em cada região, o MSF entra em contato com os órgãos responsáveis pela saúde do local, solicitando autorização para atuar. Durante o período em que se estabelece naquela região, o MSF também trabalha com os profissionais locais, capacitando-os para que sejam aptos a dar continuidade aos tratamentos e ampliar a perspectiva desses profissionais.

Em caso de catástrofes naturais o atendimento é considerado pelo MSF como emergencial. Dessa forma não necessita de procedimentos burocráticos, simplesmente acontece o deslocamento das equipes para as regiões necessitas. “Em momentos como esse a procura por profissionais tende a aumentar”, afirma Vanessa Monteiro Cardoso.

Apesar de ser reconhecida como uma das principais organizações internacionais de ajuda humanitária do mundo, o Médico Sem Fronteiras também possui alguns desafios. Segundo a gestora Vanessa, a organização tem procurado aumentar o quadro de profissionais especializados como cirurgiões ortopédicos, obstetrizes e pediatras.

JÁ FIZ PARTO ATÉ NO MEIO DA ESTRADA”

O enfermeiro Denilson Borges ingressou no Médicos Sem Fronteiras em 2013. O mineiro, natural de Ipatinga, deixou a cidade de Belo Horizonte, onde morava para procurar o escritório da organização no Rio de Janeiro e participar do processo seletivo. Em setembro do mesmo ano, ele foi enviado para um campo de refugiados no estado do Alto Nilo, que fica à duas horas e meia de avião de Juba, capital do Sudão do Sul. “Trabalhei como supervisor de três centros de atenção básica de saúde, cada um deles com dez profissionais que atendiam entre 110 a 130 pacientes por dia. O trabalho era de oito da manhã às cinco da tarde e aos sábados de oito da manhã até 13h. Além disso, fazíamos escalas para os plantões que atendiam as emergências”, conta.

O profissional, hoje com 34 anos, relembra como foi trabalhar em uma região com um dos piores sistemas de saúde do mundo. “Chegamos num período de fortes chuvas e a Malária é uma doença comum nesse período. Dois meses depois, tivemos que lidar também com um surto de pneumonia. Redimensionamos equipe, ampliamos espaços, aumentamos nossos horários de trabalho. Além disso, atendimento aos pacientes que contraíram a hepatite E, doença diretamente relacionada à falta de saneamento”.

Para ele, a seriedade da instituição foi essencial para ele realizasse um trabalho complexo e desafiador. “Já fiz parto no meio da estrada. Acompanhei a recuperação de uma menina de dois anos que não conseguia ganhar peso por conta de várias complicações causadas por uma tuberculose grave”, conta. “Tudo isso te muda muito, não só como profissional mas também como ser humano. A sensação é muito boa. Eu, que ia ficar por apenas seis meses, acabei estendendo minha temporada por mais três meses”. Depois da experiência no Sudão do Sul, Denilson Borges já participou de trabalhos do Médicos Sem Fronteiras na Índia e agora está no Brasil aguardando sua próxima missão.

”O TRATAMENTO É MUITO MAIS COMPLETO”

O paulista Alexandre Fonseca Santos, 45, é um médico sem fronteiras desde 2010 e já realizou missões na África do Sul, Zimbabwe, Afeganistão e Síria. Apesar de ter trabalhado por treze anos no Sistema Único de Saúde do Brasil (SUS), o profissional nutria desde os tempos de faculdade o desejo de ingressar na organização de ajuda humanitária. A expertise dele como médico e como gestor de saúde pública foi essencial para que ele atuasse na Cidade do Cabo, junto com o governo local, na criação de estratégias para tratamento e prevenção da aids.

Depois disso, ele partiu para a fronteira da África do Sul com o Zimbábue para tratar pacientes infectados com o vírus HIV. O atendimento era feito em clínicas móveis que eram instaladas nas fazendas da região. “O governo sul-africano já tinha uma política pública estabelecida. Daí trabalhamos, sobretudo, com experiências para descentralização do atendimento”, explica. Um trabalho semelhante foi feito nas áreas rurais do Zimbábue. “Os serviços de saúde eram bons. O governo já tinha muitas clínicas. O problema surgiu porque a descentralização do atendimento causou um aumento considerável da demanda”, argumenta.

Os primeiros anos na África carimbaram o passaporte para que o Dr. Alexandre partisse para experiências em outros países. O resultado, segundo ele, não poderia ser mais gratificante. “Temos contato com profissionais de vários países. Esse intercâmbio é muito bom. Além disso, esse contato com o paciente você não consegue facilmente nos anos de faculdade”, diz. O médico também atribui o sucesso do MSF ao tratamento multidisciplinar que é dado aos pacientes. “O tratamento é muito mais completo, uma vez que o paciente circula por todos os profissionais de saúde”. No momento, Alexandre Fonseca trabalha no Brasil como gestor público e também oferece consultoria para os Médicos Sem Fronteiras.

