A advogada brasileira alcançou importantes vitórias no exterior e se tornou exemplo de sucesso

  A prática migratória é uma realidade global, motivada por diversas razões, como a busca por melhores condições de vida e a fuga de guerras.  Conforme a edição de 2022 do Relatório Mundial sobre Imigração das Nações Unidas, aproximadamente 281 milhões de pessoas ao redor do mundo realizaram algum tipo de migração. Quando a atenção se volta para o continente europeu, os dados mais recentes da Organização Internacional para as Migrações (OIM) relatam que mais de 87 milhões de imigrantes do mundo estavam vivendo na Europa em 2020. Quando se trata da comunidade brasileira, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil aponta que em 2021 haviam 1.360.881  brasileiros na Europa, e destes, 138.955 residindo em território alemão. 

Entre os brasileiros em solo alemão, está Delaine Kühn, uma advogada com formação no Brasil e licenciada para atuar na Alemanha. Vivendo há pelo menos 5 anos no país, a jurista atua em questões relacionadas à imigração, além de também trabalhar como Intérprete Pública Juramentada (SH) e possuir vasta experiência nas questões relacionadas entre Brasíl e Alemanha, tais como o visto de trabalho, o Blaue Karte (Autorização de Trabalho), Reunião Familiar, Au pair, Jogadores de Futebol, Divórcio e Guarda Extrajudicial.

  Delaine estabeleceu residência na cidade de Hannover, capital da província alemã da Baixa Saxônia, e conseguiu o feito inédito de se eleger a primeira brasileira vereadora para a cidade onde reside. Em conversa com o ATLANTICO, Delaine concedeu mais detalhes sobre sua trajetória e das conquistas fora do Brasil.

ATLANTICO- Analisando a questão de recepção aos imigrantes, o que o Brasil pode aprender com a Alemanha e vice-versa?

Delaine- Essa é uma pergunta bem difícil. Creio que o Brasil poderia aprender com a Alemanha sobre a questão de destacar com mais ênfase os locais de atendimento aos imigrantes. Outra coisa é que na Alemanha o processo de imigração é bem menos burocrático. Em contrapartida, os imigrantes são recebidos de forma mais calorosa no Brasil, e essa receptividade é algo que, a meu ver, a Alemanha poderia melhorar, muito embora eu não tenha do que reclamar dentro da minha experiência pessoal. Eu sempre fui muito bem acolhida e nunca sofri xenofobia, ao contrário de outras pessoas que infelizmente passaram por experiências negativas nesse quesito.

ATLANTICO- Qual sua percepção, enquanto imigrante, dos movimentos ultranacionalistas e anti-migração que surgiram na Europa em anos recentes ?

Delaine- De fato, a imigração para o continente europeu é também resultado dessas questões políticas que, não raro, envolvem conflitos e guerras, resultando em milhões de refugiados instalados no continente europeu. Essas ondas migratórias acabam sendo sendo alvo do sensacionalismo de líderes da ultra-direita que pregam a figura do imigrante como um indivíduo que vai roubar o emprego e o espaço do nativo. E estes grupos precisam entender que é possível ajudar o próximo e não perder nenhum espaço ou direito por isso. Quando nós estamos ajudando alguém, não estamos perdendo nosso lugar. Infelizmente, nem sempre os imigrantes foram contemplados com o acolhimento necessário para que se sintam bem vindos no país em que estão entrado. Mas eu acredito que essa situação pode mudar, e apesar dos movimentos ultra-nacionalistas e anti-imigração, creio que a questão da receptividade melhorou, o que pode ser visto em relação aos imigrantes ucranianos.  No fundo, todos nós somos imigrantes de alguma forma. O Brasil tem na imigração muito de sua história, cultura e formação. A Alemanha também é um país que foi moldado por muitas mãos imigrantes. Tudo é uma questão de integração.

“Essas ondas migratórias acabam sendo alvo do sensacionalismo de líderes da ultra-direita que pregam a figura do imigrante como um indivíduo que vai roubar o emprego e o espaço do nativo”

ATLANTICO- Você acha que seria possível o Estado alemão criar parcerias com Estados africanos para fins de intercâmbio cultural, de trabalho e outras demais formas ? 

Delaine- A Alemanha já possui um programa extenso de facilitação para imigrantes. Não apenas para com os imigrantes africanos, mas para todos em geral. E como já falei antes, para todos que possuam uma qualificação as portas estão abertas, e essas qualificações podem ser verificadas pelo sistema Anabin da Alemanha. Inclusive, meu marido tem um projeto em parceria com a África do Sul no qual a escola de alemão vai para o país no final ou início de cada ano para promover a língua. Ele também trabalhou para a Escola de Alemão Corcovado, no Brasil. Mas também há outros projetos que já conseguiram fazer essa ponte cultural entre a Alemanha e o continente africano. A tendência é que estes programas se tornem cada vez mais conhecidos e procurados.  