HISTÓRIA NO BRASIL 

Atualmente, Médicos Sem Fronteiras não tem projetos no Brasil, mas mantém no Rio de Janeiro um escritório para recrutamento de profissionais, captação de recursos financeiros e ações de comunicação, além de uma unidade médica para apoiar os projetos de doenças negligenciadas.

1991

O MSF chegou ao país para combater uma epidemia de cólera na Amazônia. Após o controle do surto, a organização permaneceu na região até 2002, promovendo um trabalho de medicina preventiva com tribos indígenas. O projeto na Amazônia foi encerrado após organizações não governamentais e Distritos Especiais Sanitários Indígenas assumirem o trabalho.

1993

A primeira intervenção urbana de MSF no Brasil aconteceu no Rio de Janeiro, com um projeto assistência a crianças em situação de rua.

1995

O MSF passou a oferecer atendimento de clínica geral, ginecologia e obstetrícia e pediatria, serviços de odontologia, psicologia, serviço social, consultas e procedimentos de enfermagem na comunidade de Vigário Geral. O projeto foi repassado, três anos mais tarde, para uma organização gerida por moradores locais capacitados por MSF.

1996

A organização iniciou, também no Rio de Janeiro, um programa de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e aids, distribuindo preservativos e elaborando oficinas temáticas em comunidades da zona norte.

2003

O MSF manteve, até 2005, um Centro de Atenção Integral à Saúde na comunidade de Marcílio Dias, oferecendo clínica geral, ginecologia, pediatria, saúde mental e serviço social no Complexo da Maré, Rio de Janeiro. A unidade também passou a ser gerida por uma organização local.

2006

A organização abre um escritório no Rio de Janeiro.

2007

Foi criada uma Unidade de Emergência no Complexo do Alemão, também no Rio, onde, até o fim de 2009, onde foram oferecidos atendimento de emergência, cuidados de saúde mental, transferência em ambulância para hospitais da região e orientações sobre a rede pública de saúde do município.

2010

Fortes enchentes atingiram os estados de Pernambuco e Alagoas e milhares de casas foram completamente destruídas. Equipes do MSF ofereceram apoio psicológico, distribuição de kits, melhoria das condições de água e saneamento, monitoramento e treinamento.

2011

No início do ano, cidades na região serrana do Rio de Janeiro foram atingidas por fortes chuvas e psicólogos de MSF treinaram profissionais de saúde mental que trabalharam na região atingida pelas cheias. Em outubro, o MSF respondeu a uma crise humanitária envolvendo imigrantes haitianos na cidade de Tabatinga, no Amazonas, com distribuição de itens de primeira necessidade e a realização de atividades de promoção de saúde.

2013

Profissionais especializados em saúde mental prestam suporte às equipes de da rede de saúde nacional no atendimento aos sobreviventes do incêndio na boate Kiss, em Santa Maria (RS) e seus familiares.

2014

Por ocasião da cheia do Rio Madeira, equipes foram enviadas ao local para avaliar a situação médico-humanitária das comunidades locais e descartar a probabilidade de um surto de cólera. A conclusão foi a de que as autoridades locais estavam preparadas para atender às necessidades das populações atingidas. Ainda assim, a organização ministrou um treinamento médico para compartilhar sua experiência no tratamento da cólera e organizou um documento com medidas que poderiam ser adotadas localmente para conter um possível surto.

COMO É FEITA A SELEÇÃO DE UM PROFISSIONAL QUE DESEJA INGRESSAR NA ONG MÉDICOS SEM FRONTEIRAS

Análise do Currículo

Análise do currículo somente em inglês ou francês e da carta de motivação em português.

Pré-entrevista

É feita uma pré-entrevista por telefone com as pessoas aprovadas na primeira etapa. Parte da entrevista é feita em uma das línguas exigidas.

Atividade presencial

Os candidatos participam de uma atividade presencial de recrutamento. Essa última etapa, que dura um dia, consiste em uma reunião informativa sobre a organização, entrevista individual, um teste vivencial e um teste de língua estrangeira.

Período de espera

Os aprovados na seleção entram num período de espera que tem duração variável, até ser encontrado o posto de trabalho mais adequado para seu perfil. A duração padrão da participação em um projeto é de aproximadamente nove meses. O profissional não escolhe, a princípio, em que país vai trabalhar. Os profissionais que podem participar são cirurgiões, anestesistas, ginecologistas, clínicos gerais, pediatras, epidemiologistas, infectologistas, fisioterapeutas, enfermeiros, obstetrizes, farmacêuticos, responsáveis por laboratórios, psicólogos, psiquiatras, administradores, financistas, logísticos, além de especialistas em água e saneamento.

COMO AJUDAR O MSF

É possível ajudar MSF por meio de doações mensais ou como Voluntário Virtual, falando do trabalho da organização através da internet. Os detalhes sobre as duas iniciativas estão disponíveis em www.msf.org.br/como-ajudar.

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