O Anabin é o órgão responsável por procedimentos como o reconhecimento de diplomas na Alemanha. Créditos: site hallogermany.com Durante sua estadia no Brasil, Delaine chegou a trabalhar na Escola Alemã Corcovado, onde seu marido atuou como um dos diretores da instituição

“Quando nós estamos ajudando alguém, não estamos perdendo nosso lugar e isso é algo que estes grupos e movimentos ultra-nacionalistas e anti-imigração não entendem.”

ATLANTICO- Quais as similaridades e diferenças  entre o Brasil e a Alemanha  quanto à literatura jurídica que fala sobre imigração e direitos dos imigrantes ?

Delaine- Há muitas similaridades. Até porque, muito do que há de legislação no Brasil é inspirado no que diz a legislação de Portugal e Alemanha.  Assim como nos dois países europeus, o Brasil também fornece recursos mais dinâmicos para quem está vindo trabalhar, estudar, etc. A única diferença acontece na União Estável. Como este direito é algo garantido no Brasil, muitos tentam fazer a mesma coisa aqui na Alemanha. E aqui este tipo de união não é possível, pelo menos não com a mesma facilidade. 

ATLANTICO- As reformas do governo alemão aprovadas em 2022 para a residência de imigrantes podem  resultar em  mudanças concretas e significativas ?

Delaine- Sim, porque o governo alemão sempre tentar aprovar mudanças benéficas  para o imigrante que possua qualificação. Um exemplo disso é o Blaue Karte, o Cartão Azul. É um documento destinado a todos que desejem trabalhar fora de seus países e que queiram trabalhar na Alemanha ou em qualquer outro país da União Europeia de forma mais rápida. Alguns dos pré-requisitos consistem, por exemplo, em já possuir um contrato de trabalho em mãos e que o salário oferecido seja alto. Uma medida muito positiva é que uma pessoa nas condições do Cartão Azul pode ganhar um título de residência permanente depois de apenas 21 meses na Alemanha. E se a pessoa souber um mínimo da língua alemã, melhor ainda. O Estado alemão está constantemente atualizando e aperfeiçoando o direito migratório até por uma questão de melhorar a economia do país. A Alemanha sofre muito com a falta de mão-de-obra e por isso não olha apenas para as pessoas com altas qualificações, mas também com outros graus de formação. Nós precisamos de todo tipo de mão de obra disponível.

“O Brasil tem na imigração muito de sua história, cultura e formação. A Alemanha também. É um país que foi moldado por muitas mãos imigrantes

O Blaue Karte, que em alemão significa ” Cartão Azul”, é a permissão de trabalho emitido pela União Europeia. Créditos: https://www.bundeskanzleramt.gv.at/themen/europa-aktuell/blaue-karte-eu-erleichterungen-fuer-hochqualifizierte-arbeitskraefte-aus-drittstaaten.html

ATLANTICO–  Como primeira vereadora brasileira eleita em Hannover, sua função difere das funções exercidas pelo mesmo cargo no Brasil ? 

Delaine- Difere em muito do Brasil. O próprio sistema de eleições e campanha são bem diferenciados. Não existe muito o patrocínio privado como no Brasil e essa questão de ter muito dinheiro em campanha. De fato, a minha campanha inteira custou € 18,0o. Então eu acho interessante essa disparidade onde uns gastam muito e outros não gastam quase nada. Aqui, há um número limite de candidatos em que o candidato entra em uma lista que funciona por ordem numérica. O meu partido, o SPD , poderia lançar, no máximo, 7 candidaturas  na região onde vivo. Então, o presidente do meu partido falou que iria me colocar no número 6 da lista de candidatos. Desde o início, já havia a consciência de que existia uma grande possibilidade de que eu iria entrar como vereadora, a menos que o partido sofresse com uma queda muito grande de votos, coisa que não seria impossível de acontecer. Foi muito interessante fazer a campanha, ver as pessoas sabendo quem sou eu, olhando para mim e sabendo que eu era o número 6 entre as 7 candidaturas do meu partido. E também foi uma surpresa porque eu passei 5 anos fora da Alemanha para retornar em 2017, e eu não tinha uma história politica aqui. Mesmo assim, veio uma quantidade de votos inesperados. Outra diferença é que na Alemanha o cargo não é remunerado. O que eu faço é quase um voluntariado, e eu recebo uma ajuda de custos. Um vereador no Brasil ganha um salário e pode chegar a ter 20 assessores. Pelo menos a nível de Rio de Janeiro. E aqui eu não possuo assessores. 

“Foi uma surpresa porque eu passei 5 anos fora da Alemanha para retornar em 2017, e eu não tinha aqui uma história politica aqui. Mesmo assim veio uma quantidade de votos inesperados. “

Delaine se elegeu vereadora de Hannover pelo Partido Social Democrata da Alemanha, SPD. Crétidos: Site do SPD

ATLANTICO- Quais projetos voltados para a melhoria de Hannover e o bem estar da população  poderiam ser aplicados em cidades no Brasil e em cidades na África ?

Os projetos municipais e regionais são realmente muito pequenos e voltados para o local aos quais foram destinados. Temos encontros de partidos e também de imigrantes, onde sou Vice-Presidente dos Imigrantes de Hannover e Vice-Presidente dos Juristas de Hannover do SPD. Então temos várias dessas dinâmicas e encontros, mas tudo a um nível muito local. Apesar do alcance ser local, nós nos organizamos para providenciar suporte aos ucranianos refugiados e para as crianças carentes. Existe um programa muito interessante de nível nacional chamado Kindergeld, que funciona como uma espécie de bolsa família da Alemanha, só que mais diferenciado. Todo alemão comum, não importando o nível que riqueza e que tenha filhos, tem direito a essa ajuda de custo. Toda criança alemã tem direito ao Kindergeld porque o programa é para proporcionar igualdade de oportunidades, de acesso a bens materiais. O Brasil ainda não possui um programa com essa especificidade e necessita de avançar muito em ações sociais. Aqui na Alemanha,por exemplo, uma pessoa irá passar fome e nem ficará desabrigada caso esteja desempregada. Há programas sociais bem desenvolvidos pensando no bem-estar das pessoas e pronto para prestar assistência a todo cidadão em estado de vulnerabilidade social. Eu acredito que isso é algo a ser melhorado no Brasil.  

O Kindergeld é um direito de toda criança na Alemanha. Créditos: alemanhacast.com.br

O Brasil ainda não possui um programa com essa especificidade e necessita de avançar muito em ações sociais.

ATLANTICO- Você recentemente participou de uma premiação entitulada de “Melhor do Brasil na Europa 2022”. Poderia comentar sobre?

Delaine- Tudo começou quando meu nome foi sugerido para o prêmio. O Rafael dos Santos, idealizador e apresentador da premiação, concordou com a sugestão. Minha primeira indicação foi em 2021 e meu nome concorreu na categoria de Melhor Advogada do Mundo. A premiação aconteceu em Londres e muito embora não tenha levado o prêmio, eu cheguei a ficar entre as finalistas. Contei com muitos votos de clientes, amigos e parentes, o que me deixou muito feliz. Até que esse ano eu concorri na categoria de Melhor Empreendedora e levei o prêmio para casa. Fiquei muito honrada com a vitória porque eu nunca tinha imaginado ganhar, e enquanto empreendedora é uma satisfação imensa ter ganhado nessa categoria. Eu também percebi que o prêmio levou em conta minha biografia, o que é muito significativo por conta das minhas origens em uma comunidade, vindo de uma família humilde e estar agora conseguindo tantas vitórias fora do Brasil.

Certificado da Premiação Melhor do Brasil na Europa 2022: Melhor Empreendedora Brasileira na Europa

“Eu também percebi que o prêmio levou em conta minha biografia e isso é muito significativo por conta das minhas origens em uma comunidade, vindo de uma família humilde e estar agora conseguindo tantas vitórias fora do Brasil.”

ATLANTICO- Quais conselhos e informações você poderia fornecer aos brasileiros que pretendem migrar para a Alemanha ?

Delaine-  Eu acredito que as pessoas nunca devem perder suas esperanças e a vontade de sonhar. Porque sonhar é a coisa mais importante que temos. E aos brasileiros que tenham interesse em vir para cá, que venham com muita garra, muita vontade de conquistar algo, de sonhar com seus objetivos e crescer aqui sem o medo de cair. Lógico que saber a língua alemã é importante e um diferencial, mas que para além disso, não tenham medo. 

MENÇÃO EM LIVROS

Delaine Kühn também foi mencionada em dois livros: “Empreendoras Brasileiras de Sucesso na Europa“, obra organizada por Claudia Canto e Lúcia Aeberhardt, e o livro “My Black Skin”, da escritora Dayan Kodua.

Créditos: instagram delainekuehn_adv_anwaeltin Créditos: instagram delainekuehn_adv_anwaeltin

“Eu acredito que as pessoas nunca devem perder suas esperanças e a vontade de sonhar. Porque sonhar é a coisa mais importante que temos.”

Texto: César Rodrigues

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